25 Abril 2022
A consciência crítica promovida pelo livro “Primavera silenciosa”, de Rachel Carson, e o movimento ambientalista nascido a partir do desastre ecológico de Santa Bárbara estão na base das iniciativas que levaram, em 22 de abril de 1970, à celebração do primeiro Dia da Terra.
A reflexão é de Anita Prati, professora de Letras no Instituto Estatal de Educação Superior “Francesco Gonzaga”, em Castiglione delle Stiviere, Itália. O artigo foi publicado por Settimana News, 22-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em 28 de janeiro de 1969, a explosão da plataforma petrolífera Platform A, da Union Oil, situada a cerca de 10 km da costa de Santa Bárbara, Califórnia, provocou o derramamento no mar, durante 11 dias consecutivos, de milhões de litros de petróleo e de lodo residual.
A onda escura atingiu a costa, deturpando 50 km de praia e causando a morte de milhares de peixes e aves marinhas.
O desastre ambiental teve um forte impacto em nível midiático. Os cidadãos de Santa Bárbara iniciaram, em pouquíssimo tempo, o movimento GOO! (Get Oil Out!), que organizou manifestações de protesto e de boicote contra a companhia petrolífera, pedindo a cessação das perfurações do fundo do mar e chamando a atenção de um grande público sobre a questão da proteção do ambiente.
Eram os anos dos protestos contra a guerra do Vietnã e das lutas pelos direitos civis das mulheres e das minorias. Eram os anos da guerra fria, que viam as duas superpotências, Estados Unidos e URSS, comprometidas em experimentar indiscriminadamente, no polígono nuclear de Bikini e com a Bomba Tsar, o seu potencial bélico por meio de testes nucleares que mantiveram viva, na memória coletiva, a recordação das tragédias de Hiroshima e Nagasaki.
Eram os anos em que artigos e estudos de caráter científico destacavam as nefastas consequências das ações do ser humano sobre o maravilhoso e frágil equilíbrio do nosso planeta, e expressões como “ecologia” e “proteção do ambiente” começavam a fazer parte do léxico dos políticos e das pessoas comuns, enquanto, embora de forma fragmentada, uma consciência ambientalista compartilhada começava a ganhar forma.
Um impulso decisivo nessa direção foi dado por um livro publicado em setembro de 1962 e que rapidamente se tornou um best-seller internacional, graças também ao imediatismo da sua escrita, capaz de conjugar um fortíssimo amor pela natureza e uma extraordinária precisão documental, “Primavera silenciosa” (Ed. Gaia, 2013), de Rachel Carson.
Livro "Silent Spring" (Fonte: Wikimedia Commons)
Nascida em uma família rural da Pensilvânia em 1907, Carson entrelaçou desde menina na sua biografia o amor pela natureza e a paixão pela literatura. Formada em Zoologia em 1932, foi contratada em 1936 como bióloga marinha pelo Departamento de Pesca dos Estados Unidos, um evento totalmente incomum para uma mulher naqueles tempos.
Foi justamente nas dependências do departamento que ela começou a escrever artigos de caráter divulgativo dedicados à vida nos ambientes marinhos. A qualidade da sua escrita logo chamou a atenção de algumas editoras, e os seus artigos foram publicados em livros: em 1941, “Under the Sea Wind”, seguido por “The Sea Around Us” (“O mar que nos cerca”, Ed. Gaia, 2015), que, em 1952, ganhou o National Book Award.
A decisão de escrever “Primavera silenciosa” veio de uma carta da amiga Olga Owens Huckins, de janeiro de 1958. Olga, que morava em Massachusetts, lhe falava “da sua amarga experiência de um pequeno mundo já sem vida”: as ações governamentais voltadas à desinfestação de mosquitos previam que plantações e centros habitados fossem pulverizados com misturas de DDT pelos aviões. E, enquanto os pássaros eram mortos às centenas, por ironia do destino, os mosquitos eram mais numerosos do que antes.
Instigada por essa carta, Rachel voltou seu olhar do mar para o campo e decidiu escrever um livro explicando por que “as vozes da primavera se calam em inúmeras partes dos Estados Unidos”.
Quando Carson começou a sua batalha, a toxicidade dos inseticidas ainda não estava comprovada. Seriam necessários mais quatro anos para que “Primavera silenciosa” fosse publicado, quatro anos de intensos estudos e pesquisas.
As primeiras antecipações foram publicadas na revista New Yorker, em capítulos, no início de 1962, e as reações foram imediatas. Os produtores de pesticidas se levantaram contra Rachel, desencadeando uma campanha de descrédito contra as suas competências científicas. Mas o presidente Kennedy instituiu uma comissão de inquérito para examinar as conclusões apresentadas no livro, e os dados do documento final, exposto em 1963, davam plena razão a ela.
Após a detecção de um tumor no seio justamente enquanto estava trabalhando nos capítulos do livro dedicados à ligação entre as substâncias químicas e o aparecimento do câncer, Rachel Carson morreu no dia 14 de abril de 1964.
(Fonte: Unsplash)
Enquanto isso, uma nova consciência começava a se espalhar em nível político e entre as pessoas comuns: em 1970, foi fundada a EPA, Environmental Protection Agency, agência do governo federal responsável pela proteção do ambiente e da saúde humana, e em 1972 ocorreu a proibição do DDT como inseticida de uso agrícola (na Itália, a medida legislativa ocorreria em 1978 [e, no Brasil, em 1985]).
A consciência crítica promovida por “Primavera silenciosa” e o movimento ambientalista nascido a partir do desastre ecológico de Santa Bárbara, tragicamente replicado em 2015 [1], estão na base das iniciativas que levaram, em 22 de abril de 1970, à celebração do primeiro Dia da Terra.
Nascido como uma iniciativa estudantil em âmbito universitário, sancionado depois pela Secretaria Geral das Nações Unidas, o Earth Day foi se confirmando ao longo do tempo como uma importante oportunidade de promoção de iniciativas educacionais e formativas que ajudam a tematizar a questão ambiental como problemática imprescindível para o presente e o futuro do nosso planeta.
Também neste ano, sob o pano de fundo trágico das guerras que continuam ensanguentando a humanidade, celebrar o Dia da Terra pode ser uma oportunidade para voltar a meditar sobre as palavras de Rachel Carson:
“Juntamente com a possibilidade de extinção do gênero humano por meio da guerra nuclear, um problema central da nossa era é a contaminação do ambiente total do ser humano com substâncias de incrível potência para produzir danos – substâncias que se acumulam nos tecidos das plantas e dos animais, e que também penetram nas células germinativas, danificando ou alterando o próprio material hereditário, do qual depende a forma do futuro” [2].
1. Em maio de 2015, o incidente em um oleoduto provocou o vazamento de milhares de litros de petróleo no Oceano Pacífico, que, com a sua onda escura, alcançou as praias de Santa Bárbara.
2. Rachel Carson, “Primavera silenciosa”.
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Dia da Terra. Artigo de Anita Prati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU