07 Junho 2022
"Esses consensos em rejeitar a existência de limites ecológicos, e até físicos, para o crescimento econômico é um dos fatos mais impressionantes da história contemporânea. A coincidência entre os mais diversos atores políticos e quase toda a academia revela um mito profundamente enraizado nas culturas contemporâneas: o do crescimento perpétuo", escreve Eduardo Gudynas, pesquisador no Centro Latino-Americano de Ecologia Social (CLAES), em artigo publicado originalmente em Ambiental.net e reproduzido por Rebelión, 04-06-2022. A tradução é do Cepat.
Dia 5 de junho é o Dia Mundial do Meio Ambiente. É um dia de grande importância, quase sempre aproveitado para que uns façam alertas sobre a crise ecológica e outros anunciem medidas para enfrentá-la, data prolífera em promessas e anúncios que pouco contribuem para soluções reais. Apesar de tudo isso, ainda é um momento chave.
Esse dia foi escolhido porque remetia diretamente à primeira conferência das Nações Unidas sobre questões ambientais, realizada em Estocolmo, na Suécia, de 5 a 16 de junho de 1972. Portanto, em 2022 comemoramos os cinquenta anos desse encontro.
Os preparativos para o evento foram muito longos e repletos de tensões, que por mais de uma ocasião colocaram em risco a sua realização. As tensões não se dissiparam e isso explica por que alguns governos contaram com grandes delegações em Estocolmo, como as dos Estados Unidos, vários países da Europa, mas também não poucos do Sul, como o Brasil. Esta não era apenas mais uma cúpula diplomática, mas seria o cenário de uma nova batalha na guerra sobre as concepções de desenvolvimento.
Um elemento-chave dessas discussões ocorreu algumas semanas antes do encontro em Estocolmo, quando, no início de março de 1972, foi publicado um opúsculo intitulado “Limites do Crescimento”. Em suas páginas, pela primeira vez foi apresentada uma análise das interações entre meio ambiente, população e estratégias convencionais de desenvolvimento. Não só o assunto era novo, mas também sua metodologia, pois sua escala era planetária, apontava para um futuro que chegava a 2100, e foi possível graças aos computadores daqueles anos, enormes máquinas que pareciam armários (1).
Na essência, nessas páginas se indicava que se as tendências de desenvolvimento persistissem, como o aumento da industrialização, da poluição ou da população, esse crescimento colidiria com vários limites no futuro próximo. Os recursos naturais que estavam sendo consumidos, como o petróleo, são finitos e se esgotariam, e a capacidade da natureza de amortecer a poluição e outros impactos também é limitada. As projeções indicavam que em algum momento da metade do século XXI, graves problemas seriam acrescidos, seja pelo esgotamento dos recursos naturais ou por um desastre ecológico, que, por sua vez, levaria a uma crise de poluição e perda de disponibilidade de alimentos. Esses e outros fatores levariam a um possível colapso da civilização. O vislumbre do futuro era, portanto, de enorme gravidade.
Livro: Limites do Crescimento de Donella H. Meadows e Outros
Essas conclusões estavam resumidas em um dos gráficos do livro, e que até hoje se tornou um clássico. Hoje, eles nos parecem arcaicos, mas os gráficos dos diferentes modelos de mundo impressos por teletipos em enormes folhas de papel simbolizavam todo o glamour do poder dos computadores. Eles facilitavam a visualização de um colapso iminente.
O que é relevante para entender o debate naquele momento histórico é observar as reações a "Limites". Foram quase instantâneas, por vezes uma avalanche. Em suas expressões mais simplistas, denunciavam que se previa o fim do mundo ou um colapso planetário. Em outras versões os argumentos foram diversificados. No The New York Times, três economistas argumentaram que era “vazio e enganoso”, questionava o uso dos computadores, a escala planetária e os intervalos de tempo tão longos, razão pela qual suas conclusões não seriam confiáveis (2). Mais ou menos na mesma época, a revista científica Nature também indicava que o relatório era uma coleção de fraquezas, com cheiro apocalíptico, e cujos resultados estavam obviamente errados (3). Outras revisões acrescentavam críticas adicionais, muitas delas considerando que Thomas Malthus estava sendo ressuscitado, a partir do qual todos os problemas ambientais seriam atribuídos ao aumento da população.
Em suma, a academia, em sua maioria, questionou furiosamente o livro, e especialmente os economistas (dois deles, que mais tarde se tornariam vencedores do Prêmio Nobel de Economia, fizeram críticas ácidas, algumas delas infundadas e inclusive misturando ataques pessoais aos seus autores). Uma maioria mais do que chamativa.
Das esferas políticas, as respostas foram semelhantes. Das trincheiras conservadoras e liberais, “Limites” foi atacado por questionar o crescimento econômico ou a incapacidade de acreditar que a ciência resolveria os problemas ambientais; a esquerda o denunciou como uma manobra dos centros de poder capitalista para reforçar seu domínio. Nos centros políticos e econômicos, as revistas Newsweek, The Economist, Foreign Affairs e muitas outras se saturaram com críticas ao documento.
Um exemplo dramático ocorreu na América Latina. “Limites”, e ao mesmo tempo todo o programa da conferência de Estocolmo, foi denunciado, questionado e criticado tanto pela direita militar do governo brasileiro como pelos intelectuais de inspiração marxista. Todos eles, seguindo caminhos diferentes, consideravam que o crescimento econômico era indispensável para o desenvolvimento. Portanto, se o crescimento fosse impedido ou desacelerado, as economias nacionais entrariam em colapso e a pobreza se multiplicaria. Se a conferência de Estocolmo aceitasse a tese de “Limites” então a América Latina em particular, e o Terceiro Mundo em geral, estaria impedido de se desenvolver (de acordo com as ideias sobre “desenvolvimento” nos anos 70). Por essa razão, o governo militar brasileiro enviou seu ministro do Interior a Estocolmo; por trás disso estava a obsessão em garantir, entre outros programas, o de “desenvolver” a Amazônia “a qualquer custo” para que ela deixasse de ser um “deserto verde”, segundo a linguagem da época. Esses acordos entre políticos tão díspares é outro aspecto marcante.
Esses temores levaram a diferentes posições das nações em Estocolmo. As nações industrializadas ocidentais buscavam um consenso internacional básico para incorporar o cuidado com o meio ambiente, os governos do bloco soviético se alinharam com Moscou e decidiram boicotar a reunião, denunciando-a como uma tentativa imperialista de controle, e um grupo de nações identificado como Terceiro Mundo estava mais do que preocupado. Na opinião deles, escondia-se a intenção ou o temor de que fossem aplicados empecilhos e restrições à decolagem do desenvolvimento a que aspiravam países como o Brasil ou a China.
Além dessas orientações, todos esses governos estavam convencidos da necessidade do crescimento econômico. Todos eram crentes fervorosos. A eles se opunham, em alguns casos, diferentes formas de entender o desenvolvimento e, em outros, o desejo de repetir o desenvolvimento das nações industrializadas. Portanto, por trás das discussões e acusações em Estocolmo em 1972 estava a crença no crescimento para garantir o desenvolvimento.
Esses consensos em rejeitar a existência de limites ecológicos, e até físicos, para o crescimento econômico é um dos fatos mais impressionantes da história contemporânea. A coincidência entre os mais diversos atores políticos e quase toda a academia revela um mito profundamente enraizado nas culturas contemporâneas: o do crescimento perpétuo. É como se muitos crentes no desenvolvimento saíssem em defesa do dogma que considera o relatório uma heresia intolerável. Não se deve acreditar que a principal reação foi de alarme porque alguns modelos anunciavam um colapso civilizacional, mas sim de ataque a um dogma essencial.
A equipe de “Limites do Crescimento” em 1972. J. Rander, J.W. Forrester, D. Meadows, D. Meadows e B. Behrens. Reproduzido do Clube de Roma.
“Limites” é, na verdade, uma reportagem investigativa, de autoria de Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens, e com a participação de quase duas dezenas de pesquisadores. O estudo foi promovido pelo Clube de Roma, grupo que incluía empresários e políticos, e foi realizado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Todos os tipos de histórias e advertências foram trocados sobre os promotores da análise, e algumas delas podem ser ouvidas, mas isso não pode impedir uma análise rigorosa do relatório.
Apesar de tudo, o livro ainda é um sucesso, e há alguns anos estimava-se que 12 milhões de exemplares foram vendidos e foi traduzido para 37 idiomas. Nos anos seguintes, foram feitas atualizações com melhorias nos dados e nos modelos, e todas confirmaram as ideias básicas e as conclusões do relatório de 1972 (incluíram, por exemplo, atualizações nos 20, 30 e 40 anos). O balanço final mostra que os equivocados estavam quase sempre do lado dos que rejeitavam “Limites”, mas quase nenhum deles o aceitava.
Um exame cuidadoso das questões daqueles anos torna inevitável perguntar se seus autores realmente leram “Limites”. Por exemplo, eles foram culpados de negligenciar as capacidades da ciência ou a possibilidade de se descobrir mais reservas de recursos naturais, mas Meadows e sua equipe não apenas fizeram isso, mas modelaram outros cenários, incluindo maior disponibilidade de recursos naturais ou tecnologias mais exitosas. Mas o crescimento ainda enfrentava limites. Nada disso ajudou, e o coro de detratores cantava como se essas diferentes opções não estivessem nas páginas do livro.
O cenário do modelo de referência, com o estilo gráfico de 1972, que mostrava a associação entre esgotamento dos recursos naturais e aumento da poluição, com suas consequências em outras variáveis. Redesenhado da imagem original.
Hoje é óbvio para nós entender que os recursos naturais que sustentam as economias são limitados, e alguns estão se esgotando diante de nossos olhos (como é o caso dos hidrocarbonetos), e também sabemos que há colapsos ecológicos (como é o caso do desmatamento ou das mudanças climáticas). Mas “Limites” era mais do que isso, não é que apenas alertasse sobre a crise ecológica, mesmo com premonições como apontar para a possibilidade de mudanças climáticas. O que é relevante é que mostrou que a ideia do crescimento econômico perpétuo era uma fantasia.
Qualquer organização econômica está situada num contexto ecológico, pois depende dela para obter recursos, água e energia, e ao mesmo tempo deposita nele todos os seus resíduos. Consequentemente, é impossível que cresça para sempre. Mais cedo ou mais tarde esses recursos se esgotarão, não haverá mais rincões do planeta para cultivar ou toda a água estará contaminada. Em termos sistêmicos, as economias nacionais e a economia global, que se supõe crescerão indefinidamente, estão demarcadas, encerradas e contidas em um sistema maior, a Terra. Um planeta que não cresce nem se expande.
A exposição desse mito era intolerável para todas as escolas de economia convencional. É que os resultados de “Limites” torpedearam as bases teóricas compartilhadas por todos elas, e é por isso mesmo que também acabou sendo insuportável para a direita e a esquerda políticas. A fé no crescimento eterno é um dos pilares que sustentam a modernidade, associada à ideia de progresso, e a partir dela com raízes que remontam ao Iluminismo. O que este informe provocou foi muito mais do que uma discussão sobre os impactos ambientais, mas também colocou em questão um dos pilares da própria modernidade ocidental.
Neste novo Dia Mundial do Meio Ambiente, cinquenta anos depois, poucos rejeitarão a relevância da dimensão ambiental, mas, se formos sinceros, veremos que essa disputa continua sem solução. Não faltará um ministro ou um acadêmico que diga que a solução para o desastre ecológico é crescer mais, deixando claro que é preciso reler “Limites do crescimento”.
1. A tradução em português de Limites do Crescimento também foi publicada em 1972, pela Editora Perspectiva.
2. The limits to growth, World dynamics, Urban dynamics, revision por P. Passell, M. Roberts e L. Ross, New York Times, 12 de abril de 1972.
3. Another whiff of doomsday, Nature, Vol. 236, março de 1972.
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Por trás do debate entre meio ambiente e desenvolvimento está a crença no crescimento perpétuo. Artigo de Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU