No terceiro encontro que revisita a obra desse que é um dos autores clássicos do pensamento brasileiros, Luzia de Maria Rodrigues Reis traz a “pele” do Darcy educador
Das muitas peles que envolviam Darcy Ribeiro, como ele mesmo dizia, talvez a que mais o tenha tornado conhecido diz respeito ao “Darcy educador”. Quem esteve nesse mundo e levou o antropólogo a posições de destaque foi Anísio Teixeira, que fez questão de manter o amigo ao seu lado na direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP. Dessa parceria nasceu o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE e, entre tantas iniciativas desse Centro, nasce a Universidade de Brasília – UNB, que teve o próprio Darcy como primeiro reitor. De lá, ainda passou pelo Ministério da Educação e chefia da Casa Civil, até que o golpe de 1964 interrompesse sua passagem pela capital federal.
No entanto, mais do que um currículo de um grande gestor da Educação, Darcy se revelava como educador pé no chão, aquele que pensava a escola e formas de promover esse intercambiamento entre os saberes de professores para alunos e vice-versa. E ele não pensa nisso como urgência, com a necessidade de provas e processos avaliativos com se fosse para ontem, cobrando índices e resultados mais parecidos com metas fabris de linha de produção. O Darcy educador estava muito mais para jardineiro, que plantava a semente pensando no futuro.
Professora Luzia será a palestrante de logo mais, às 10 horas (Imagem: Arte IHU)
É mais ou menos nessa linha que seguia o pensamento de Paulo Ribeiro ao falar do ‘tio Darcy’ e seu parceiro intelectual. “Tudo que ele sonhou para o desenvolvimento deste país, da necessidade de implantar uma escola de tempo integral, de educação de qualidade para o povo, capaz de gerar oportunidades iguais para toda a população, continua sendo necessário acreditar nisso. Isso está pulsante e vivo. Darcy está vivo e estas sementes hão de dar frutos, elas podem demorar, mas vão frutificar”, disse Paulo, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 2017. Ele faleceu aos 61 anos, em 2021.
Paulo Ribeiro (Foto: Acervo Fundar)
Será esse Darcy educador que será abordado no terceiro encontro do Ciclo de Estudos O Brasil por Darcy Ribeiro – Potencialidades e Utopias, promovido pelo IHU. A conferência será hoje, ao vivo, às 10 da manhã, no formato live e transmitido pelos perfis do IHU nas redes sociais. A palestrante será a professora Luzia de Maria Rodrigues Reis, doutora em letras pela Universidade de São Paulo. Além de uma longa trajetória nesse campo, Luzia teve a oportunidade de trabalhar bem de perto com o Darcy educador. Por isso, na palestra intitulada Darcy Ribeiro. Processo Civilizatório, democracia e educação brasileira, sugere que olhemos para o pensador tendo a educação como um ponto de partida.
Ainda do primeiro encontro do ciclo de estudos, o professor César Benjamin considerou Darcy um dos últimos nomes que se propuseram a pensar o Brasil. E mais: foi capaz de auscultar as mudanças que vinham, olhar para a população brasileira e pensar desde então não só uma realidade, mas também a potência de uma transformação de uma sociedade, um ser brasileiro, que se formava.
Tal perspectiva tem conexão direta com o espaço da educação no pensamento de Darcy Ribeiro. Como o próprio sobrinho identificava e como Benjamin endossa, o processo civilizatório de Darcy começa pela via da educação. “Darcy Ribeiro tinha razão. A crise da educação é, em grande parte, criada para, nas trevas que surgem dessa crise, executar políticas elitistas discriminatórias”, apontou o mestre em História e Filosofia da Educação Jaime Giolo, em entrevista reproduzida pelo IHU. Ou seja, um projeto de educação mal-acabado gera um projeto de país enviesado, abrindo espaço para que bem pouco pensem só em si e nos seus. Logo, o contrário do que Darcy pensava como processo civilizatório.
Fazendo memória aos desafios que Darcy percebia, o professor Giolo recorda, nessa mesma entrevista, que “a educação, nos últimos anos, tinha adquirido uma força extraordinária e uma representatividade imensa. Foi feita uma enorme expansão, aliada à descentralização e à democratização. A inclusão social abriu perspectivas alvissareiras para as classes populares”. E, ainda, como se estivesse falando hoje, completa: “é contra isso que se abate a atual avalanche demolidora. É, de fato, um projeto de destruição das políticas socais que está em curso. Isso quer dizer que estamos tomando o caminho de retorno a uma sociedade estratificada e segregacionista”.
Darcy Ribeiro, depois de participar da fundação da UNB na década de 1960, projetou a Universidade Norte Fluminense – UENF na década de 1990, no estado do Rio de Janeiro. Mas foi no Rio de Janeiro que ele se aliou a um dos projetos mais prósperos no Brasil em termos de educação e cidadania: a implantação de 506 Centros Integrados de Educação Pública – Ciep no Rio de Janeiro, na gestão do então governador Leonel Brizola.
Como destacou o próprio Darcy, no vídeo acima, um Ciep tinha capacidade para atender a 600 alunos em tempo integral por dia, além de 400 jovens no turno da noite. Hoje, ainda se fala em educação integral e a importância de se tirar crianças das ruas, do perigoso ócio, para pensarem e formarem seu futuro. Mas, como bem lembrou outra parceira de Darcy, a professora Lúcia Velloso Maurício, a ideia não era só ocupar as crianças. Na conferência que realizou no IHU, no último encontro desse mesmo ciclo, ela destaca que o Ciep trazia consigo uma ideia de democracia, que nasceria na esteira de implementação de um processo civilizatório.
Por isso, nesse próximo encontro do Ciclo, logo mais às 10 horas, a professora Luzia de Maria Rodrigues Reis buscará refletir um pouco mais sobre o que há de ser esse projeto civilizatório, essa concepção de escola que gera com fruto de pequenas sementes plantadas uma concepção plena de democracia e participação popular.
No entanto, embora muito inspirador e atual, o pensamento de Darcy Ribeiro não deve ser embalado num saudosismo. Não se trata, por exemplo, de construir os mesmos Cieps. Aliás, uma experiência que se tentou no Rio Grande do Sul no governo de Alceu Collares, no início da década de 1990, e que não teve o mesmo resultado de quando implantado no Rio de Janeiro. Mas, quem sabe, trata-se de, nesse ano eleitoral em que se clama por mudanças, em especial na Educação, retomar a inspiração de Darcy Ribeiro e conceber novos desafios para a uma formação cidadã com vistas a uma outra civilização, um Brasil do século XXI. Afinal, mais do que ocupar as crianças e jovens ou os colocar de frente para a tecnologia de forma maquínica, é pensar em cidadão do futuro, antenados e bem atualizados no conceito de cidadania tanto no digital quanto na concretude do mundo em que estamos.
Doutorado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo, aposentou-se como professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Criou e dirigiu o jornal-revista "PRAvaLER - Educar para a leitura / Travessia para a liberdade", que teve mais de 3 mil assinantes de várias partes do país e circulou de 1989 a 1991, quando então foi convidada pelo senador Darcy Ribeiro para compor a equipe do 2º Programa Especial de Educação, RJ.
Foi nomeada coordenadora de Material Didático e assessora Especial da Secretaria Extraordinária de Programas Especiais - RJ, de 1991 a 1994, tendo criado e dirigido a revista "Informação Pedagógica" e coordenado a produção de mais de 50 livros didáticos e pedagógicos para alunos e professores do ensino fundamental do Estado do Rio de Janeiro. É membro vitalício do Conselho Curador (órgão de deliberação e orientação superior) da Fundação Darcy Ribeiro – FUNDAR desde sua criação pelo próprio em janeiro de 1996 e esteve como Diretora Adjunta durante o ano de 2007 (ambos cargos não-remunerados).
É escritora e tem 15 livros publicados. Entre eles, destacamos "Leitura & Colheita - Livros, leitura e formação de leitores"(Editora Vozes) e "O Clube do Livro - Ser leitor, que diferença faz?" (Editora Globo).
* A palestra será ao vivo, no formato live, às 10 horas. Depois, o material ficará disponível na íntegra no mesmo link do Canal do IHU no YouTube.
A próxima palestra sobre a obra de Darcy Ribeiro será no dia 10 de maio, às 10 horas. Nela, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Haydée Ribeiro Coelho tratará do período de exílio do antropólogo e os diálogos que abre entre Brasil e América Latina.
Acesse a programação completa do ciclo e vídeos das palestras anteriores