28 Outubro 2021
Quem vivia em um país cristão podia delegar à vida coletiva grande parte do trabalho pessoal que deveria fazer como indivíduo ou como núcleo familiar. Com o desaparecimento da cristandade, isso não é mais possível. Quem não está consciente das mudanças estruturais ocorridas corre o risco de se orientar por referências que não existem mais.
A opinião é de Mauro Leonardi, padre e escritor italiano, em artigo publicado em Avvenire, 26-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há alguns dias, o cardeal Mario Grech, secretário geral do Sínodo que começou no domingo, 10 de outubro, declarou que “a cristandade, entendida como sistema de vida, não existe mais” e que, portanto, “a Igreja quer encontrar novos caminhos”.
Não devemos nos surpreender: “cristandade” e “cristianismo” são duas coisas diferentes. E o fim da cristandade não é o fim do cristianismo: pelo contrário, a Igreja pode buscar novos caminhos justamente porque o cristianismo não acabou.
A cristandade ocorre quando o cristianismo permeia a sociedade civil com seus próprios valores, promovendo leis e instituições específicas e concretas. Grosso modo, começa com o Édito de Constantino, embora a verdadeira “cristandade” tenha ocorrido quando Teodósio proclamou o cristianismo como “religião de Estado”. Muitos já indicam naquele momento não a cristianização do império, como me ensinaram na escola quando eu era criança, mas sim a mundanização do cristianismo.
Foi o mesmo cardeal quem confirmou isso indiretamente, quando, na mesma ocasião, em uma entrevista ao Corriere della Sera, afirma que “o sistema social nascido com Constantino fez bem à Igreja, mas também lhe fez mal, muito mal. A partir daí, a Igreja se deixou contaminar pelo mundanismo, como diz Francisco, pelo poder. A partir daí, adotou o sistema da Corte imperial”.
O desaparecimento da cristandade na Itália, e em geral naquele que era o Ocidente cristão, é um processo já conclamado, cujos resultados finais devem ser todos descobertos, e estes anos de caminho sinodal nos ajudarão nesse trabalho. Desde o início, porém, pode-se dizer que, nesta circunstância histórica, é cada vez mais claro o dever de cada católico de se informar, refletir, debater e se posicionar publicamente como fiel sobre as grandes questões da atualidade, da eutanásia à maconha, da questão climática à desnatalidade, para chegar à justiça social, à imigração, à acolhida da vida, ao cuidado dos idosos ou ao trabalho dos jovens.
Nem todas as instituições são iguais. Qual é melhor ou pior é muitas vezes uma questão de opinião, mas ninguém duvida que a finalidade das instituições é facilitar e salvaguardar a vida humana. As escolas permitem instruir quem não conseguiria instruir a si mesmo, e os hospitais permitem tratar quem não poderia se tratar sozinho. Se escolas e hospitais não existirem mais, a vida muda: a tarefa que as instituições desempenhavam terá de ser realizada por outras pessoas e por outras entidades.
Quem vivia em um país cristão podia delegar à vida coletiva grande parte do trabalho pessoal que deveria fazer como indivíduo ou como núcleo familiar. Com o desaparecimento da cristandade, isso não é mais possível. Quem não está consciente das mudanças estruturais ocorridas corre o risco de se orientar por referências que não existem mais.
E assim, muito frequentemente, limitamo-nos a repetir coisas pensadas e ditas por outros que não são cristãos, renunciando a um pensamento original, livre e, se necessário (e muitas vezes o é), contracorrente: nunca como hoje se sente a necessidade de um “pensar católico”, não necessariamente uniforme, não fechado ao diálogo, mas enraizado no magistério social da Igreja, no pensamento de uma comunidade que crê (e livremente cidadã) que quer ser fermento na história e não ficar apenas olhando.
Se não sentirmos a urgência de fazer com que, a partir da nossa fé e da frequentação viva do Evangelho, decorra um pensamento que inspire à ação, que agregue muitos outros, que mude a atual (des)ordem das coisas, acabaremos, como diz o papa, dentro de um museu. Os católicos que não pensam por contra própria, que não se informam e que não se “formam” estão destinados ao silêncio e ao gregarismo.
Quando desaparece a cristandade do Estado e da sociedade, deixam de existir aquelas agências de valor que funcionavam por muito tempo: significa, portanto, que elas devem ser substituídas por outros órgãos intermediários. Sem nunca esquecer, porém, que a primeira peça imprescindível, embora insuficiente, é a da formação pessoal e do compromisso cotidiano.
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“O fim das cristandades do Ocidente é o início de um compromisso novo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU