22 Fevereiro 2022
"Isso significa que, para os cristãos, receber o perdão é um direito, se o pedirem a Deus, e que também os homens e as mulheres, crentes ou não, em um caminho de profunda humanização, podem perceber o perdão como um direito quando é invocado por quem lhe fez mal. Porque só o perdão redime, levanta quem cometeu um delito, rompe a corrente do ódio e da vingança, regenera a relação entre vítima e culpado. As palavras escandalosas de Francisco sobre o 'direito ao perdão' são profecia e urgência também para todo caminho de humanização", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 21-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe um direito ao perdão? Nós nos fazemos esta pergunta porque após a entrevista com o Papa Francisco, começou uma discussão animada. O Papa, embora ciente de poder escandalizar alguns, declarou que queria afirmar uma verdade: "A possibilidade de ser perdoados é um direito humano, e cada um de nós, se pedir perdão, tem o direito de receba o perdão".
Palavras como pedras, e logo alguns católicos acordaram de sua letargia para repreender o Papa por ter tomado uma posição em contradição com a verdade católica. Mas também outros não conservadores discordaram, negando que exista um dever de perdoar e um direito de receber o perdão sendo per-donum, ou seja, hiper-dom, sempre uma graça nunca merecida.
Certamente o Papa em uma entrevista não poderia se delongar, mas acredito que suas afirmações merecem um aprofundamento.
Entre as palavras de Jesus há muitas escandalosas, sobretudo aquelas relativas ao amor ao inimigo e ao perdão pelo mal recebido. Em nossa experiência humana, mais cedo ou mais tarde, conhecemos gente que nos prejudica, que nos faz sofrer, que provoca ou inflige a morte, que passa a se comportar como algoz para os outros. Quando o mal nos atinge, a vítima não consegue automaticamente perdoar, nem transformar sua dor em amor ao inimigo. Se um caminho se abre para o perdão, ele é longo, lento e exigente, com avanços e retrocessos, porque o perdão não é uma aquisição definitiva.
Jesus de Nazaré viveu pessoalmente o perdão para com os seus inimigos e pediu aos seus seguidores que o seguissem radicalmente nesta sua atitude que não recorre à vingança, mas procura caminhos de misericórdia e perdão. No entanto, é significativo que Jesus não tenha querido ser protagonista deste perdão, mas o tenha pedido a Deus: "Perdoa-os porque não sabem o que fazem!", e não disse: "Eu perdoo!".
O Papa Francisco, falando de um "direito ao perdão" quando é pedido, não faz mais do que repetir o ensinamento de Jesus: a certeza de que Deus perdoa sempre quem lhe pede perdão, porque o perdão não se merece, se recebe a pedido como um dom, mas pode ser um direito do filho que o pede ao pai que sabe propiciar a graça e fazer a misericórdia vencer sobre a justiça. Os profetas de Israel já o anunciaram: o perdão é um ato antecipado de Deus em relação ao arrependimento daqueles que pecaram.
Isso significa que, para os cristãos, receber o perdão é um direito, se o pedirem a Deus, e que também os homens e as mulheres, crentes ou não, em um caminho de profunda humanização, podem perceber o perdão como um direito quando é invocado por quem lhe fez mal. Porque só o perdão redime, levanta quem cometeu um delito, rompe a corrente do ódio e da vingança, regenera a relação entre vítima e culpado. As palavras escandalosas de Francisco sobre o "direito ao perdão" são profecia e urgência também para todo caminho de humanização.
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O direito ao perdão. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU