27 Novembro 2021
"Na falta do censo demográfico o Brasil não saberá qual é a realidade da expectativa de vida do país em 2020 e 2021", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador de meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 24-11-2021.
Sem conhecer o tamanho real da população e sua estrutura por sexo e idade fica impossível calcular com exatidão a expectativa de vida.
O século XX foi marcado por um grande aumento da expectativa de vida ao nascer no Brasil e na maioria dos países. O avanço foi excepcional e a expectativa de vida mundial mais que dobrou no espaço de 100 anos.
O gráfico abaixo mostra a expectativa de vida ao nascer no Brasil de 1950 a 2019 segundo as informações do IBGE. O avanço permitiu a passagem de uma média de 48 anos em 1950 para 76,6 anos em 2019. De fato, os ganhos foram muito significativos e o Brasil ultrapassou a média mundial, estando a caminho de chegar em uma expectativa de 80 anos, que já foi atingida por países mais desenvolvidos e com maior qualidade de vida.
Mas os ganhos que vinham ocorrendo desde o início do século XX foram interrompidos pela alta mortalidade provocada pela pandemia da Covid-19. O IBGE divulgou as estatísticas do Registro Civil na semana passada (18/11), indicando que o total de mortes no país passou de 1.332.466 óbitos em 2019 para 1.524.949 óbitos em 2020 (o maior aumento anual em toda a série das estatísticas vitais), como mostrei no artigo “Aumenta o número de mortes e diminui o número de nascimentos no Brasil” (Alves, 19/11/2021).
Assim, indubitavelmente, o aumento da mortalidade provocou uma redução da expectativa de vida. Porque então a Tábua de Vida do Brasil, de 2020, calculada pelo IBGE e divulgada no dia 25/11/2021, não incorporou os efeitos da alta mortalidade ocorrida no ano passado?
Imagem: Reprodução | EcoDebate
Segundo palavras do próprio Instituto: “As Tábuas Completas de Mortalidade para o Brasil 2020 que estão sendo publicadas hoje pelo IBGE fornecem os indicadores de mortalidade que seriam esperados caso o país não tivesse passado pela pandemia de Covid-19. Assim, se o Brasil não tivesse vivenciado uma crise de mortalidade em 2020, a expectativa de vida ao nascer seria de 76,8 anos para o total da população, com um acréscimo de 2 meses e 26 dias em relação ao valor estimado para o ano de 2019 (76,6 anos). …. Essas Tábuas de Mortalidade são calculadas a partir de projeções populacionais, baseadas nos dados dos censos demográficos. Essa metodologia, adotada pelo instituto desde 1991, é recomendada pelos organismos de cooperação internacional e reconhecida pelos usuários de nossos dados demográficos, incluindo órgãos públicos das três esferas de governo e as principais instituições acadêmicas do país”
Ou seja, como o IBGE não fez a Contagem de População marcada para 2015 e não fez o Censo Demográfico marcado para 2020, não pode atualizar as projeções populacionais (a última atualização foi feita em 2018). Assim, sem ter os dados do real tamanho da população e sua estrutura por sexo e idade e sem ter os dados da migração, o Instituto ficou impossibilitado de incorporar os dados do Registro Civil nas projeções, pois não tinha como definir o denominador (que é o tamanho real da população em todas as suas escalas).
Se o Censo Demográfico tivesse sido realizado em 2021, esta lacuna seria superada de forma mais rápida. Mas foi um erro geral não ter realizado o censo demográfico e isto está trazendo muitos prejuízos para as pesquisas do IBGE que estão perdendo a acurácia, já que as amostras baseadas no censo de 2010 estão desatualizadas depois da grande recessão de 2014 a 2016 e, principalmente, depois da recessão de 2020 e de todo o impacto da pandemia.
Portanto, o dado divulgado pelo IBGE de uma expectativa de vida ao nascer de 76,8 anos, para ambos os sexos, em 2020, está desconsiderando a alta mortalidade da covid-19, como explicado pelo próprio Instituto. Mas existem estimativas que mostram o impacto da pandemia. O artigo “Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19” (Castro et. al. 2021), publicado na em Nature Medicine, mostra uma redução da expectativa de vida ao nascer de 1,3 anos em 2020, sendo que o declínio foi maior para os homens (queda de 1,6 anos) do que para as mulheres (queda de 1 ano). No Amazonas, a diminuição chegou a 3,5 anos em 2020.
Assim, em vez de uma expectativa de vida ao nascer de 76,8 anos em 2020, o número pode ser de 75,3 anos. No ano de 2021 a mortalidade será ainda maior e o país terá uma nova queda da expectativa de vida.
Qual é o número real?
Ninguém sabe. Sem conhecer o tamanho real da população e sua estrutura por sexo e idade fica impossível calcular com exatidão a expectativa de vida. O máximo que se pode fazer é realizar estimativas como dados incompletos. Na falta do censo demográfico o Brasil não saberá qual é a realidade da expectativa de vida do país em 2020 e 2021. Se a pandemia for controlada, o padrão de 2019 poderá ser retomado em 2022.
O fato é que o Brasil precisa fazer o censo demográfico urgentemente para que o IBGE possa cumprir sua missão: “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania”.
ALVES, JED. Aumenta o número de mortes e diminui o número de nascimentos no Brasil, Ecodebate, 19/11/2021. Disponível aqui.
Castro, M.C., Gurzenda, S., Turra, C.M. et al. Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19. Nat Med 27, 1629–1635 (2021). Disponível aqui.
#INFOVID 34: Como estamos e ficaremos sem o Censo Demográfico. Disponível aqui.
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A redução da expectativa de vida em 2020 e a Tábua de Vida do IBGE. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU