19 Janeiro 2022
Em seu blog Come Se Non, 15-01-2022, o teólogo italiano Andrea Grillo escreve: “No debate levantado pelas postagens anteriores (as minhas e a de Cosimo Scordato neste blog), interveio hoje Umberto Rosario del Giudice, canonista, que escreveu no seu blog um texto muito estimulante, que repensa a ‘dignidade’ dos ministros católicos, concebida como ‘dignidade a partir de baixo’ e como ‘dignidade a partir de cima’ (seu texto, intitulado ‘Ministério ordenado e formas simples de dignidade’ pode ser lido [em italiano] aqui). Cosimo Scordato reage a esse texto, dando continuidade à reflexão, com a análise que publico aqui em seguida”.
“Os recursos da teologia, do direito canônico e da identidade eclesial – continua Grillo – atravessam a história e se confrontam com o amadurecimento que as próprias palavras do Concílio pedem à Igreja de hoje: para que saibamos distinguir bem ‘o que não morre e o que pode morrer’ da tradição. Neste diálogo entre juristas e sacramentalistas, descobrimos também uma bela contribuição para o caminho sinodal da Igreja italiana, que deve pensar grande e não se deixar condicionar pelos fardos que a cansam e sobrecarregam”.
Cosimo Scordato é teólogo e padre da Arquidiocese de Palermo, na Itália. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Interagindo com a última intervenção de U. Rosario Del Giudice, da qual apreciei as referências de reconstrução histórica e a tentativa de aliviar o aparato eclesiástico de títulos, brasões e outras coisas ainda, gostaria de insistir na exigência de pensar em um novo paradigma de eclesialidade.
Não tenho a pretensão de oferecê-lo, até porque isso requer, além da atenção aos sinais do tempo e da história, um processo de amadurecimento eclesial e a afirmação de um certo consenso. Vou me limitar a oferecer um elemento como possível novo ponto de partida.
A referência obrigatória continua sendo o Concílio Vaticano II, que eu assumo como marco importante em relação ao passado, mas sobretudo como ponto de partida para o futuro e, portanto, compreensivelmente, reconhecendo as suas solicitações importantes, mas apenas parcialmente realizadas.
Pois bem, a constituição dogmática sobre a Igreja marcou uma virada sem retorno no momento em que, no horizonte do mistério da Igreja do primeiro capítulo, afirma que o sujeito eclesial tout court é o Povo de Deus no segundo capítulo.
Tal afirmação, embora retomada e reiterada em muitas reflexões sistemáticas, ainda não produziu o seu resultado determinante, até porque o povo de Deus foi posto in pendant, quase como um corretivo, com a constituição hierárquica da Igreja do terceiro capítulo.
Pessoalmente, estou convencido de que, em relação ao passado, não era fácil ir mais longe; mas, em retrospectiva, tendo a reconhecer que não só o lema “constituição hierárquica” constitui uma péssima formulação (hierarquia e hierarca evocam o pior da nossa história); mas também estou convencido de que aquilo que é afirmado no terceiro capítulo deve ser repensado na direção daquilo que o pós-Concílio amadureceu posteriormente em diversos documentos: a Igreja é totalmente ministerial, e é dentro desse horizonte que deve ser compreendido o sentido do ministério ordenado.
Dito mais expressamente, o povo cristão é o sujeito princeps da eclesialidade e da ministerialidade, e isso porque, em virtude da iniciação cristã, todo fiel é filho de Deus, constituído como sacerdote, rei e profeta em virtude do batismo; enriquecido com os dons/carismas do Espírito em virtude da crisma; cocorpóreo com o Senhor e com toda a comunidade em virtude da Eucaristia.
Cada membro da comunidade cristã está habilitado às infinitas formas de serviço que podem ser expressadas nos diversos âmbitos da Palavra, da realeza e da liturgia e mais ainda, dentro da Igreja e dentro da sociedade.
Como garantia de tal dinamismo suscitado e animado pelo Espírito de Cristo, são constituídos com o sacramento do ministério ordenado aqueles que têm a tarefa de salvaguardar e celebrar a comunhão de todos os membros nos diversos âmbitos de realização: Igreja local, Igreja paroquial, diaconia (bispos, presbíteros, diáconos).
Eles são os servos da comunidade e devem tomar o cuidado de não se tornarem os seus patrões! Pois bem, tomamos a liberdade de dizer que, em relação a essa nova consciência, tornam-se inevitáveis pelo menos dois processos de inevitável amadurecimento.
O primeiro é o de limpar o terreno de todas aquelas superfetações que acompanharam a realização do ministério ordenado, homologando-o de vez em quando com outras formas da vida social; referimo-nos a privilégios, honrarias, títulos de vários tipos... Todas coisas inúteis e prejudiciais que ofuscam a régia beleza do humilde serviço prestado de joelhos, aos pés da comunidade, como Jesus na Última Ceia.
O segundo processo diz respeito ao processo de amadurecimento que deve impelir o povo cristão a se tornar cada vez mais consciente da sua própria dignidade em sentido evangélico e, portanto, da própria natureza de sujeito eclesial; isso não por reivindicacionismo populista, mas sim por tomada de consciência da própria identidade filial, crismal-pneumática, eucarístico-crística.
Levemos em conta que isso deverá envolver inevitavelmente o recuo cada vez maior da mentalidade “clerical” daqueles que, dentro e não acima ou fora da comunidade, não se consideram nem superiores nem inferiores, mas simplesmente ao lado e a serviço.
Não defendemos nenhuma pirâmide, nem voltada para cima nem voltada para baixo, mas defendemos a companhia (cum pane) da mesa, que encontra todos ao redor da mesma mesa, preparada pelo Senhor, porque todos estão mortos de fome, necessitados de serem saciados de vida, e de vida plena... Reciprocamente!
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Pirâmide? Não, obrigado! Companhia: “cum pane”. Artigo de Cosimo Scordato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU