29 Agosto 2018
O protagonista de hoje opta por realizar a entrevista em Les délices du fournil (as delícias do forno), um pequeno local que oferece serviço rápido de sanduíches, croissants e cafés em pleno coração do bairro latino de Paris. Com os videoclipes de êxito do momento como fundo e enquanto bebe sua taça de vinho tinto, - especialista em filosofia econômica e o impulsionador da teoria do decrescimento - relata como sua experiência de vida com comunidades alheias ao desenvolvimentismo, primeiro em Laos e depois na África, fez com que perdesse a fé na economia, histórias que ele explica em La sociedad de la abundancia frugal, um de seus últimos livros traduzidos ao espanhol. Para Serge Latouche, um intelectual parisiense de cabelo grisalho e sorriso afável, a sociedade do crescimento repousa sobre a acumulação ilimitada de riquezas, destrói a natureza e é uma geradora de desigualdades sociais.
O mantra central daqueles que atualmente governam o mundo é o desenvolvimento econômico exponencial e o aumento da produtividade trabalhista, mesmo que isso acarrete o corte de direitos. Muitos são os que celebram o recém-aprovado projeto do Banco Central Europeu para injetar mensalmente 80 bilhões de euros por mês para reavivar o crescimento da economia europeia. No entanto, este defensor do decrescimento econômico considera que a solução reside em viver de outra forma para viver melhor. Para Latouche, o altruísmo deveria substituir o egoísmo, o prazer do ócio à obsessão pelo trabalho, a importância da vida social ao consumo desenfreado e o razoável ao racional.
A entrevista é de Luna Gámez, publicada por Rebelión, 27-08-2018. A tradução é do Cepat.
O que lhe fez perder a fé na economia e buscar novas alternativas através da filosofia econômica?
Quando vivia em Laos estive com comunidades que trabalhavam umas cinco horas por dia e o restante do tempo dedicavam a se divertir, a plantar, a caçar, a pescar, e aí me dei conta de que o desenvolvimento iria acabar com esta forma de vida feliz e transformaria estas pessoas em subdesenvolvidas. O desenvolvimento colonizaria seu imaginário, criando-lhes necessidades externas e destruindo o equilíbrio de suas sociedades. Quando falo de colonizar o imaginário é porque parto da ideia de que a economia é uma forma de colonizar o imaginário, como foi a religião nos momentos em que os conquistadores invadiram outros países. Esta experiência me permitiu compreender que a economia é uma forma de religião e que o desenvolvimento é uma forma de ocidentalização do mundo, que assume o papel da colonização por outros meios.
Foi neste momento que começou a pensar na necessidade do decrescimento?
Não, eu não utilizei o termo decrescimento até 2002, quando organizamos o grande colóquio Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo (Défaire le développement, refaire le monde) na sede da UNESCO, em Paris. Em 64, eu fui à África como um verdadeiro missionário do desenvolvimento, ainda que estivesse inscrito no partido comunista e me considerasse marxista. Em 66, cheguei a Laos e no meu retorno à França começou minha crítica à economia política e meu trabalho na epistemologia econômica. Aí nasceu uma reflexão, durante décadas, e começou minha crítica ao desenvolvimento como uma forma de ocidentalização do mundo.
Como definiria o decrescimento?
Eu não o definiria. É um slogan que teve uma função midiática de contradizer outro slogan. É realmente uma operação simbólica imaginária para questionar o conceito mistificador do desenvolvimento sustentável. O conceito de decrescimento chegou por acaso e por necessidade.
O que é para você o desenvolvimento sustentável?
O desenvolvimento sustentável é isso, um slogan. É o equivalente ao TINA de Margaret Thatcher, There Is No Alternatives, que vem para dizer que não há alternativas ao liberalismo econômico. O desenvolvimento sustentável foi inventado por criminosos de colarinho branco, entre eles Stephan Schmidheiny, milionário suíço que fundou o Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (World Business Council for Sustainable Development), o maior lobby industrial de empresas poluidoras, e que foi acusado pelo homicídio de milhares de operários em uma de suas fábricas de amianto.
Também seu amigo Maurice Frederick Strong, um grande empresário do setor mineiro e petroleiro que, paradoxalmente, foi o secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Meio Humano, onde se iniciou a reflexão para que 20 anos mais tarde, na Cúpula da Terra da Rio 92, se apresentasse oficialmente o termo desenvolvimento sustentável. Eles decidiram vender o desenvolvimento sustentável assim como vendemos um sabão, com uma campanha publicitária extraordinária, excelentemente sincronizada e com um êxito fabuloso. Contudo, não é mais que outra vertente do crescimento econômico.
Em alguns momentos, afirmou que a economia é a raiz de todos os males e que é necessário sair dela e abandonar a religião do crescimento, mas como se abandona uma fé quando se acredita nela?
Não existe uma receita. Eu me tornei decrescentista em Laos e a maioria das pessoas de meu grupo teve experiências parecidas com as minhas de contato com sociedades não desenvolvimentistas que as fez abrir os olhos. Não nascemos decrescentistas, nos tornamos. Assim como não nascemos produtivistas, no entanto nos tornamos rapidamente porque vivemos em um ambiente em que a propaganda produtivista é tão tremenda que a colonização do imaginário se produz ao mesmo tempo em que aprendemos a língua materna. Desintoxicar-se depois depende das experiências pessoais. Um crescimento infinito em um planeta finito não é sustentável, é evidente inclusive para uma criança, mas não acreditamos no que já sabemos, como disse Jean-Pierre Dupuy, um amigo filósofo. O melhor exemplo é a COP21, onde foram realizados maravilhosos discursos, mas que não produzirão quase nenhum fruto, por isso eu acredito no que eu chamo a pedagogia das catástrofes. Acredito que é a única coisa que pressiona a cada um a sair de sua carapaça e pensar.
Em que consiste a pedagogia das catástrofes?
As pessoas que se veem atingidas por alguma catástrofe começam a ter dúvidas sobre a propaganda que as televisões ou os partidos políticos difundem, sejam de esquerda ou de direitas, e diante das dúvidas podem ir em busca de alternativas e se aproximar do decrescimento. É necessário que haja uma articulação entre o teórico e o prático, entre o vivido e o pensado. Ainda que você tenha a experiência, se não cria uma reflexão pode cair no desespero, no niilismo ou no fascismo, por exemplo. Portanto, são necessários esses dois ingredientes, mas não há receita para combiná-los.
Você fala que não há que crescer por crescer, assim como não há que decrescer por decrescer. Em que deveríamos crescer e em que decrescer?
Fazer crescer a felicidade, melhorar a qualidade do ar, poder beber água natural potável, comer carne sadia, que as pessoas possam se abrigar em condições aceitáveis... Vivemos em uma sociedade do desperdício, que gera numerosos dejetos, mas onde muitas destas necessidades básicas não são satisfeitas. Sair da ideologia do crescimento supõe uma redução do consumo europeu até alcançar uma pegada ecológica sustentável, isto supõe reduzir em 75% nosso consumo de recursos naturais.
Contudo, não somos nós, cidadãos, os que devemos reduzir nosso consumo final, mas o sistema. Por exemplo, 40% da carne que se vende nos supermercados vai para o lixo sem ser consumida. Isto acarreta um desperdício enorme e uma alta pegada ecológica. Em um país como a Espanha, até os anos 70, a pegada ecológica era sustentável, e se todos tivessem continuado vivendo como os espanhóis daquele momento teríamos um mundo sustentável. Acontece que os espanhóis não passaram a comer o triplo de quantidade, mas o triplo de mal. Na década dos 70, as vacas ainda se alimentavam com grama, mas agora comem soja, que se produz no Brasil, queimando a floresta amazônica; depois é transportada 10.000 km, mistura-se com farinha animal e são feitas rações com as quais as vacas se tornam loucas. Portanto, a pegada ecológica de um quilo de carne hoje supõe 6 litros de petróleo, e ocorre o mesmo que acontece com a roupa e com o restante de bens. Vivemos na sociedade da obsolescência programada, quando em lugar de tirar, deveríamos reparar e desta forma poderíamos decrescer sem reduzir a satisfação.
Até pouco tempo, as chamadas economias emergentes, como China ou Índia, cresciam com força e imparáveis, mas agora vivem um período de desaceleração e em alguns casos até de recessão, como é o caso do Brasil. Poderíamos ter a esperança de que surgissem alternativas de decrescimento nestes países?
Em teoria sim, a crise poderia ser uma oportunidade para buscar novas alternativas porque a crise é um decrescimento forçado, mas o paradoxal é que a colonização do imaginário pela sociedade do crescimento é tal que a única obsessão dos governos é voltar ao crescimento, quando na realidade a ferramenta chave deveria ser a sabedoria. A preocupação atual tanto do Brasil como da China é como retomar o crescimento, tornaram-se tóxico-dependentes, drogados pelo crescimento.
Acredita que as iniciativas do decrescimento virão de países em situações de crise ou de países menos absorvidos pelo desenvolvimento?
Pode vir de ambos, mas já que somos os ocidentais os responsáveis por esta estrutura, é daqui que se deveria partir a desocidentalização do mundo. Nós tentamos isso a partir do movimento do decrescimento, mas no momento não temos um verdadeiro impacto sobre a realidade, só em nível micro, com iniciativas como as cooperativas de produtores locais, que são pequenas experiências de decrescimento em nível local, das quais conheço muitas iniciativas interessantes na Espanha.
Acredita que serão os cidadãos que impulsionarão o decrescimento ou será uma iniciativa dos governos?
Virá do povo, está claro, dos governos é claro que não. Por que acredita que os novos partidos políticos que estão nascendo na Europa não abordam a ótica do decrescimento? Por medo. Têm medo de não ganhar os votos suficientes para chegar ao poder.
Você afirma que vivemos em um mundo dominado pela sociedade do crescimento que gera profundas desigualdades. De que forma isto pode afetar os ciclos migratórios?
A lógica da sociedade do crescimento é destruir todas as identidades. O problema das migrações é um problema muito complexo, agora falamos de milhões de sírios deslocados, mas antes deste século acabar, haverá 500 ou 600 milhões de deslocados, quando cidades inteiras como Bangladesh ou milhões de camponeses chineses virem suas terras inundadas pelo aumento do nível do mar. Ao aumentar as catástrofes do planeta, os migrantes ambientais aumentarão também.
Onde eu tenho mais experiência de campo é na África e ali observei que não é a pobreza e a miséria material que provocam as migrações, é a miséria psíquica. Quando eu comecei a trabalhar na África, há uns vinte anos, não havia existência econômica, assim como tampouco há hoje. Toda a riqueza econômica africana representa 2% do PIB mundial, segundo as estatísticas da ONU. A grande maioria representa a massa de petróleo nigeriano. Desta forma, temos 800 milhões de africanos que vivem fora da economia, no mercado informal. No início, quando eu ia à África havia bom ambiente, muito dinamismo, as pessoas queriam transformar suas terras, havia muitas iniciativas, mas desapareceram. Na última vez que fui, os jovens já não queriam lutar mais contra o deserto, agora o que querem é ajuda para encontrar papéis e ir para a Europa, por quê? Não é porque agora sejam mais pobres que antes, é porque destruímos o sentido de sua vida. Os últimos 10 ou 20 anos de mundialização tecnológica representaram uma colonização do imaginário 100 vezes mais importante que os 200 anos de colonização militar e missionária. São criadas novas necessidades, na televisão lhes são vendidas as maravilhas da vida daqui e eles já não querem viver lá.
Você diria que isto representa uma crise antropológica?
Sim, o crescimento é uma guerra contra o ancestral. O verdadeiro crime do ocidente não é ter saqueado o terceiro mundo, mas ter destruído o sentido da vida destas pessoas que agora adoram a miragem do desenvolvimento.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O desenvolvimento sustentável é um slogan”. Entrevista com Serge Latouche - Instituto Humanitas Unisinos - IHU