Kirill, morto aos 18 meses por bombas russas: “Mostrem esta foto a Vladimir Putin”

Foto: Reprodução de Frame de vídeo | YouTube

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08 Março 2022

 

"O fotógrafo motorista Evgenyi voltou para seu abrigo desviando de bombas e se esgueirando rente aos muros. Depois enviou para o mundo aquela cena de tragédia, para que nós também possamos arranhar um pouco de nossa crosta de indiferença", escreve Andrea Nicastro, em artigo publicado por Corriere della Sera, 07-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Evgenyi Maloletka é um garoto alto e magro com um arranhão profundo no nariz, perto dos olhos. O que aconteceu? Nada, fui eu que fiz. Um dia, depois outro, o arranhão não cicatrizava. Evgenyi continuava a coçar, para evitar que a pele cicatrizasse. Ele é o autor das fotos nos últimos momentos da vida de uma criança de um ano e meio, Kirill, morta na sexta-feira por bombas russas em Mariupol.

 

 

Evgenyi é o fotógrafo e "motorista" da equipe da agência AP na cidade sitiada. Mstyslav Chernov, que também fala um italiano excelente e trabalhou para Rai na guerra de 2014, é o redator. Uma garota de um metro e meio de altura, frágil, muito magra, carregada de equipamento, é a videomaker. É uma pena não ter anotado o nome dela. São eles que estão documentando para o mundo o que acontece dentro da cidade, símbolo da crueldade desta invasão. Nos primeiros dias de cerco, as bombas caíram principalmente à noite e os três voltavam para o hotel pela manhã, esgueiravam-se rente aos muros, se jogavam na mesa do café da manhã. Agora podemos imaginá-los sem sono e sem forças como o resto dos 300.000 prisioneiros. 

Também na sexta-feira, apesar das sirenes, apesar das bombas, Evgenyi levou a van até o hospital. Ele estava na entrada do pronto-socorro quando ouviu gritos. Um homem e uma mulher, pouco mais que garotos, entram correndo. Em seus braços ele carrega um bebê, o seu Kirill de um ano e meio. As fotos de Evgenyi registram a essência. Dá para ver, para sentir, a adrenalina da corrida, a esperança misturada com o desespero, a oração que transborda daqueles dois corações. O bebê tinha acabado de aprender a dizer as primeiras palavras, aninhava-se no peito da mãe e adormeceu.

 

Foto: Reprodução de frame de vídeo | YouTube

 

Uma foto de Evgenyi mostra a mãe e pai esperando para ter notícias. Ele está de joelhos, como se pedisse desculpas por não ter podido proteger o bebê. Ela está trancada em sua dor, sente a mão dele, mas ela está muito longe, perdida. Kirill não conseguiu. O médico tentou o que pôde, com o pouco que restava no hospital. O sangue do bebê estava todo na camiseta de sua mãe e no cobertor que seu pai estava segurando. Mas ao jornalista da AP ele repetiu a frase que havia gritado alguns dias antes quando uma menina de 6 anos, outra vítima inocente de Mariupol, morreu em seus braços. Também naquele caso estavam a mãe e o pai desesperados, também naquele caso havia a dor não natural de ver o próprio filho morrer.

Kirill foi carregado nos braços pelos pais. Não havia mais ambulância em Mariupol para ele. A menina sem nome, por sua vez, foi atingida nos primeiros dias do cerco. O médico foi ao seu encontro, na maca, tentando fazer uma massagem cardíaca.

Nas duas situações o médico fracassou. Mas não só ele. Todo o mundo dos adultos fracassou. Aquele médico com o guarda-pó sujo, nas duas situações da sua e da nossa vergonha, gritou: "Mostrem a Putin, mostrem a Putin esses olhos".

 

Foto: Reprodução de frame de vídeo | YouTube

 

O fotógrafo motorista Evgenyi voltou para seu abrigo desviando de bombas e se esgueirando rente aos muros. Depois enviou para o mundo aquela cena de tragédia, para que nós também possamos arranhar um pouco de nossa crosta de indiferença.

 

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