02 Junho 2022
“A tarefa da liturgia é cultivar 'um espírito de adoração ao levar uma vida para Deus', que coloca a 'assembleia em condições de estar diante de Deus em um ato radical de obediência a ele pela vida do mundo'. A experiência de psicólogos e sociólogos é em grande parte irrelevante para essa tarefa. Sim, a Igreja deve ser uma comunidade acolhedora, mas deve ser uma comunidade que enfaticamente olha além das coisas deste mundo para valorizá-las adequadamente”, escreve Paul Baumann, em artigo publicado por Commonweal, 01-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Thomas Reese, jesuíta, ex-editor da revista America, escreve uma coluna para o Religion News Service que é regularmente reproduzida pelo National Catholic Reporter [e traduzida para o português pelo IHU].
Ele recentemente abordou a vexatória questão, já desgastada, “Por que a Igreja está falhando no Ocidente?”. Ele fez algumas observações astutas, mas com conclusões dúbias.
Reese é um distinto cientista social que tem examinado os trabalhos institucionais da Igreja em seus livros “Archbishop: Inside the Power Structure of the American Catholic Church” (“Arcebispo: Por dentro das estruturas de poder da Igreja Católica Americana”, em tradução livre) e “O Vaticano por dentro – A Política e a Organização da Igreja Católica” (Edusc, 1999).
Em sua coluna, Reese ensaia as explicações oferecidas por conservadores e liberais para os problemas atuais da Igreja. “As teorias podem ser reunidas em duas grandes cestas”, escreve ele, “aquelas que culpam a cultura e aquelas que culpam a própria Igreja”.
Essa dicotomia é bastante familiar. Os conservadores, especialmente aqueles na hierarquia, culpam a secularização, o individualismo e o consumismo.
As comunidades católicas urbanas, tribais e coesas do século passado fugiram para os subúrbios desenraizados. Os padres também não são mais as pessoas mais educadas da comunidade.
Afluência e casamentos mistos minam as antigas lealdades. O Vaticano II destruiu a noção da Igreja como uma “sociedade perfeita” imutável e abriu a porta para os teólogos católicos se oporem publicamente aos ensinamentos da Igreja. Ou então os conservadores costumam reclamar.
Os liberais, por outro lado, culpam uma hierarquia calcificada pelos problemas da Igreja. O padre Andrew Greeley, outro cientista social, achava que a hierarquia perdeu os leigos com a Humanae vitae, nos lembra Reese.
Os liberais pensam que não permitir que os padres se casem e não suavizar os ensinamentos da Igreja sobre o aborto e os direitos dos homossexuais alienou a maioria dos católicos, especialmente os jovens.
Reese candidamente admite que tende a ficar do lado da crítica liberal e não da crítica conservadora. Ele admite que há muita verdade no argumento conservador, “mas culpar a cultura é como culpar o clima. Esse é o mundo em que vivemos: aprenda a lidar com isso”.
Reese então faz vários argumentos curiosos. Ele acha que ambas as teorias sobre o que deu errado foram criadas por “teólogos que acreditam que as ideias são o que motivam os humanos”.
Como cientista social, ele discorda. “A experiência muitas vezes importa mais”, escreve ele.
Mas essas interpretações conservadoras e liberais conflitantes do declínio da Igreja dificilmente se limitam aos teólogos; elas foram tomadas por um bom número de leigos. Nem todos os teólogos, ou talvez até a maioria, pensam que apenas as ideias são o que motiva as pessoas.
Experiências ruins na Igreja, em funerais ou durante a confissão podem, é claro, afastar os católicos, como observa Reese.
Mas é verdade que “mais pessoas são expulsas da Igreja por padres arrogantes do que por divergências sobre teologia”?
Frequentei muitas igrejas ao longo dos anos e raramente fui confrontado pela arrogância do púlpito. Mas também raramente encontrei inspiração ou excelência exegética.
A mediocridade clerical, não a arrogância, é o problema mais comum.
Reese provavelmente está certo ao dizer que mais pessoas fogem da Igreja “por tédio do que por causa da teologia”.
Mas, na minha opinião, ele julga mal a fonte desse tédio.
“Se a pregação for monótona, se a música não os comover, se eles não se sentirem acolhidos, então eles não vão voltar”, escreve ele.
“Se a missa é vista como algo que o padre faz, se as Escrituras são de domínio do clero, se não há senso de comunidade, então por que vir?... O catolicismo também deve ser uma experiência vivida que seja relevante para a vida dos fiéis”.
Novamente, não é minha impressão que os católicos sejam agora oprimidos por padres que os dominam ou tomam posse exclusiva das Escrituras.
Leigos leitores e outros ministros se proliferam. As pastorais da acolhida se esforçam para criar um senso de comunidade.
Ainda assim, a “experiência vivida” da liturgia muitas vezes é pequena.
No futuro, escreve Reese, “não convide os teólogos” para nenhuma discussão sobre como consertar as coisas. Em vez disso, “convide sociólogos, psicólogos, artistas, músicos e as pessoas que deixaram a Igreja”.
Essa análise coloca a carroça na frente dos bois. Os teólogos não são a única solução para os problemas da Igreja, mas é um erro pensar que deixar de lado a teologia ou a doutrina é a resposta.
Em muitas igrejas, a “teologia” já fica em segundo plano em relação aos esforços em grande parte fúteis de construção de “comunidade”.
No entanto, se o que a Igreja torna palpável e acessível sobre Deus na liturgia é de importância secundária, é difícil imaginar por que a Igreja existe em primeiro lugar.
Como o liturgista Aidan Kavanagh escreveu muitos anos atrás: “Por que as pessoas deveriam ir a tal liturgia para serem afirmadas em valores que são pelo menos tão bem celebrados em outros lugares?”.
Por todos os meios, vamos melhorar a pregação e principalmente a música.
Mas suspeito que os conselhos de sociólogos, psicólogos e especialmente aqueles que deixaram a Igreja farão pouco mais do que espelhar as atuais preocupações terapêuticas, materialistas e mundanas da cultura secular.
Tal movimento não apenas aceitaria a realidade do que Reese chama de “clima” cultural; abriria as portas da Igreja e deixaria passar um furacão de distrações não teológicas.
A Igreja ainda espera transformar o mundo, não apenas lidar com ele.
Se você não quer que as pessoas fiquem entediadas, dê a elas algo que elas não encontrem fora da Igreja. Esse algo é o que Karl Barth chamou de “estranho novo mundo dentro da Bíblia”.
Experimente a Encarnação, a Ressurreição e a aparente impossibilidade da Vida Após a Morte.
Como escreveu Kavanagh, a “realidade sacramental fundamental no cerne do rito” não produz “resultados causais diretos em problemas sociais complexos e de longo prazo”.
Em vez disso, a tarefa da liturgia é cultivar “um espírito de adoração ao levar uma vida para Deus”, que coloca a “assembleia em condições de estar diante de Deus em um ato radical de obediência a ele pela vida do mundo”.
A experiência de psicólogos e sociólogos é em grande parte irrelevante para essa tarefa.
Sim, a Igreja deve ser uma comunidade acolhedora, mas deve ser uma comunidade que enfaticamente olha além das coisas deste mundo para valorizá-las adequadamente.
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“Não convide os teólogos”. O jesuíta Thomas Reese está certo sobre o que aflige a Igreja? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU