"No escopo deste manual, a autora esboça uma imagem plausível e compreensível da história do Israel bíblico, que ajudará o leitor, seja ele estudante de Teologia, Ciências da Religião e/ou História, bem como para quem deseja viajar para a Terra Santa obter um conhecimento sólido da história e geografia de Israel", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro O Israel bíblico: história, arqueologia, geografia (Paulinas, 2022, 328 p.), de autoria de Melanie Peetz.
Melanie Peetz é doutora em Exegese do Antigo Testamento pela Universidade Católica de Eichstätt-Ingolstadt e livre-docente pela Universidade Johannes Gutenberg em Mainz, ambas na Alemanha. Atualmente, ela leciona na Faculdade de Filosofia e Teologia St. Georgen em Frankfurt am Main, Aleanha, e na Universidade Goerthe de Frankfurt. É autora do livro: O Israel bíblico: história, arqueologia, geografia (Paulinas, 2022, 328 p.).
Este manual concentra-se na história de Israel na época bíblica: “trata do tempo a respeito do qual os livros bíblicos narram e expande-se ao tempo em que tais escritos surgiram – portanto, ao período de cerca de 2000 a.C. até por volta de 200 d.C.” (p. 13). No âmbito destes mais de 2.200 anos, e servindo-se do método histórico-crítico esta obra pretende “reconstruir a história de Israel, entre outras coisas: não apenas recontar a descrição bíblica, mas ordená-la historicamente em comparação com outras fontes textuais e descobertas arqueológicas” (p. 13). Peetz esclarece que o conceito “Israel” é por ela usado em sentido amplo, ou seja, “no que segue ‘história de Israel’ significa a história de Israel e de Judá, bem como a história do judaísmo primitivo. Por conseguinte, diferentemente de outros manuais, aqui se abrange um período de tempo mais amplo, que chega até o tempo da ocupação romana. Dentro desse conceito, a perspectiva neotestamentária é levada em consideração na medida em que os autores judaicos dos escritos neotestamentários pertencem a esse judaísmo primitivo. Evidentemente, este manual tenta compreender os desenvolvimentos do judaísmo primitivo em sua totalidade” (p. 18).
(Foto: Capa do livro | Divulgação)
Nesta perspectiva este manual articula a história de Israel em oito períodos, apresentados respectivamente em capítulos (A-H):
No capítulo A, denominado, Pré-história e origem de Israel (p. 49-77), sobre esta época a autora observa que “de acordo com o relato bíblico, o povo e Israel surge no Egito. Vive ali na escravidão, sem posse de terra. Somente após a libertação desse cativeiro e depois de uma peregrinação pelo deserto durante 40 anos, Israel conquista belicaente a terra prometida por Deus, Canaã. Em diversos pontos a representação bíblica não pode ser corroborada arqueologicamente. Assim os resultados arqueológicos indicam que Israel, a partir do século XII, em um processo gradual, surge pacificamente em Canaã, como uma simples cultura aldeã nas áreas montanhosas locais. O povo de Israel, portanto, não teria invadido a Cisjordânia nem militarmente nem de fora” (p. 49). Tendo-se em conta que a narrativa sobre a pré-história e a origem de Israel não coincide com os resultados arqueológicos em vários pontos, Peetz em um primeiro subcapítulo, apresenta o quadro bíblico da época (p. 50-54). Em seguida esboça-se como surgiu o relato bíblico (p. 54-56), e, por fim delineia-se um quadro da pré-história e da origem de Israel com o auxílio dos resultados arqueológicos (p. 56-77). Este capítulo ajudará, o leitor entender como o povo de Israel surgiu no Egito e, depois de quarenta anos de peregrinação pelo deserto, conquistou militarmente, de fora, a terra de Canaã. Permite ao leitor esboçar a origem de Israel, uma vez que inclui fontes extrabíblicas e conhecimentos arqueológicos. E mais, lança luzes sobre o que se entende por correspondência de Amarna, o que são textos de banimento, o que é a estela de Merneptá e até que ponto essas fontes são instrutivas para a história e para o surgimento de Israel. Explica porque os habirus e os shasus tem a ver com a origem de Israel.
No capítulo B, cujo conteúdo fala A monarquia primitiva (p. 79-106), a autora esclarece que “chama-se monarquia primitiva o período dos primeiros reis (Saul, Davi e Salomão), por volta de 1000. Conforme representação bíblica, Davi consegue erigir um reino no Levante, o qual se estende de Dã a Bersabeia, quando não até mesmo da Mesopotâmia até a fronteira do Egito. Sob seu filho e sucessor Salomão, floresce o comércio internacional com o Egito, a Fenícia e a Arábia Meridional. Durante seu reinado, diversas cidades teriam sido ampliadas. E, por fim, Salomão teria também erigido o templo de Jerusalém. Achados arqueológicos levantam dúvidas sobre diversos pontos do quadro traçado pela Bíblia. Pesquisas arqueológicas mostram que a zona montanhosa cisjordânica, naquela época, ainda era marcadamente rural. Ainda não existia política interna nem estruturas territoriais estatais. Faltava, também, uma infraestrutura que pudesse ter possibilitado o intercâmbio internacional e a expansão das cidades (p. 79). Tendo-se e conta que o relato sobre a monarquia primitiva se harmoniza em diversos pontos com resultados arqueológicos apresenta-se inicialmente o quadro bíblico da época (p. 81-89), num segundo momento esboça-se como surgiram os capítulos de 1Sm 1-1 Rs 11 (p. 89-90) no terceiro momento, traça-se o período da monarquia primitiva levando-se em conta as descobertas arqueológicas (p. 90-106). Este capitulo permite:
a) descrever o império de Davi (Saul/Salomão) tal como a Bíblia o apresenta,
b) organizar cronologicamente a estela de Tel-Dã e perceber até que ponto esta estela é instrutiva para a reconstrução da monarquia primitiva,
c) posicionar criticamente sobre a provável existência de Davi – tendo em conta a estela de Tel-dã.
No capítulo C, intitulado A monarquia média até a crise assíria (p. 107-146), esclarece que monarquia média compreende o “tempo posterior à morte de Salomão, por volta de 926, até o declínio do Reino do Norte, Israel, em 722. Nesse período, o Reino do Norte, Israel, e o Reino do Sul, Judá, seguem, cada um, o próprio caminho. Após algumas dificuldades iniciais, sob o governo dos amridas (880-841) e sob a dinastia de Jéu (840-747), nos sécs. IX e VIII, o Reino do Norte, Israel, desenvolve-se em um estado territorial com várias cidades importantes. Em contraposição, o Reino do Sul, Judá, sob a dinastia davídica, permanece comparativamente subdesenvolvido, com estruturas camponesas. Descobertas arqueológicas sugerem que Israel é superior a Judá militar e economicamente. A narrativa bíblica, porém, deixa entrever o domínio de Israel sobre Judá apenas nas entrelinhas” (p. 107). Nesta perspectiva grande parte deste capítulo aborda a hitória do Reino do Norte, Israel (p. 112-139), ao passo que a parte final se ocupa da história do Reino do Sul, Judá (p. 139-146). Este capítulo descreve a importância política e militar dos amridas, a imagem que a Bíblia traça da dinastia amrida e qual a intenção disto, coloca o leitor diante da dinastia de Jéu em termos históricos e discorre sobre a situação política, militar e econômica de Israel sob os reis desta dinastia, esclarece porque Judá, no século IX e no início do século VIII, é economicamente inferior ao Reino do Norte, descreve o relacionamento entre Reino do Norte e Reino do Sul no século IX.
A crise assíria (p. 147-175) é escrita no capítulo D, em cujas páginas Peetz faz notar que “depois de diversas tentativas frustradas, os assírios conseguem, a partir de meados do século VIII, avançar sobre o Levante. Com isso, a lacuna de poder político, que existe desde aproximadamente 1200 no Levante, é preenchida. Israel é fortemente atingido. Em 722, os assírios conquistam o Reino do Norte, e o Estado de Israel deixa de existir. Judá sobrevive à crise assíria, mas não sem profundas feridas. No século VIII, a situação de Judá melhora notavelmente. Com a queda do império assírio, por volta do século VIII, a crise assíria chega definitivamente ao fim para Judá” (p. 147). A estrutura deste capítulo leva em conta a época da crise assíria dividindo-a em três etapas:
a) o império de Israel até sua queda – cerca de 750-722 (p. 149-156),
b) Judá depois da destruição do Reino do Norte e sob o rei Ezequias – 722-697 (p. 156-167),
c) Judá sob os reis Manassés e Josias- 697-609 (p. 167-175).
Nas páginas deste capítulo esclarece-se o que se entende por crise assíria e em que medida essa época representa uma crise para Israel e Judá. Mostra até que ponto 722 representa uma virada na história de Israel e Judá na perspectiva política, econômica, cultural e religiosa. Explica como o rei assírio Senaquerib fez campanha contra Judá em 701 além de apresentar as fontes para a reconstrução dessa campanha. Explica o que se entende por reforma josiânica.
No capítulo E, a autora escreve sobre A crise babilônica e o exílio (p. 177-197), que é o “período entre o final do século VII até meados do século VI. Uma vez eu o Reino do Norte sucumbiu durante a crise assíria, a crise babilônica afeta unicamente Judá. Em 605, o império babilônico conquista o Levante, e Judá deve pagar elevados tributos à Babilônia. A crise babilônica atingiu se ápice em 587, com a destruição de Jerusalém e do templo pelo exército babilônico. Para grande parte da classe alta judaíta, começa doravante a vida no exílio babilônico. Somente sob o domínio persa, no final do século VI, é que os descendentes desses exilados têm a possibilidade de retornar à pátria” (p. 177). A época da crise babilônica pode ser dividida em três etapas:
a) fim do império assírio e fortalecimento da Babilônia (p. 180-182),
b) fim do Estado de Judá (p. 183-191),
c) exílio babilônico (p. 191-197).
Neste capítulo esclarece em que sentido o ano de 587 representa uma data decisiva para a história de Israel e Judá, explica como se chegou à destruição do templo em 587, descreve as condições de vida dos exilados judaítas no exílio babilônico e em que medida o exílio representa o berço do judaísmo primitivo, apresenta quais são as fontes extrabíblicas existentes para a reconstrução das condições de vida no exílio.
No capítulo F, sobre Os judeus sob o domínio persa e o período pós-exílico (p. 199-228), sobre esta época a autora escreve que “com a conquista da Babilônia pelo rei persa Ciro II, em 539, começa no Oriente Próximo o período persa. No auge de seu poder, o império persa (também chamado de império dos aquêmidas) vai do rio Indo (nos atuais Paquistão e Índia), até o Egito, estendendo-se até a Grécia. Subsiste por ais de 200 anos. Somente o macedônio Alexandre sela o fim da época persa, em 333, com sua campanha no Oriente. Sob os persas, os judeus exilados têm, a possibilidade de retornar à sua pátria. Os repatriados empreendem, em Judá, a reconstrução. Enquanto o exílio babilônico é com frequência designado como a primeira infância do judaísmo primitivo, este se estabelece nesse momento na era pós-exílica. Durante o período persa, dá-se a reconstituição de Israel” (p. 199). A época do período persa pode ser dividida em três seções:
a) o Oriente Próximo sob o domínio persa (p. 202-209);
b) o retorno dos exilados e a reconstrução (p. 209-224),
c) judaítas no Egito e a colônia militar na ilha de Elefantina, junto ao Nilo (p. 224-228).
Peetz mostra neste capítulo qual é a importância histórica dos papiros de Elefantina/ a importância desses testemunhos textuais para a história do judaísmo primitivo. Esclarece quais inovações se introduzem com a época persa e que importância essas inovações têm para a reconstituição de Israel. Mostra quais são as fontes para uma reconstrução dessa época.
Peetz observa no capítulo G, intitulado Os judeus sob o domínio helenista (p. 229-264), que “com a campanha do macedônico Alexandre Magno, em 333, o Oriente Próximo modifica-se profundamente. O império persa sucumbe, e suas áreas são incorporadas ao império de Alexandre. Doravante, o Oriente Próximo fica sob a influência helenística. Quando Alexandre morre, explode uma disputa entre seus generais a propósito de quem o sucederia. Depois de duas décadas de persistentes lutas entre os Diádocos, o império de Alexandre é dividido entre os vencedores, em 301. A província de Judá, que época helenista é chamada de Judeia, no século III fica sob o domínio dos plotomeus. Entretanto, a partir de 200, os selêucidas assumem a hegemonia sobre o Levante. Sobre eles, cresce na Judeia a oposição. Chega-se assim, sob a liderança dos macabeus, à revolta contra os selêucidas. No século II, os macabeus logram alcançar a independência da Judéia; além disso, fundam um império judeu- a dinastia hasmoneia” (p. 229). Este capítulo está estruturado em cinco partes:
a) A Judeia e o Oriente Próximo sob Alexandre Magno (p. 233-239),
b) os judeus sob o domínio dos plotomeus (p. 239-241),
c) A Judeia sob o domínio selêucida até Antíoco IV Epífanes (p. 241-244),
d) a revolta dos macabeus (p. 245-251),
e) a dinastia hasmoneia (p. 251-264).
Este capítulo ajuda a entender e avaliar o impacto da helenização do Oriente Próximo desde Alexandre Magno sob a população judaica na Judeia, bem como o judaísmo da diáspora egípcia. Ajuda a compreender o que se entende por diádocos e que importância eles têm para a população judaica no Oriente Próximo; a revolta dos Macabeus e a dinastia hasmoneia.
No capítulo H, Os judeus no período romano até a revolta de Bar-Kochaba (p. 265-306), a autora salienta que “depois de algumas dificuldades iniciais, em 37 a.C. os romanos conseguem consolidar de modo duradouro seu domínio no Levante. Herodes, oriundo da Idumeia, é instituído pelos romanos como rei do território do antigo império hasmoneu. Durante seu governo, Herodes estimula o intercâmbio político e cultural com Roma. Depois de sua morte, em 4 a.C., os romanos dividem o território do domínio de Herodes entre sues filhos Arquelau, Herodes Antipas e Filipe. A partir de 6 a.C., o território de governo de Arquelau é administrado por procuradores romanos. Sob o domínio destes, inflamam-se conflitos políticos e sociais. Entre os anos de 66 d.C. e 135 d. C., surgem rebeliões contra Roma na Judeia e na diáspora judaica. As brutais repressões destas pelos romanos representam momentos críticos decisivos na história do judaísmo” (p. 265). A estrutura do capítulo contempla:
a) a conquista do Levante pelos romanos (p. 268-270),
b) o reino-cliente romano de Herodes Magno (p. 271-281),
c) herodianos e procuradores romanos (p. 282-290),
d) a primeira guerra judaica (p. 291-298),
e) as revoltas da diáspora judaica (p. 298-302),
f) a revolta de Bar-Kochba (p. 302-306).
Este capítulo ajudará a compreender o governo de Herodes Magno, seu relacionamento com os romanos, os hosmoneus e os judeus piedosos (fariseus), esclarece as relações de poder depois da morte de Herodes Magno, no Levante meridional até o ano de 39 d. C., que papel desempenham os reis judeus Agripa I e Agripa II no destino da Judeia e de Jerusalém, como se chegou à Primeira Guerra Judaica e em que medida essa guerra representa um ponto de inflexão na história do judaísmo, esclarece o que se entende por revoltas judaicas na diáspora e que importância têm para o desenvolvimento do judaísmo, além de esclarecer anda o que é a revolta de Bar-Kochba e até que ponto essa guerra representa outro divisor de águas na história do judaísmo.
Além dos capítulos citados, o livro apresenta um apêndice que contém as datas e os acontecimentos importantes da história em sinopse (p. 307-308); índices e abreviaturas (p. 309); fontes bibliográficas (p. 311-315), bem como um índice remissivo (p. 317-327), que concluem esta obra. Além do mais, breves introduções, quadros cronológicos, mapas, ilustrações e exercícios são apresentados em cada um dos capítulos já descritos.
No escopo deste manual, a autora esboça uma imagem plausível e compreensível da história do Israel bíblico, que ajudará o leitor, seja ele estudante de Teologia, Ciências da Religião e/ou História, bem como para quem deseja viajar para a Terra Santa obter um conhecimento sólido da história e geografia de Israel, uma vez que “este manual tenta compreender os desenvolvimentos do judaísmo primitivo em sua totalidade”.
A partir de uma perspectiva histórico-crítica esta obra mostra que para a História de Israel no tempo bíblico, existem muitas fontes, em parte bem diferenciadas e em parte contraditórias. Além da própria Bíblia, devem-se incluir na lista escritos do judaísmo primitivo e obras historiográficas oriundas do período greco-romano, obras de tradição rabínica, inscrições e documentos do Egito, da Mesopotâmia e do Levante. Deve-se levar em consideração que a averiguação das fontes admite diversas possibilidades de interpretação e, às vezes, a situação das fontes para determinadas épocas é tão precária que praticamente inviabiliza qualquer reconstrução, ou esta deve permanecer vaga ou especulativa.