10 Setembro 2021
Segundo dia de programação reuniu 4 mil mulheres indígenas na Funarte, denunciando a violência de gênero e a tese inconstitucional do marco temporal.
A reportagem é da Assessoria de Comunicação da ANMIGA, publicada por Conselho Indigenista Missionário – Cimi, 08-09-2021.
A II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas segue sua programação com a força ancestral das mulheres originárias, que trouxeram para o segundo dia de atividades pautas fundamentais em defesa de seus corpos-territórios: não à violência de gênero e não ao marco temporal.
O dia iniciou com o ritual em memória às meninas indígenas Raissa Guarani Kaiowá e Daiane Kaingang, adolescentes violentadas e mortas no Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul alguns dias antes de começarem as mobilizações indígenas em Brasília, em agosto de 2021. Mulheres indígenas de todo o país fizeram atos e lançaram manifestos à época, denunciando o contexto violento de vulnerabilidade a que estão submetidas.
“Falar sobre violência, e sobre a violência de gênero nas comunidades e aldeias e entre povos indígenas é um processo doloroso, que ainda pode ser considerado um tabu dentro das comunidades. Apesar da gente viver todos os dias isso dentro do território, seja pelo machismo imposto, seja pelo projetos que insistem adentrar em nossos territórios com seus projetos desenvolvimentistas”, relata Nyg Kaingang, liderança indígena da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
As pautas que norteiam, não somente o segundo dia de programação da Marcha, como também toda a luta das mulheres indígenas no país, caminham juntas. Por isso, lutar contra a violência de gênero, patriarcado e contra a inconstitucional tese do marco temporal implica diretamente na proteção e autonomia dos territórios indígenas no Brasil.
“Hoje a gente trouxe esse contexto da violência, iniciando a marcha com uma homenagem póstuma. Não adianta pensar na demarcação de terra indígena se não pensar primeiro esse respeito aos corpos territórios das mulheres indígenas. Porque tudo inicia ali. Com o marco temporal, é retomado o genocídio, esse feminicídio que no Brasil acontece há quinhentos e vinte anos contra as mulheres indígenas, negras e hoje também com as não indígenas, uma vez que o Brasil naturaliza a violência como cultura. Então isso tá presente, por isso que a gente precisa tá aqui marchando, por isso que a gente precisa falar”, reforça Nyg.
Cerca de 4 mil indígenas acompanharam o julgamento do STF sobre demarcação de terras indígenas a partir do acampamento da II Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.. (Foto: Marina Oliveira/Cimi)
Durante a tarde, a partir das 14h, todo o acampamento se concentrou na tenda principal para assistir a transmissão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode decidir o futuro das demarcações de terras indígenas em todo o país.
O julgamento tem como um dos principais pontos a discussão sobre a inconstitucionalidade da tese do marco temporal. A expectativa é de que os ministros rejeitem a tese, reafirmando o caráter originário dos direitos territoriais dos povos indígenas e a tradicionalidade da ocupação como único critério para as demarcações, conforme previsto na Constituição Federal de 1988.
Com um telão instalado na tenda principal do acampamento, as mulheres indígenas reservaram parte da programação para acompanhar a sessão no STF que, de maneira frustrante, foi encerrada mais uma vez sem iniciar os votos dos ministros sobre o mérito do processo.
Para as mulheres indígenas guerreiras da ancestralidade, a demarcação dos territórios é uma garantia de segurança para os corpos das mulheres. Por isso, inserir a pauta de gênero diante da discussão da tese do marco temporal reforça que não somente os territórios indígenas estão ameaçados. Nyg Kaingang situa esse debate falando que “nosso território é onde nosso corpo está, por isso precisamos protegê-los”.
Desde que o julgamento foi incluído na pauta do plenário do STF, no dia 25 de agosto, é a quinta sessão que se encerra sem que a votação seja concluída.
Após as sustentações orais das partes no processo, das contribuições dos chamados “amigos da Corte” e do Procurador-Geral da República, a retomada do julgamento nesta quarta-feira (8/9), trazia a expectativa de finalmente iniciar os votos dos ministros.
Conforme regimento, o primeiro a votar é o ministro Edson Fachin, relator do processo que julga o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata da reintegração de posse movida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas dos povos Kaingang e Guarani.
Após longa apresentação inicial do ministro Fachin, recuperando pontos das sustentações das partes e dos amigos da Corte, além de pareceres contrários e a favor da tese do marco temporal juntados no processo, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, encerrou a sessão para que a argumentação sobre o mérito da questão não fosse interrompida por falta de tempo.
Assim, o julgamento será retomado novamente amanhã (9/9), a partir das 14h, iniciando com o voto do ministro Fachin, que agora deve apresentar a parte mais central de sua posição sobre o tema das demarcações de terras indígenas.
Na sequência, votam os outros ministros, do mais novo na casa, ministro Kassio Nunes, até o mais velho, o decano do STF, ministro Gilmar Mendes. Também há a possibilidade de um pedido de vistas por parte de algum ministro, o que resultaria na interrupção e no adiamento da votação.
Em sua apresentação inicial, Fachin ressaltou que a discussão sobre a demarcação de terras indígenas é uma “questão constitucional a reclamar pronunciamento” do STF – o que vai de encontro à versão defendida por ruralistas de que a Suprema Corte já possui uma jurisprudência definida sobre a questão do marco temporal.
“Esse próprio tribunal, à unanimidade, reconheceu que há questão constitucional de repercussão geral da matéria constitucional controvertida nos autos”, afirmou o ministro, relembrando que os onze ministros foram unânimes, em 2019, ao dar status de repercussão geral ao caso Xokleng.
O IMA pediu, na sustentação oral realizada no dia 1º de setembro, que o recurso em favor do povo Xokleng não fosse conhecido pela Corte, o que encerraria o julgamento. Em sua manifestação, Fachin também negou o pedido do IMA, reafirmando, assim, a validade do recurso movido originalmente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em favor do povo Xokleng.
Desde 2019, os Xokleng atuam como parte no processo e defendem a tradicionalidade da ocupação da TI Ibirama-La Klãnõ, alvo da ação de reintegração de posse do IMA. Sob o governo Bolsonaro, a Funai, por sua vez, abriu mão de fazer sua sustentação oral em defesa dos indígenas.
Em todo o país, povos indígenas têm acompanhado com atenção o julgamento do STF e se manifestado contra a tese do marco temporal, que é defendida por ruralistas e outros setores interessados na exploração das terras indígenas e busca restringir a demarcação de terras indígenas apenas àquelas que estivessem sob a posse dos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Os povos indígenas esperam que o STF reafirme seus direitos constitucionais e a teoria do indigenato, consagrada pela Constituição Federal de 1988. Segundo esta tese, o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras é originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado brasileiro, e independe de qualquer marco temporal.
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Mulheres indígenas dizem não à violência de gênero dentro dos territórios e ao marco temporal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU