11 Janeiro 2022
A reunião que garantiu a ampliação da pilha de estéril Cachoeirinha da Mina Pau Branco, em Nova Lima/Brumadinho (MG), de propriedade do grupo francês Vallourec, foi feita em janeiro de 2021 após uma convocação extraordinária em regime de urgência pedido pela própria mineradora.
A reportagem é de Maurício Angelo, publicada por Observatório da Mineração, 10-01-2022.
Ambientalistas alertaram sobre os riscos do aumento da pilha que deslizou no último sábado (08) e provocou o transbordamento de um dique que atingiu a BR-040, interditou a rodovia, feriu uma pessoa e causou a remoção de moradores. As críticas foram ignoradas.
Para a expansão do projeto, a Vallourec entrou com pedido de licenciamento de várias estruturas, incluindo a Pilha de Rejeito/Estéril Cachoeirinha.
A urgência pedida pela Vallourec foi acatada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), após recomendação da Secretaria de Meio Ambiente (Semad).
O licenciamento correu na modalidade concomitante, com Licença Prévia, de Instalação e de Operação ao mesmo tempo. Assista a um vídeo inédito sobre a situação da Mina Pau Branco em imagens registradas por drone na tarde de ontem (09) por Bruno Costalonga Ferrete, cedido com exclusividade ao Observatório da Mineração:
A Vallourec alegou que, se não fosse atendida nas primeiras semanas de janeiro de 2021, a produção da empresa precisaria parar porque a pilha de estéril já tinha alcançado o limite de área permitido.
O prazo exíguo para análise dos documentos e manifestação oficial foi alvo de críticas da Promutuca e da MovSam, entidades ambientalistas da sociedade civil. Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG e representante da Promutuca, registrou em parecer que, no status da época, o empreendimento da Vallourec já representava um caminhão por minuto na BR 040, com alto risco de “desastres, mortes e poluição”.
“Ao concordarmos com o aumento das pilhas, estamos concordando com a continuidade deste transporte e com todas as suas potenciais consequências”, disse Grillo, que também questionou a necessidade de rebaixamento do lençol freático até 2028.
Os ambientalistas repudiaram a convocação da reunião extraordinária de 14 de janeiro de 2021 em 30 de dezembro de 2020, após as 18 horas, época de recesso, alegando que precisariam analisar 412 páginas de processo no total da pauta da reunião em pouco tempo, incluindo apenas 5 dias úteis para os licenciamentos pedidos.
No fim, Grillo registrou que, caso o processo não fosse retirado de pauta diante dos problemas, a sua posição era pelo indeferimento. A reunião foi mantida, as críticas foram contemporizadas pela maioria dos presentes e a CMI aprovou por 11 votos favoráveis e 1 abstenção – da Promutuca – em 14 de janeiro de 2021 a expansão da Pilha de Estéril que, em parte, desabou dia 08 de janeiro de 2022, menos de 1 ano depois.
“A sociedade não pode ser míope ao analisar estes empreendimentos com rebaixamentos de lençol freático. Eles são divididos em pequenas partes e obtêm licenças sem que possamos analisar as consequências cumulativas e sinérgicas do que estamos licenciando”, diz o parecer de Grillo da época.
A CMI é formada por diversos representantes do poder público mineiro, pelo Ibama, ANM e representantes da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a Sociedade Mineira de Engenheiros e a já citada Promutuca. Ambientalistas costumam ficar isolados nas decisões da CMI.
Antes desses desdobramentos, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), celebrou em 23 de janeiro de 2019 a expansão da Mina Pau Branco em reunião com os representantes da Vallourec. Por coincidência, dois dias antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que completa três anos no próximo dia 25 de janeiro.
Exaltando a previsão de investimento de R$ 220 milhões na ampliação das instalações do grupo francês em Brumadinho e Nova Lima, Zema afirmou em post no Twitter e no Instagram que o governo iria “trabalhar para trazer investimentos, gerar emprego e renda aos mineiros”.
Pilha de estéril está interditada pela ANM. Obras tentam conter novos impactos.
A Pilha Cachoeirinha foi interditada pela Agência Nacional de Mineração, que exige um certificado de estabilidade e o restabelecimento das condições de segurança. O Dique Lisa foi elevado para a classificação 3 de risco pela ANM, o que requer a implementação do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).
Na tarde de domingo, a ANM rebaixou o risco do Lisa – chamado de barragem pela agência – para nível 2 dizendo não haver “iminência de ruptura”. A BR 040 foi liberada.
Procurado para comentar o licenciamento, a reunião de Zema e a situação atual, o governo de Minas Gerais não se manifestou até a publicação desta reportagem. Caso o faça, a matéria será atualizada.
A Vallourec não respondeu as perguntas específicas da reportagem sobre o processo de licenciamento acelerado e a relação da empresa com o governador Romeu Zema e se limitou a enviar uma nota atualizada sobre a situação do transbordamento. “Neste momento, a Vallourec está com todas as equipes e recursos focados na adoção de providências e na realização das ações necessárias. Por isso, não conseguiremos dar um retorno sobre os seus questionamentos”, disse a mineradora.
Além da remoção das pessoas na mancha prevista de inundação e o transporte dos animais silvestres para outros viveiros, a Vallourec afirmou que “reforça que o Dique Lisa e a Barragem Santa Bárbara são estruturas distintas e localizadas em pontos diferentes da Mina Pau Branco. O dique em questão, localizado em Nova Lima, operava normalmente, em nível zero de criticidade e dentro dos parâmetros previstos na legislação vigente”.
“Desde o transbordamento do Dique Lisa, no dia 8/1/22, a Vallourec não poupou esforços para, em conjunto com os órgãos e autoridades competentes, minimizar os transtornos ocorridos e restabelecer a normalidade da situação. Na manhã de hoje, o tráfego na BR-040 foi liberado nos dois sentidos conforme os protocolos de segurança assinados com as autoridades e a Via 040”, completou a mineradora.
A justiça acatou em parte os pedidos da ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Advocacia-Geral do Estado. Foi negado o bloqueio de bens da Vallourec no valor de R$ 1 bilhão, mas o juiz determinou a suspensão de toda e qualquer atividade de disposição de material de qualquer natureza, incluindo estéril e rejeitos na Mina de Pau Branco, na Pilha Cachoeirinha e a execução de todas as medidas emergenciais previstas no Plano de Ação, como base no pior cenário, inclusive contemplando a mancha de inundação na totalidade e potenciais efeitos cumulativos e sinergéticos com outras estruturas, com conferência e adequação de rotas de fuga, pontos de encontro, sinalização de campo e sistemas de alarme.
A expansão da Mina Pau Branco contou também com obras da estatal de energia Cemig, que Zema tenta privatizar, em março de 2021. Uma nova linha de distribuição foi construída para atender a mineradora.
De acordo com a Cemig, ao garantir disponibilidade de sistema para a expansão da Vallourec, o empreendimento “reforça a parceria entre as empresas e contribui para o desenvolvimento econômico do estado”.
A SEMAD/MG enviou a seguinte nota para a reportagem às 16:03h desta segunda-feira, 10 de janeiro de 2021.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que o processo de Licenciamento da Vallourec na Mina Pau Branco se enquadra na modalidade Licenciamento Ambiental Concomitante 1 (em fase única), pela qual são regularizadas as fases prévia, instalação e operação de forma concomitante. Tal enquadramento segue critérios definidos da Deliberação Normativa 217 de 06 de dezembro de 2017, a qual prevê, para os procedimentos já licenciados, a regulação por LAC1, segundo as características de porte e potencial poluidor/degradador de tais ampliações.
Além disso, a Semad informa que não houve fragmentação de processo, uma vez que foram apresentados estudos completos para as ampliações requeridas, seguindo-se às previsões normativas. O empreendimento da Vallourec pertence à classe 6, para qual é exigido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A fragmentação de processos ocorre quando o enquadramento do empreendimento está em classe inferior, de forma a obter vantagem no procedimento a ser adotado, o que não ocorreu no presente caso.
Para a Unidade de Tratamento de Minerais (UTM), o processo já estava enquadrado como classe 6; e para o processo para a Pilha de Rejeitos/Estéril foi exigido o EIA, Estudo de Impacto Ambiental, situação em que não se vislumbra obtenção de vantagem no procedimento de licenciamento.
Cabe salientar que os processos de licenciamento são conduzidos por análise de equipe multidisciplinar, de acordo com as normas técnicas vigentes, dentro dos prazos possíveis, de acordo com cada empreendimento a ser licenciado e o seu respectivo processo de licenciamento.
Quanto ao prazo de análise, a Semad informa que o processo de ampliação da pilha de rejeito/estéril teve duração de três anos, com o processo formalizado em 27 de julho de 2017 e concluído em 19 de janeiro de 2021 – prazo superior ao de 1 (um) ano exigido pela lei. Para a UTM o prazo foi de nove meses, superior aos seis meses previstos na legislação. Ambas análises ocorreram de acordo com a capacidade do órgão.
Também não houve aprovação expressa alcançada pela Vallourec. O prazo regimental para análise dos conselheiros do COPAM é de 10 dias antes da reunião ordinária. O processo para a UTM foi inicialmente pautado na reunião realizada no dia 18 de dezembro de 2020, com publicação da pauta no Diário Oficial do Estado, no dia 10 de dezembro de 2020. Assim, os conselheiros tiveram o prazo do dia 10 de dezembro de 2020 a 19 de janeiro de 2021 para acesso e análise às informações do processo.
Além disso, a Semad reforça que as informações dos processos de regularização ambiental são públicas e de acesso da sociedade em qualquer fase da análise processual. Todas as interpelações apresentadas pelos conselheiros do COPAM, inclusive as de representantes da Sociedade Civil, foram devidamente respondidas no decorrer da reunião, permitindo que os conselheiros emitissem seus votos. Se o conselho não se sentisse seguro e informado para promover a votação do processo, o Regimento Interno do COPAM possui instrumentos que poderiam ser usados, tais como a baixa em diligência, o que não ocorreu.
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Estrutura da Vallourec que cedeu em MG teve reunião extraordinária, licenciamento expresso e alertas de ambientalistas em sua ampliação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU