04 Dezembro 2021
Primeiro, deixaram-na sem testes nem vacinas. Depois, foi condenada pelas medidas restritivas que, com o surgimento da variante Ômicron, isolaram-na do resto do mundo. Em tempos de Covid-19, como denunciaram a ONU e a União Africana, a África corre o risco de ser dramaticamente ridicularizada duas vezes.
A reportagem é de Paolo M. Alfieri, publicada em Avvenire, 03-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O apartheid sanitário está se transformando em um apartheid das viagens, uma situação que compromete seriamente a recuperação das economias já enfraquecidas do continente negro, onde os contágios também voltam a aumentar paralelamente.
Mesmo em um contexto com pouca capacidade de testes e de rastreamento, a OMS, por sua vez, está tentando agora se mexer, intensificando a assistência aos parceiros e às autoridades locais. “Precisamos agir rapidamente e aumentar as medidas de detecção e prevenção. Os países devem adaptar a sua resposta à Covid-19 e frear uma onda de casos para que não se espalhem por toda a África e não sobrecarreguem as unidades de saúde que já se encontram no seu limite”, sublinhou Matshidiso Moeti, diretora regional da OMS para a África.
A parte sul do continente registrou um surto de contágios, principalmente liderada pela África do Sul, que também é um dos poucos países africanos a realizar um número de testes suficiente. Na última semana de novembro, a África do Sul registrou um aumento de 311% de novos casos, em comparação com os sete dias anteriores. Os casos em Gauteng, a província mais populosa do país, aumentaram 375% em uma base semanal; as internações hospitalares aumentaram 4,2%; as mortes ligadas à Covid-19, em 28,6%.
Em geral, na África, os casos aumentaram 54% na semana passada. O que preocupa é a situação das vacinas, já que apenas 7,5% da população africana (102 milhões de pessoas) receberam duas doses do medicamento anti-Covid, enquanto mais de 80% da população continental ainda não recebeu sequer a primeira dose.
Em suma, é preciso agir rapidamente, também para evitar o desperdício das doses que chegaram: por exemplo, um lote de cinco milhões de doses está em risco, pois devem vencer até o fim do ano. Enquanto isso, os dados que chegam sobre a variante Ômicron aumentam. De acordo com a professora Anne von Gottberg, do Instituto Nacional Sul-Africano de Saúde Pública, a Ômicron está se tornando dominante na África do Sul.
O país registrou 8.561 casos na quarta-feira, enquanto, sete dias antes, eram 1.275. Muitas pessoas que têm anticorpos se contaminaram novamente, mas parecem ter sintomas leves: as vacinas estão oferecendo uma boa proteção contra a doença grave.
Gottber explicou que a variante se espalha mais rápido do que o esperado. No entanto, John Nkengasong, diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças na África (Africa CDC), também tranquiliza: “Não há necessidade de pânico. Não estamos desprovidos de defesas. Não estamos preocupados que a situação não possa ser administrada”.
“Esta será a quarta onda que enfrentaremos como continente”, explicou Nkengasong. “Sabemos como implementar intervenções rápidas, sabemos como fornecer o que é necessário.”
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, falou sobre as restrições adotadas por muitos países do mundo em relação às chegadas do continente africano. “Existem instrumentos para viajar com segurança”, foi a premissa de Guterres. “Então, utilizemo-los para evitar gerar, se me permitem dizer assim, um apartheid das viagens.”
O presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, também falou de “segregação”, acrescentando em relação à variante Ômicron: “Verificou-se que esse tipo de vírus existia em um ou dois países europeus muito antes de a África do Sul ter feito as suas revelações”. De acordo com o presidente da comissão, a União Africana, a ONU e a OMS farão de tudo para deixar claro que, do ponto de vista científico, as restrições às viagens internacionais não se justificam e, por isso, devem ser revogadas.
Enquanto isso, na Europa, o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) anunciou que “a Ômicron pode causar mais da metade de todos os contágios” de Covid na União Europeia nos próximos meses. O mapa da situação epidemiológica na Europa, em relação à Covid-19, publicado semanalmente pelo ECDC atesta que a Itália está, pelo menos por enquanto, em uma condição relativamente melhor do que os outros países europeus. Apesar de não ter sequer uma região em verde, cor que indica baixo risco epidemiológico, a Itália tem sete das 20 regiões em amarelo. A única outra região de toda a Europa que ainda está em amarelo é a Extremadura, na Espanha.
Todo o resto da Europa está em vermelho ou vermelho escuro.
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África. Contágios crescem 54% com o risco de um “apartheid sanitário” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU