19 Janeiro 2022
"Definitivamente, parece muito difícil viver em uma sociedade onde não há espaço para o sagrado, e a religião tem se esforçado para espaná-lo, acreditando que tenha mais a ver com crença do que com a verdadeira fé", escreve Robert Favrou, padre, em artigo publicado por baptises.fr e reproduzido por Fine Settimana, 17-01-2022. A tradução do italiano é de Luisa Rabolini.
Lévinas disse isso em Do sagrado ao santo: o pagão é quem tenta se separar de um mundo profano considerado impuro, refugia-se no sagrado para evitar qualquer contaminação, relega o divino a determinados espaços e determinados tempos. Mas esta não é a vocação do discípulo de Jesus, como nos mostra Robert Favrou, padre, a partir de uma anedota vivida.
A cena se passa em uma igreja. Os paroquianos tomaram assento antes do início do serviço e conversaram entre si. Sua conversa não é apreciada por um deles que se permite chamá-los ao silêncio: para "respeitar aquele lugar sagrado", diz ele. Comunica sua desaprovação ao padre que responde lembrando-lhe que a reunião dominical inclui um elemento de festa em que a alegria de estar juntos acaba se expressando. Para justificar seu ponto de vista, lembra ao resmungão que certamente, por ocasião da Ceia do Senhor, os apóstolos não ficaram calados e celebraram alegremente a Páscoa com Jesus.
O paroquiano observa então: "Sim, mas os apóstolos não tinham a presença real”! Ou seja, tinham Jesus com eles, mas não a hóstia para representá-lo! Evidentemente, aquele homem mostrava-se muito preocupado em respeitar a reserva eucarística que, aos seus olhos, merecia mais atenção do que o espírito de celebração e comunhão dos participantes reunidos. Para ele o importante era respeitar um lugar considerado sagrado. E as conversas representavam uma espécie de profanação no sentido forte do termo: contaminar o sagrado misturando-o com o profano, ou seja, um sacrilégio.
O sentido do sagrado é essencial à fé? A noção de sagrado, já criticada pelos filósofos do Iluminismo, em sua aplicação ao cristianismo foi contestada no século passado. A Igreja Reformada já relativizava o sentido do sagrado tanto nos lugares, chamados templos, e não igrejas, quanto nas pessoas designadas como pastores, e não sacerdotes ou padres (diferentemente da Igreja Católica).
O pastor Dietrich Bonhoeffer, que fez resistência ao nazismo e foi executado após ser preso, elaborou a noção de "cristianismo adulto". Este qualificador mostra claramente o fato de que os cristãos já são "maiores de idade" e que, constatando a ausência de Deus provada pelos horrores do nazismo, agora terão que aceitar viver sua fé em um mundo sem Deus.
O pensamento de Bonhoeffer influenciou o ambiente católico da época do Concílio Vaticano II e alguns teólogos teorizaram, na mesma linha, o que se pode chamar de “a rejeição do sagrado”. Uma atitude em que não se leva em conta apenas a secularização do mundo exterior, mas a reivindicação de uma secularização interna à Igreja, que comporta um desaparecimento do caráter sagrado, uma "dessacralização", vista não como um fenômeno deplorável, mas como um resultado, uma transição para a idade adulta para viver a fé.
A palavra "dessacralização" voltou às recomendações da Comissão Sauvé (CIASE) sobre os crimes sexuais na Igreja, após constatar que o caráter sagrado referido ao status do padre provavelmente teria desempenhado um papel nos crimes de pedofilia e no silêncio da instituição para cobri-los. A sacralidade se desenvolveu na Idade Média, e era aplicada não só aos padres, mas a tudo que tinha relação com o culto: lugares, objetos, instituições. De fato, significava retomar aquele sentido do sagrado que existia nas religiões primitivas, por exemplo.
No entanto, o Evangelho marcou uma ruptura com aquele sentido do sagrado, se lermos atentamente as declarações de Jesus. Falando do templo de Jerusalém, lugar sagrado por excelência do povo judeu, Jesus mostrou seus limites, anunciando sua destruição e sua substituição por sua própria pessoa. "Falava de seu corpo" (Jo 2,21). Ao pôr em discussão o ritualismo ligado ao edifício, Jesus apresenta-se como o novo Templo: é aí que agora se pode exprimir a fé dos crentes. À mulher samaritana que lhe pergunta sobre o lugar onde Deus deve ser adorado, a resposta de Jesus indica que os verdadeiros adoradores não estão em nenhum lugar em particular, mas são "os que adoram em espírito e em verdade" (Jo 4,23).
Na prática, opera um deslocamento do sagrado, fazendo-o sair dos lugares e das pessoas que dele eram portadoras, para dar primazia a uma vida orientada para Deus, relativizando assim a confiança na capacidade dos ritos de conduzir à salvação. Com Jesus, é o ser humano que deve ser considerado sagrado e esta poderia ser a originalidade trazida pelo cristianismo, visto como "a religião da saída da religião" (M. Gauchet).
Reconhecemos, no entanto, que afugentar o sagrado da porta significa arriscar vê-lo reentrar pela janela! Eis que o vemos ressurgir em novas manifestações. O olhar dirigido para os animais, para serem respeitados tanto quanto os seres humanos ou mais, poderia ser um exemplo, assim como a ritualização de determinados eventos esportivos ou políticos que expressam um "sagrado amor à pátria", como se ouve cantar nos hinos nacionais! Muitos jovens padres parecem estar muito apegados a isso, tanto em referência à liturgia quanto no fato de se considerarem "separados" do mundo. Definitivamente, parece muito difícil viver em uma sociedade onde não há espaço para o sagrado, e a religião tem se esforçado para espaná-lo, acreditando que tenha mais a ver com crença do que com a verdadeira fé.
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Ainda há espaço para o sagrado? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU