11 Junho 2019
“O momento atual cobra dos cristãos uma compreensão mais ampla e mais abrangente da missão no mundo. Isto é particularmente necessário para cristãos que seguem uma orientação teológica fundamentalista, que, conscientemente ou não, é influenciada mais por Platão que pelos antigos poetas-profetas de Israel. Para estes cristãos, a única realidade que importa é a “alma”, imaterial, intangível, inaudível e invisível. O mundo e a natureza, pensam, vão queimar mesmo... Só que esta compreensão não tem base bíblica”, escreve Carlos Caldas, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas em Belo Horizonte.
No dia 5 de junho comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Já há alguns anos que falar de natureza, preservação ambiental, ecologia e desenvolvimento sustentável está na moda. Mas é necessário. A cosmovisão bíblica dá grande valor a estas questões desta natureza... Conforme os poemas sagrados do início do livro de Gênesis, o humano – adam em hebraico, a raça humana – foi colocado no jardim para dele zelar, cuidar, tomar conta, preservar, gerenciar. Conforme Gn 2.15, “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar”. Não para explorar, desmatar e poluir.
De fato, a Bíblia fala muito, e bem, da natureza. Os poemas sagrados dos antigos filhos de Israel falam de céus que se alegram, terra que exulta, rios e árvores que batem palmas e montes que cantam (Salmo 96:11-13; 98:7-9; Isaías 55:12). Nestes textos, a natureza é “viva”. Logo, precisa ser respeitada. Nada mais distante da visão contemporânea, que vê a natureza como descartável, algo que, em nome do progresso, pode ser destruído. O Cristo ressuscitado come peixe assado tendo um delicioso favo de mel como sobremesa (Lucas 24:42-43) evidenciando da maneira mais eloqüente possível a importância da criação (este texto é extremamente problemático para os que confundem fé bíblica com pensamento platônico que ensina que o material não vale nada e o importante é o “espiritual”). Os últimos textos do Novo Testamento falam da promessa de “novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pedro 3:13), onde Deus estará com seu povo – não lá em cima em um “céu” mas aqui (Apocalipse 21:1-5). Logo, a natureza que Deus criou no “princípio” (reshit em hebraico) primero de Gênesis 1:1 é tão importante que aparece de novo no final do Apocalipse. A Bíblia de maneira impressionante faz o que os exegetas chamam de “composição de anel”: o início se encontra com o fim. Amanhã será como foi ontem.
Mas enquanto isso... enquanto isso, no “já agora e ainda não”, no tempo que se chama hoje, tempo de tensão no qual vivemos e exercemos nossa missão, a natureza “geme e suporta angústias” (cf. Romanos 8:22). A criação é agredida. E o que os cristãos têm feito? O primeiro artigo de fé do Credo Apostólico é: “Creio em Deus Pai Todo Poderoso criador do céu e da terra”. O primeiro mandamento que Deus deu ao homem foi, conforme citado acima, cuidar da terra (Gênesis 1:27-28). Mas o que os cristãos têm feito? Evangélicos fundamentalistas brigam para defender que o universo foi criado há 6.000 anos em 7 dias de 24 horas cada. Anatematizam quem pensa diferente. Condenam ao inferno quem não crê assim. Mas só. Para estes, a criação é algo do passado. Não se preocupam nem um pouco com o cuidado que se deve ter com a criação. Neste sentido, o ensino bíblico se torna mera teoria, porque não inspira à ação. O que é importante é crer, mental e teoricamente, e só, mais nada. Os fundamentalistas que pensam assim via de regra não consideram importante cuidar da criação. Fazem uso irresponsável da crença na soberania de Deus e jogam toda responsabilidade nas costas do Senhor. O discurso de alguns evangélicos de linha fundamentalista afirma que os cristãos não precisam se preocupar com o tema do meio ambiente, porque afinal, Deus é soberano. Então, não é preciso fazer nada. O que Deus quiser que aconteça, vai acontecer. São estes os mesmos que dizem que aquecimento global é teoria da conspiração inventada pela “esquerda”. Teoria da conspiração é crer que aquecimento global é teoria da conspiração...
Mas enquanto isso, enquanto o novo céu e a nova terra não se tornam realidades palpáveis, reais e concretas, é parte da missão do povo de Deus no mundo cuidar do lixo, plantar árvores, reciclar, reutilizar... O momento atual cobra dos cristãos uma compreensão mais ampla e mais abrangente da missão no mundo. Isto é particularmente necessário para cristãos que seguem uma orientação teológica fundamentalista, que, conscientemente ou não, é influenciada mais por Platão que pelos antigos poetas-profetas de Israel. Para estes cristãos, a única realidade que importa é a “alma”, imaterial, intangível, inaudível e invisível. O mundo e a natureza, pensam, vão queimar mesmo... Só que esta compreensão não tem base bíblica.
Estas questões se revestem de maior importância quando as notícias mostram que o atual governo brasileiro não dá sinais de ter o cuidado com o meio ambiente como merecedor de atenção ou prioridade. Em nome do lucro a natureza não pode ser descartada e devastada. O mercado, instrumento do cruel e impiedoso deus Mamon – o dinheiro – não pode estar acima da vida. Não apenas da vida humana, mas também das vidas que se constituem na parte não humana da criação.
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A questão ambiental em perspectiva bíblico-teológico-missional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU