30 Mai 2022
"Mais do que uma abertura eu definiria como um blefe". Francesco Zanardi, 48 anos, presidente da Rede L'Abuso, vítima de um sacerdote quando tinha dez-onze anos na paróquia onde morava em Spotorno, não mede palavras para comentar a fala do novo presidente da Conferência Episcopal Italiana, o cardeal Matteo Zuppi, sobre o anunciado relatório da Igreja italiana sobre os casos de abuso sexual cometidos por padres contra menores.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por la Repubblica, 28-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Zanardi, por que você fala em blefe?
O relatório cobrirá os últimos dois anos com uma investigação subsequente cobrindo os últimos 20 anos.
Eu me pergunto? E quem como eu foi abusado antes, nas décadas trágicas nesse sentido da Igreja, não só italiana? Tudo isso me parece realmente discriminatório para os milhares de vítimas italianas que ficarão de fora desta investigação. Não me parece civil e nem mesmo sensível. Fui abusado na década de 1980. Se este for realmente o caso, este relatório é inadmissível, não só por mim, mas também por muitas vítimas que recorrem à minha rede L’abuso para pedir ajuda e conforto ao mesmo tempo.
Em suma, isso é para você um passo atrás da Igreja o que foi anunciado?
Absolutamente sim, devo dizer, também porque enquanto todas as conferências episcopais do mundo - a última da França, mas antes várias outras - realizam investigações guiadas por comissões externas, isto é, com pessoas que estudam do fora os vários casos, a CEI não.
O ‘caminho italiano’, como Zuppi o chamou, é uma macroscópica anomalia, essa é a verdade. Lamento, mas desta forma as vítimas nem se sentem tratadas como tal, não se sentem protegidas, nem compreendidas, apesar de estarem no coração da Igreja em palavras.
As denúncias se reduziram nos últimos anos em comparação com o passado?
Sim, mas a razão é sobretudo uma: há estudos científicos que dizem que há um amadurecimento do trauma que dura dos três aos 35 anos.
Isso significa que, nos últimos 20 anos, bem poucas vítimas denunciaram tanto à Igreja quanto ao poder judiciário italiano porque ainda não encontraram a força ou a plena consciência para fazê-lo.
Por isso é evidente que a Igreja italiana sairá com um relatório pouco verossímil.
Você acha que seria necessário envolver o judiciário?
Não pode haver um relatório sério sem o judiciário. Muitas vítimas não denunciam à Igreja, mas apenas ao judiciário. Portanto, um relatório sem ele não faz sentido.
Por que não denunciam também à Igreja?
Não vão à igreja, ou seja, exatamente o lugar onde foram abusados e maltratados para denunciar, primeiro porque temem não serem acreditados.
Antes do ano 2000, os bispos encobriam sistematicamente?
Sim, porque se não o fizessem, violavam indicações específicas do Vaticano. Esta é uma verdade que mais cedo ou mais tarde terá que ser contada e admitida.
Você não viu nenhum progresso nas palavras de Zuppi ontem?
Só a vontade de se encontrar conosco. Entrarei em contato, esperemos que ele cumpra a palavra.
Mas que dados você tem sobre a Itália?
Na Itália há 164 padres sob investigação, 162 condenados definitivamente, cerca de 30 bispos encobridores, 161 novas denúncias desde o início do ano. A estes números devemos acrescentar os dados mais importantes, ou seja, os 471 casos com impunidade, aqueles para os quais o crime caiu em prescrição ou cujas vítimas não tiveram forças de relatar os fatos em um centro de escuta diocesano por razões óbvias.
Por que é mais difícil na Itália escolher a transparência?
Existem muitos nós em nível de legislação nacional que a Concordata protege, como o fato de que não existe a obrigação de denunciar. Na minha opinião, trata-se de uma espécie de código de silêncio que o próprio Estado italiano concede à Igreja.
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Itália e os abusos sexuais clericais. "Sem o poder judicial corre-se o risco de ser um blefe: 161 as novas denúncias" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU