08 Janeiro 2022
"A Ecologia de Paisagens busca entender como os processos ecológicos são influenciados pela configuração e composição das paisagens, ou seja, busca entender como o mosaico de diferentes elementos que compõem as paisagens, como os ecossistemas naturais e aqueles produzidos pelos seres humanos influenciam no fluxo gênico", explica o professor Alexandre Uezu.
O pesquisador também esclarece que é essa "ciência que nos ajuda a entender como manejar a paisagem de forma a conciliar a conservação da biodiversidade e o fornecimento de múltiplos serviços ecossistêmicos, que são fundamentais para a sobrevivência humana no planeta, como a produção de água, de alimentos e outros produtos. Portanto, a Ecologia de Paisagens é uma ciência conciliadora, que busca entender as interfaces entre os ecossistemas naturais e os antropizados e que tem o potencial de nortear as ações para a geração de paisagens sustentáveis".
Uezu é graduado em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e mestre e doutor em Ecologia pela mesma instituição. É pesquisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas e professor pela ESCAS - Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade.
A entrevista é de Elissandro Santana, publicada por EcoDebate, 07-01-2022.
Em primeiro lugar, é importante que se apresente para o público leitor da EcoDebate.
Sou biólogo, com mestrado e doutorado na área de Ecologia, especificamente em Ecologia de Paisagens. Sou pesquisador e professor da ESCAS/IPÊ – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas. Também coordeno projetos que buscam, através do planejamento da paisagem, conciliar a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos com o desenvolvimento sustentável em paisagens rurais.
Feita a apresentação, gostaria que discorresse um pouco acerca da importância dos estudos no campo da ecologia de paisagem para a conservação da biodiversidade.
A Ecologia de Paisagens busca entender como os processos ecológicos são influenciados pela configuração e composição das paisagens, ou seja, busca entender como o mosaico de diferentes elementos que compõem as paisagens, como os ecossistemas naturais (por exemplo, rios, florestas e campos nativos) e aqueles produzidos pelos seres humanos (como a agricultura, as áreas urbanas, estradas e pastagens) influenciam no fluxo gênico, na distribuição das populações de diferentes espécies, na interação intra e interespecífica, e em diferentes parâmetros populacionais.
Dessa forma, por abordar tanto as áreas naturais quanto as antropizadas, numa escala ampla, essa ciência nos ajuda a entender como manejar a paisagem de forma a conciliar a conservação da biodiversidade e o fornecimento de múltiplos serviços ecossistêmicos, que são fundamentais para a sobrevivência humana no planeta, como a produção de água, de alimentos e outros produtos. Portanto, a Ecologia de Paisagens é uma ciência conciliadora, que busca entender as interfaces entre os ecossistemas naturais e os antropizados e que tem o potencial de nortear as ações para a geração de paisagens sustentáveis.
Professor Alexandre, quais são os principais problemas para a fauna em paisagens fragmentadas?
As paisagens fragmentadas acontecem quando substituímos partes dos ecossistemas naturais por diversos tipos de usos da terra, o que em boa parte das vezes, acaba segmentando os habitats naturais em manchas de tamanhos menores e mais isoladas entre si. Dessa forma, a fauna que depende desses habitats para sobreviver passa a ter uma limitação de recursos devido à redução das áreas. Essa redução é ainda mais acentuada quando consideramos os efeitos de borda, que são modificações nas bordas dos fragmentos causadas pelo contato entre o ambiente natural e o antropizado. Essas áreas, em geral, têm maior incidência luminosa, apresentam maior temperatura e menor umidade e são mais susceptíveis a presença de espécies exóticas. Muitas espécies de interior de floresta não conseguem viver nessas áreas o que, na prática, reduz a sua área efetiva em que podem ocorrer. Essas limitações fazem com que as populações remanescentes nesses fragmentos sejam relativamente pequenas, o que pode causar deterioração genética pelo cruzamento de indivíduos parentais e também aumentar as chances de extinções locais, devido a eventos extremos, como tempestades, longos períodos de estiagem ou mesmo queimadas. Ou seja, as populações ficam mais susceptíveis a desaparecerem.
No que se refere à Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia, qual a real situação em relação à fragmentação?
A região do Extremo Sul da Bahia apresenta cerca de 17% de cobertura florestal. Apesar da baixa porcentagem, há ainda na região grandes remanescentes de Mata Atlântica, o que garante a presença de muitas espécies ameaçadas. Essas áreas maiores são geralmente área protegidas na forma de Unidades de Conservação – UC, como o Parque Nacional do Pau-Brasil, o Parque Nacional do Descobrimento, o Parque Nacional do Monte Pascoal e a RPPN da Estação Veracel. Juntas essas áreas chegam a aproximadamente 70 mil hectares. No entanto, para a conservação desses importantes remanescentes e sua rica biodiversidade é fundamental manter alta a conectividade das paisagens no entorno dessas UCs, de forma a garantir um bom fluxo gênico entre essas áreas, a fim de manter populações saudáveis das espécies que habitam essas florestas, sobretudo aquelas mais sensíveis e ameaçadas.
Professor, de forma resumida, se for possível, de modo geral, escolha um bioma ou mais, caso queira, e apresente, em uma perspectiva histórica, os principais fatores que contribuíram para a fragmentação de paisagens.
O processo de fragmentação acontece de forma muito similar nos diferentes biomas brasileiros. Se pegarmos dois exemplos extremos, a Mata Atlântica, com um processo mais antigo e a Amazônia, que tem sido fragmentada mais recentemente, observamos processos e vetores de desmatamento muito semelhantes.
A Mata Atlântica, por se distribuir ao longo da costa foi o primeiro Bioma a ser desmatado e fragmentado a partir da colonização. Atualmente, mais da metade da população brasileira mora em áreas de domínio da Mata Atlântica e 12 capitais de estados se localizam neste bioma. Em termos de cobertura, temos cerca de 28% da floresta nativa remanescente ou secundária. Os grandes remanescentes que restaram no bioma são aqueles localizados em áreas montanhosas, como na Serra do Mar, onde a ocupação foi dificultada pelo relevo íngreme.
As UCs também têm um papel fundamental para manter os grandes maciços florestais em pé.
Já, na Amazônia, percebemos um avanço da destruição da floresta pelas bordas do bioma, no chamado arco do desmatamento. Já, ultrapassamos a perda de mais de 20% da cobertura florestal e um dos principais vetores de desmatamento para esse bioma é a abertura de estradas. Ao alcançar os interiores das florestas primárias elas abrem caminho para uma ocupação que se irradia a partir dessas vias principais e que, em seguida, são ocupadas por pastagens ou plantios de soja.
No entanto, seja na Amazônia, na Mata Atlântica ou outro bioma, o processo de desmatamento e fragmentação ocorreu e ainda ocorre com duas finalidades:
1. Garantir a posse das terras e,
2. Expandir as monoculturas, como a criação de gado, o cultivo do café, da cana-de-açúcar, da soja e outras monoculturas.
Professor, o que podemos aprender e fazer daqui para frente acerca do efeito de borda nas áreas de fragmentação de paisagens em que o desmatamento e as queimadas avançam a cada dia?
O efeito de borda é um efeito importante, mas é apenas um dos impactos negativos produzidos pela fragmentação dos habitats. A partir dos estudos em Ecologia de Paisagens tem se chegado a conclusões importantes que podem ser usadas no momento de se planejar ações em uma paisagem, entre elas: em cada região é fundamental manter áreas contínuas de habitats nativos, pois algumas espécies não se adaptam a ambientes fragmentados; fragmentos grandes (>500 ha) também são essenciais para manter alta a biodiversidade na paisagem, especialmente para garantir a presença de espécies mais sensíveis; o aumento da conectividade da paisagem favorece a alta biodiversidade e, com isso, a manutenção de várias funções ecológicas, dessa forma, a implantação de corredores ecológicos, de trampolins ecológicos (stepping stones) e o aumento da permeabilidade da matriz devem ser incentivadas para mantermos paisagens mais saudáveis.
A Ecologia de Paisagens nos ensina que temos que considerar o planejamento das nossas ações de forma integrada, a presença de sistemas antrópicos nem sempre beneficia as áreas naturais, no entanto, o contrário normalmente acontece, ou seja, a presença de áreas naturais beneficia os sistemas produtivos, dessa forma, é muito importante buscarmos configurações ótimas da paisagem que garantam concomitantemente a conservação da biodiversidade e a geração de serviços ecossistêmicos.
Os efeitos, as consequências e os problemas são gigantes em relação à fragmentação de paisagens no Brasil. Pensando nisso, cite experiências bem sucedidas (que possam ser replicadas pelo país, dependendo das especificidades dos biomas e diversos ecossistemas, evidentemente) de recuperação, de construção de corredores ecológicos, ou, como alguns nomeiam, corredores de vida, dependendo da postura ou posição teórica que se adote.
Uma das formas de minimizar esses efeitos negativos da paisagem é aumentar conectividade da paisagem, seja através da criação de corredores ecológicos e de trampolins ecológicos (“stepping stones”) ou do aumento da permeabilidade da matriz. O aumento da conectividade é uma forma de aumentar a resiliência aos eventos extremos das populações de diversas espécies que vivem em paisagens fragmentadas.
No Pontal do Paranapanema, o IPÊ vem trabalhando para reverter o processo de fragmentação que se iniciou na década de 50, época em que a região tinha 80% da cobertura florestal. A partir do planejamento da paisagem na região, considerando os passivos ambientais das propriedades (de acordo com a lei florestal) e as áreas mais importantes de serem restauradas para aumento da conectividade da paisagem, o IPÊ, vem protagonizando uma importante ação que visa mudar a composição e configuração da paisagem na região, implantando tanto a restauração florestal em Áreas de Preservação Permanentes – APPs e Reservas Legais nas grandes propriedades, que funcionam como corredores ecológicos; e os Sistemas Agroflorestais – SAFs, nos assentamentos rurais, que funcionam como trampolins ecológicos.
Essas ações beneficiam não apenas as diversas espécies ameaçadas que ocorrem na região, mas também favorecem economicamente as comunidades locais que vivem na região, gerando renda através dessas ações. De forma similar, o IPÊ também tem atuado na região do Sistema Cantareira, através do projeto Semeando Água, com ações de restauração florestal e implantação de sistemas produtivos sustentáveis a fim de gerar paisagens multifuncionais, ou seja, aquelas que apresentam alta conectividade para a biodiversidade e que ao mesmo tempo promova diferentes serviços ecossistêmicos, como a provisão de água. Essas ações são fundamentais visto que o Cantareira é um dos sistemas de abastecimento mais importantes do planeta, já que são mais de 7 milhões de pessoas que dependem da água desse manancial, além de importantes polos industriais e empresariais.
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Conversa sobre ecologia de paisagem e conservação. Entrevista com Alexandre Uezu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU