22 Julho 2024
As descobertas foram manchete com destaques. Arqueólogos escavaram próximo da cidade israelense de Migdal, também conhecida como Magdala, e encontraram resquícios de uma sinagoga do primeiro século.
“A sinagoga do Período do Segundo Templo encontrada foi onde o Evangelho de Maria Madalena nasceu”, noticiou o The Jerusalem Post, em 12 de dezembro de 2021. Os jornais Newsweek, Express UK e Smithsonian Magazine seguiram com manchetes semelhantes.
A descoberta de uma antiga sinagoga na cidade às margens oeste do Mar da Galileia é certamente significativa e acrescenta evidência tangíveis da vida judaica no primeiro século da Palestina no tempo do ministério de Jesus.
Mas duas pesquisadoras, uma dos EUA e outra do Reino Unido, estão questionando a rápida compreensão de que a cidade é o local de nascimento de Maria Madalena, uma das primeiras seguidoras de Jesus e a primeira testemunha da ressurreição.
Em artigo publicado em dezembro, Elizabeth Schrader, estudante do doutorado na Duke University, e Joan Taylor, professora no King’s College, Londres, argumenta que a Magdala como referência do lugar de origem de Maria é totalmente especulativo.
A reportagem é de Yonat Shimron, publicada por National Catholic Reporter, 11-01-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em vez disso, dizem eles, Madalena pode muito bem ser um título honorífico das raízes hebraicas e aramaicas para “torre” ou “magnificada”.
Assim como o apóstolo Pedro recebe o epíteto de “rocha” (“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”), Maria poderia muito bem ter adquirido o título “Madalena”, que significa “torre da fé”, ou “Maria, a magnificada.”
Imagem: Idontfindaoriginalname | Wikimedia Commons
“Embora tenha havido várias maneiras de entender seu nome, nenhum autor antes do século VI a identifica como vindo de um lugar ao lado do Mar da Galileia”, escrevem as pesquisadoras na edição de dezembro do Journal of Biblical Literature. “Vários autores antigos realmente entendiam que o apelido de Maria estava enraizado em seu caráter e não em sua proveniência”.
O artigo é parte de uma reconsideração de Maria Madalena, há muito confundida com uma prostituta e marginalizada pelos pais da Igreja primitiva. Estudiosos estão reexaminando os Evangelhos e escritos cristãos primitivos em um esforço para recuperar a verdadeira Maria da figura diminuída que emergiu das canetas dos pais da Igreja primitiva.
Schrader, ex-cantora e compositora da cena pop de Nova York, está nessa tarefa há algum tempo. Em um artigo publicado em 2017, ela examinou a história da ressurreição de Lázaro no Evangelho de João. Debruçado sobre centenas de manuscritos gregos e latinos do Evangelho copiados à mão, Schrader descobriu que o nome Marta, outra mulher do Novo Testamento, identificada como irmã de Lázaro, às vezes mostrava sinais de alteração. Os escribas riscaram uma letra e a substituíram por outra, mudando assim o nome original “Maria” para “Marta”, em uma possível minimização deliberada do papel de Maria na história.
A diminuição de Maria ocorreu lentamente à medida que o cristianismo se tornava mais patriarcal. Talvez o maior golpe em sua reputação tenha ocorrido no século VI, quando o Papa Gregório Magno confundiu Maria Madalena com a “mulher pecadora” que ungiu os pés de Jesus com perfume em Lucas 7. Essa mulher nunca é mencionada pelo nome pelo redator do Evangelho de Lucas. Mas nos 1.500 anos seguintes, Maria Madalena foi muitas vezes equiparada a uma prostituta ou, na linguagem moderna, a uma profissional do sexo.
Imagem: GualdimG | Wikimedia Commons
Como demonstram Schrader e Taylor, não havia consenso sobre Maria ou suas origens na antiguidade. Na verdade, havia vários locais chamados Migdal em toda a Judeia e Galileia. O historiador cristão do século IV, Eusébio, achava que Magdala era uma cidade da Judeia, não da Galileia.
São Jerônimo, mais conhecido por sua tradução da Bíblia para o latim (uma versão chamada Vulgata), disse acreditar que Maria recebeu o nome de Madalena porque ela era uma torre de fé – ή Mαγδαληνή, pode ter sido baseado na palavra em aramaico que tem o significado “a magnificada” ou “torre-feminina” como ele escreve em um carta do ano 412.
Mais tarde, durante a era bizantina e especialmente durante o período das Cruzadas dos séculos XI a XIII, uma cidade perto do Mar da Galileia conhecida inicialmente como el-Mejdal tornou-se um local de peregrinação cristã conhecido como Magdala. Ainda é.
“O que estamos dizendo é que não era um local na época de Jesus”, disse Taylor. “Naquela época, havia uma cidade chamada Tarichaea, que é mencionada por Josefo e Plínio. Mas nunca foi chamada Magdala no período romano”.
Os jornalistas não foram os únicos a alegar que Maria era de Magdala. Em um comunicado anunciando a escavação da sinagoga, a diretora de escavações da Universidade de Haifa, Dina Avshalom-Gorni, disse: “podemos imaginar Maria Madalena e sua família chegando à sinagoga aqui, junto com outros moradores de Migdal, para participar de eventos religiosos e comunitários”.
Para alguns, enraizar Maria na cidade de Magdala é importante. Arqueólogos precisam de financiamento para suas escavações. Se eles puderem conectar seu trabalho a uma figura ou evento bíblico, o financiamento privado e institucional começará a chegar, disse Taylor.
Os evangélicos em particular, ansiosos por encontrar evidências físicas de que a Bíblia é historicamente verdadeira, estão apegados à ideia de que Maria veio da cidade de Magdala. Assim como algumas acadêmicas feministas que querem desassociar Maria Madalena da mulher pecadora em Lucas 7.
Mas situar Maria em Magdala também fecha a porta para o legado de Maria.
Imagem: retrato de Maria Madalena | Foto: pixabay
“Se você diz que ela é de Magdala, elimina a possibilidade de que ‘Madalena’ indique o título de discípula mais proeminente”, disse Schrader.
Considerar “Madalena” como um título honorífico também restaura sua dignidade, acrescentou Taylor. “Isso cria uma nova agenda para que ela seja recuperada de uma maneira renovada”.
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Maria Madalena era realmente de Magdala? Duas pesquisadoras investigam isso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU