07 Janeiro 2022
"Recentemente seis supermercados da Europa pararam de vender a carne brasileira diante dos vínculos com a destruição da floresta Amazônica. Estas e outras informações são mais do que suficientes para se fazer uma análise social e ambiental urgente dos grandes frigoríficos, mostrando a relação deles com a poluição ambiental, segurança alimentar e nutricional, índices de mortalidade, aumento de preços, prejuízos aos pequenos e médios fazendeiros, as filas do osso, entre outros", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba e foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard (USA), em artigo publicado por seu blog, 06-01-2022.
Temos um sistema alimentar que utiliza tecnologias do século 21 em mentalidades dos séculos 16 e 17 sobre como conduzir a agricultura, incluindo a exploração de pessoas, concentração de riquezas, poluição e destruição ambiental.
Diante do aumento do preço da carne, a imprensa nacional não só mostrou a queda de consumo (o menor nos últimos 16 anos), como apontou vários fatores responsáveis pelo aumento de preço. Infelizmente, a imprensa deixou de comentar sobre o principal fator responsável por este aumento abusivo.
O Sindicato das Indústrias de Frigoríficos de Mato Grosso (Sindifrigo-MT) comentou sobre a ganância “de um elo que não quer fazer parte de uma corrente da cadeia”. Para o Sindicato as quedas de preços da indústria para o atacado variaram de 15% a 20%, “mas no balcão não teve nenhuma queda, ou seja, foi 0%, o que o varejo baixou em seus produtos.”
Estamos aqui diante de um exemplo de acumulação de interesses engrenados e investidos para manter o status quo. O sistema alimentar que temos no momento reflete basicamente a bifurcação do Brasil, onde você tem os que tem e os que não tem, com uma crescente concentração do poder econômico e a dizimação das comunidades de fazendas rurais. A concentração de grandes frigoríficos no Brasil, financiada por governos anteriores, e as grandes redes de supermercados definem elevados lucros entre si, cuja distribuição é desconhecida.
Mesmo vendo as filas do osso, o governo brasileiro não parece ter interferido no aumento abusivo da carne, enquanto nos Estados Unidos o Presidente Biden, conhecendo as táticas dos grandes frigoríficos, demonstrou querer quebrar o monopólio da poderosa indústria de carnes, reconhecendo que o sistema alimentar americano é carente de profundas mudanças.
Como no Brasil, quatro superpoderosos frigoríficos, incluindo dois do Brasil, controlam mais de 80% do mercado de carne, com uma concentração extraordinária de poder de mercado não agrada ao Presidente Biden. Os quatro grandes processadores de carne no mercado americano são: Cargill, com base em Minnesota; JBS SA, maior processadora de carne do mundo, com base no Brasil; National Beef Packing Co, controlada pela produtora brasileira de bife, Marfrig e Tyson Foods Inc, maior produtora de frangos dos Estados Unidos.
Estas grandes empresas financiam pesquisas e pagam consultores para confirmar que elas contribuem para baixar o preço de carnes, mas estudos mais recentes estão mostrando o contrário. Para o diretor do Projeto Thurman Arnold, Austin Frerick, da Universidade de Yale e estudioso de políticas de competição, não é verdade o argumento comum que apoia a monopolização na agricultura, de poucas grandes empresas que irão reduzir o preço dos produtos.
A grande questão que todos nós devemos nos preocupar é que se criou um sistema que, pelo seu próprio desenho, é extrativo e explorador de pessoas, como nas denúncias de práticas da JBS no Brasil. Sabemos ainda que estamos vendo a aplicação de tecnologias do século 21 em mentalidades do século 16 e 17 sobre como conduzir a agricultura, incluindo a exploração de pessoas, concentração de riquezas, poluição e destruição ambiental.
Muitos defendem o grande sucesso destas corporações em termos de produtividade, quando tudo é falso. Não existe produtividade nenhuma quando se analisa os chamados trade-offs ou compensação, em termos de subsídios, perda de solo, poluição do manancial de águas potáveis, emissão de gases que estão queimando o planeta, sem falar na mortalidade de pessoas. O sistema alimentar precisa urgentemente ser repensado sobre seus propósitos e sobre quem está sendo beneficiado.
O que mais nos entristece é saber que mais de oito bilhões de Reais dos cofres públicos, oriundo de impostos dos brasileiros foram utilizados para que estas corporações comprassem empresas americanas. Até hoje nunca foi feita uma análise aprofundada dos prejuízos causados ao país. O Presidente Bolsonaro que antes falou da Caixa Preta do BNDES parece que esqueceu tudo. Pelo contrário, “foi uma operação fantástica”, comemorou o diretor do BNDES, Bruno Laskowsky, sobre a venda de ações da JBS.
Pode até ter sido do ponto de vista econômico, mas uma análise social, ambiental e de segurança alimentar e nutricional ainda não foi feita e precisa ser feita para punir os responsáveis. Há poucos meses o Senador americano, Marco Rubio, dirigiu carta a Secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, pedindo uma investigação urgente de práticas criminais da JBS em adquirir recursos para a compra de empresas americanas. Como já foi divulgado, um dos irmãos Batista, em delação premiada, confirmou que para adquirir empréstimos do BNDES teve que destinar milhões de reais em propinas para os altos escalões do governo.
Para o Senador Marco Rubio, “quando empresas estrangeiras se beneficiam de práticas corruptas e as espalham no mercado dos Estados Unidos, comprometem nossa segurança econômica, apresentam riscos diretos aos nossos negócios e minam nossos esforços de combater corrupção no exterior”. É possível que não houvesse corrupção se este volume de recursos tivesse sido investido em pequenos frigoríficos e pequenas e médias fazendas em todo o país.
Recentemente seis supermercados da Europa pararam de vender a carne brasileira diante dos vínculos com a destruição da floresta Amazônica. Estas e outras informações são mais do que suficientes para se fazer uma análise social e ambiental urgente dos grandes frigoríficos, mostrando a relação deles com a poluição ambiental, segurança alimentar e nutricional, índices de mortalidade, aumento de preços, prejuízos aos pequenos e médios fazendeiros, as filas do osso, entre outros.
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Guerras de Carne e Preços Abusivos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU