08 Março 2022
"O degelo da Antártida já começou e apenas 5% de perda será suficiente para inundar grandes áreas urbanas e rurais. A maior parte do litoral brasileiro está ameaçado pelas inundações, como mostrei em artigo do Ecodebate (Alves, 19/03/21). Assim, o degelo da Antártida é uma péssima notícia para a humanidade", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 03/03/2022.
O degelo da Antártida já começou e apenas 5% de perda será suficiente para inundar grandes áreas urbanas e rurais. A maior parte do litoral brasileiro está ameaçado pelas inundações.
“Em nossa opinião, a evidência dos pontos de inflexão sugere que estamos em um estado de emergência planetária: tanto o risco quanto a urgência da situação são acentuados”
Timothy Lenton (27/11/2019)
O gelo marinho ao redor da Antártida apresentou o menor nível de todos os tempos, desde que começaram as medições por satélite. A camada de gelo que congela sobre o Oceano Antártico estava aumentando nas últimas décadas do século XX, enquanto o gelo no resto do mundo diminuía devido às mudanças climáticas. Mas no final de fevereiro de 2022, pela primeira vez, a extensão do gelo marinho ficou abaixo de 2 milhões de km2. O mapa abaixo mostra que a quantidade média de gelo em fevereiro de 2022 ficou em 2,2 milhões de km2, bem abaixo da média de 1981 a 2010 que foi de 3,1 km2.
A despeito das variações anuais, a reta de tendência dos dados mensais estava sempre direcionada para cima e a inclinação era positiva. Os gráficos abaixo mostram os dados relativos aos meses de fevereiro. Nota-se que entre 1979 e 2017 a inclinação da reta era de 3,0 + ou – 3,8% por década, mesmo considerando que em 2016 e 2017 a anomalia ficou abaixo da média do período. Mas considerando o período 1979 e 2022 a inclinação da reta ficou negativa, marcando -0,4 + ou – 3,4%. Ou seja, pela primeira vez nas últimas décadas a Antártida apresenta uma variação negativa nos meses de fevereiro.
O gráfico abaixo, também da National Snow & Ice Data Center (NSIDC), mostra que a extensão de gelo marinho na Antártida na média do período 1981-2010, o ano 2020-21 e o ano 2021-22. O mês de fevereiro de 2022 apresenta o menor nível de todos os tempos e, com já mostramos, pela primeira vez a extensão de gelo ficou abaixo de 2 milhões de km2.
Esta tendência já era conhecida, os últimos dados estão confirmando e o último relatório do IPCC veio alerta que a situação está ficando fora do controle e a crise pode ser irreversível. Em um novo relatório publicado na última segunda-feira (28/02), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU alerta que ações urgentes são necessárias para lidar com os riscos trazidos pelas mudanças climáticas. O documento adverte que, para evitar a perda crescente de vidas, biodiversidade e infraestrutura, é necessária uma ação ambiciosa e acelerada para se adaptar à crise climática, com cortes rápidos nas emissões de gases de efeitos estufa.
Nos últimos 250 anos, a economia global cresceu cerca de 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens e provocou a ultrapassagem da capacidade de carga da Terra. Segundo o relatório do IPCC: “As mudanças climáticas induzidas pela humanidade, incluindo eventos extremos mais frequentes e intensos, causaram impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas, além da variabilidade climática. Alguns esforços de desenvolvimento e adaptação reduziram a vulnerabilidade”.
A temperatura da Terra já aumentou 1,2º Celsius desde o período pré-industrial e a meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, era limitar o aquecimento global a 2º C, com esforços para que ele não ultrapasse os 1,5º C. Mas, as gerações que estão nascendo agora e que terão muitas pessoas sobreviventes no ano de 2100, vão passar por quatro vezes mais extremos climáticos do que passam agora, no cenário de 1,5º C. Mas se as temperaturas aumentarem por volta de 2º C, elas terão cinco vezes mais inundações, tempestades, secas e ondas de calor do que agora.
Segundo o IPCC, pelo menos 3,3 bilhões de pessoas são altamente vulneráveis às mudanças climáticas e 15 vezes mais propensas a morrer por condições climáticas extremas.
O degelo da Antártida já começou e apenas 5% de perda será suficiente para inundar grandes áreas urbanas e rurais. A maior parte do litoral brasileiro está ameaçado pelas inundações, como mostrei em artigo do Ecodebate (Alves, 19/03/21). Assim, o degelo da Antártida é uma péssima notícia para a humanidade.
O nível do mar deve subir dezenas de centímetros no século XXI, dependendo dos níveis das emissões futuras e da aceleração do aquecimento global. As gerações que ainda nascerão vão herdar um mundo mais complicado e mais inóspito, podendo haver uma mobilidade social descendente em um mundo com muitas injustiças ambientais, apartheid climático e conflitos de diversas ordens.
O fato é que o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares já começou e tende a se acelerar nas próximas décadas. Os indicadores da crise climática e ambiental estão piores do que o esperado.
Toda a vida na Terra é vulnerável ao aquecimento global, incluindo os ecossistemas e a civilização humana. Mitigação e adaptação são fundamentais.
Todavia, se a humanidade não alterar o estilo de vida e a maneira de produzir e consumir, as mudanças podem inviabilizar a capacidade de adaptação e o colapso ecológico seria inevitável.
ALVES, JED. A inflexão da Antártida: aquecimento e aceleração do degelo, Ecodebate, 10/02/2020
Link disponível aqui.
ALVES, JED. A elevação do nível do mar e o impacto no litoral brasileiro, Ecodebate, 19/03/21
Link disponível aqui.
O colapso do gelo na Antártida, Climate State | Link disponível aqui.
National Snow and Ice Data Center (NSIDC) | Link disponível aqui.
IPCC. Summary for Policymakers Headline Statements, 28/02/2020
Link disponível aqui.
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O menor nível de gelo marinho na Antártida e o alerta do IPCC. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU