03 Setembro 2021
Emprego, desemprego, condições e relações de trabalho... A pandemia teve efeitos, em alguns casos, espetaculares na forma como trabalhamos.
A reportagem é de Vincent Grimault, publicada por Alternatives Économiques, 26-08-2021. A tradução é de André Langer.
Um violento raio imprevisto, uma atmosfera tempestuosa que se instala no tempo e um novo guarda-chuva mágico para se proteger. É com essas imagens que se parece o impacto da Covid no mundo do trabalho. O raio é, evidentemente, o choque do primeiro confinamento e seus quase 700 mil cortes de empregos em poucas semanas. A atmosfera pesada são os trimestres que se seguiram ao primeiro confinamento, entre aberturas de sol (verão e volta às aulas 2020, inverno 2021) e persistência de aguaceiros a cada nova onda epidêmica (novembro de 2020, março de 2021). O guarda-chuva mágico são todas as medidas para apoiar a economia postas em prática pelo governo e, em particular, o desemprego parcial em massa. Voltaremos a isso.
Em 17 de março de 2020, o sol estava brilhando na França. Os meses imediatamente anteriores a esta data foram muito bons em termos de crescimento e de criação de empregos ainda melhores. Em sua história, a França nunca teve tantos empregos (25,3 milhões). Um ano e meio depois, onde estamos? Não muito longe do céu claro de então. No final de junho de 2021, a França quase atingiu o número de empregos privados de antes da crise, seis meses antes das previsões feitas no início do ano pelo Insee (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos). Uma surpresa permitida por políticas públicas pró-ativas (o famoso “custe o que custar”) e confinamentos cada vez menos penalizadores para a atividade econômica. Essa dinâmica não veio em prejuízo da qualidade. Ao final de junho de 2021, a taxa de emprego (1) de 15 a 64 anos em tempo integral havia aumentado 0,5 ponto em relação ao período anterior à crise, e a taxa de emprego com contrato por tempo indeterminado também era maior no de final de 2019 (+0,3 ponto).
Isso quanto ao copo meio cheio. Mas a Covid obviamente não será apagada em quinze meses, especialmente em termos de desemprego. No final de junho de 2021, permanecia estacionado em 8% pelo terceiro trimestre consecutivo. Por que o desemprego não está caindo quando a criação de empregos é dinâmica? Porque no auge da tempestade, muitos desempregados não procuravam mais trabalho, achando que seria muito difícil encontrar um emprego. Eles foram, portanto, considerados inativos, e não mais como desempregados.
Desde a primavera, a procura na agência de empregos Pôle emploi após um período de inatividade aumentou drasticamente, para níveis que não eram atingidos desde 2017. Como tem acontecido desde o início da pandemia, a leitura das taxas de desemprego atualmente continua sendo um exercício delicado, porque os participantes no mercado de trabalho mudam de uma categoria administrativa ou estatística para outra, dependendo dos confinamentos e da capacidade de procurar um emprego.
Neste contexto, não é fácil determinar com precisão quem são as principais vítimas da crise. As categorias de jovens e idosos são as que mais cresceram no Pôle emploi desde o início da pandemia... mas em termos de taxa de emprego, são os 25-49 anos que mais sofreram até agora. O mesmo se aplica ao recorte de gênero: o número de homens inscritos no Pôle emploi nas categorias ABC aumentou mais desde o início da crise (+5,7%) do que o de mulheres (+3,2%), mas ao mesmo tempo a taxa de emprego dos homens aumentou, enquanto o das mulheres diminuiu. Significa isso que as mulheres estão se retirando do mercado de trabalho? A única certeza real nesta fase é que aumentou o fosso entre os trabalhadores precários – trabalhadores com contrato de tempo determinado, autônomos –, muitos dos quais perderam os seus empregos ou viram o seu volume de negócios cair no início da crise, e os empregados com contrato por tempo indeterminado, bastante protegidos pelo desemprego parcial.
“Nem todos morreram, mas todos foram atingidos”. Assim como os animais infectados pela peste em Jean de la Fontaine, nenhuma empresa foi capaz de ignorar o vírus durante o primeiro confinamento, entre fechamentos administrativos, reorganizações a serem feitos em tempos de catástrofes ou relações dificultadas com fornecedores e clientes. Em seguida, surgiram fortes diferenças entre os setores. Em dois diferentes estudos, o Insee e o Dares (serviço de estatísticas do Ministério do Trabalho) elaboram uma tipologia das situações. Ao agrupá-las por aproximações, aparecem quatro categorias.
A primeira reúne aqueles que mais sofreram com os fechamentos administrativos. Alimentação, setor hoteleiro, atividades desportivas e de lazer, transporte aéreo e ferroviário de passageiros..., todos estes setores despencaram durante o primeiro confinamento e não se recuperaram durante o segundo. Sozinhos, a alimentação, o setor hoteleiro, o trabalho temporário e as atividades esportivas e de lazer foram responsáveis por mais da metade dos empregos perdidos na França em 2020, confirma a associação Régions de France.
A segunda categoria reúne os setores que despencaram no primeiro confinamento, mas conseguiram se recuperar no segundo, como a construção civil, que ganhou 55 mil empregos em relação ao período pré-crise. A indústria, cuja recuperação no outono de 2020 foi mais moderada, ainda sofre com um déficit de 47 mil empregos em relação ao final de 2019. Terceira categoria: os setores que sofreram pouco com a crise graças ao teletrabalho, ou mesmo se beneficiaram, como as atividades informáticas e os serviços de informação, de publicação, audiovisual e radiodifusão, ou as atividades jurídicas e contábeis. Por fim, uma última categoria reúne setores que conseguiram reabrir, mas que deverão ter problemas de demanda, como a indústria aeronáutica e automotiva.
Estas dinâmicas setoriais têm consequências territoriais, dependendo da especificidade de cada área de emprego. Mas, por um lado, as diferenças entre os territórios que vão bem e aqueles que vão mal eram muito menores do que as diferenças setoriais em 2020, mostra o Insee. Por outro lado, é muito cedo para tirar conclusões definitivas, lembra o economista Olivier Bouba-Olga, coordenador do serviço “Études et Prospective” na região de Nouvelle-Aquitaine: “No início da crise, na nossa região, a bacia de Bayonne teve números muito ruins. Mas ela se saiu bem nos trimestres seguintes. Devemos, portanto, ser cuidadosos antes de lançar políticas de apoio altamente direcionadas geograficamente”.
Tomadas essas precauções, dois tipos de territórios parecem ter pago o preço mais alto. Os primeiros são as zonas muito voltadas para o turismo, principalmente de inverno e internacional. A Tarentaise (Savoie) perdeu assim 32% dos seus empregos privados (excluindo a agricultura) entre o final de 2019 e o final de 2020, contra -1,65% em média na França. Segunda lição: as grandes metrópoles parecem ter sofrido mais. A massa salarial nas aglomerações de Paris, Lyon e Marselha caiu 13% entre março de 2020 e fevereiro de 2021, contra 8% nas unidades urbanas com menos de 2 milhões de habitantes, observa o deputado Jean-Noël Barrot em um relatório. A priori mais resilientes às crises, as metrópoles devem se recuperar graças à variedade de seu tecido econômico. Nesse ínterim, elas estão pagando caro por sua dependência do turismo internacional e da economia de lazer em geral.
“E como vai o seu trabalho?” A resposta a esta pergunta tem sido bastante negativa nos últimos meses. Os trabalhadores pesquisados no âmbito de um estudo realizado pelo Dares indicam, de um modo geral, terem sofrido desde o início da crise um aumento na quantidade do trabalho a dar contar, em horários mais longos e atípicos (no final da tarde, à noite, de madrugada), e um trabalho que se tornou mais intensivo. Esse aumento da carga de trabalho tem repercussões mentais, observa o Dares: um em cada quatro trabalhadores declara estar com mais frequência “chateado, abalado e mais sensível no trabalho” do que antes da crise, principalmente porque a preocupação de perder o emprego aumentou. Essa intensificação emocional às vezes sobrecarrega os trabalhadores: 23% deles apresentam alto risco de depressão, mais do que o dobro da proporção medida em 2019.
Para esclarecer essas tendências médias, o Dares distingue quatro grupos de trabalhadores. O primeiro grupo, a maioria (54% dos trabalhadores), acredita que suas condições de trabalho foram pouco afetadas pela crise. Este grupo é majoritariamente constituído por homens, trabalhadores manuais, empregados ou agricultores, que continuaram a frequentar o seu local de trabalho. Melhor, um segundo grupo muito minoritário (4% dos trabalhadores) experimentou uma ligeira melhora. Trata-se especialmente dos trabalhadores do setor hoteleiro e da alimentação que, saídos do desemprego parcial, regressaram ao emprego, mas com um nível de atividade ainda baixo. O resto da população assalariada divide-se entre os que declaram uma intensificação do trabalho (32%) e os que observam uma real degradação (11%). Os primeiros – na sua maioria mulheres – trabalham principalmente na saúde, na ação social e na educação. Estes últimos são principalmente quadros e teletrabalhadores.
O Dares também investigou as contaminações por Covid-19 nas empresas. No início de 2021, 18% dos trabalhadores relataram ter sido infectados desde março de 2020, e 28% acreditam ter sido infectados no ambiente de trabalho. Vários fatores aumentam o risco de ter se infectado no trabalho: o deslocamento até o local de trabalho, é claro, mas também o fato de estar em contato com o público, ou mesmo realizá-lo em um ambiente barulhento que exige que você tenha que se aproximar dos colegas para conversar.
O último elemento a ter em conta em termos de condições de trabalho: a evolução dos salários. Em média, a remuneração por hora de trabalho tem se mantido estável: o índice do salário mensal básico subiu 1,4% entre junho de 2020 e junho de 2021, acompanhando a inflação. Por outro lado, uma vez que houve uma queda do tempo de trabalho, o salário real recebido pelos franceses caiu em 2020. Calculado pelo Insee, o salário mensal per capita caiu drasticamente para os empregados (-8,4%), os trabalhadores manuais (-5,9%) e, em menor medida, os quadros (-1,7%), porque estes últimos puderam realizar mais o seu trabalho a distância e receber normalmente. Felizmente, o desemprego parcial permitiu compensar essas desigualdades: o salário mensal per capita “estendido”, que leva isso em conta, caiu “apenas” 1,2% para os trabalhadores manuais e 0,6% para os empregados.
Esta é provavelmente a principal (r)evolução do mercado de trabalho ligada à Covid. Em abril de 2020, em meio ao primeiro confinamento, 8,4 milhões de pessoas não estavam em seus postos de trabalho, mas assim mesmo recebiam um salário. Este é o princípio da política de atividade parcial, mais comumente conhecido como “desemprego parcial”: quando uma empresa encontra dificuldades econômicas (dificuldades de demanda consideradas temporárias, dificuldades de abastecimento, pandemia, inundações, incêndios, etc.), ela pode buscar o apoio das autoridades públicas. Se considerar o pedido legítimo, o Estado cobre temporariamente grande parte dos salários dos empregados.
Esta medida muito antiga foi mantida bastante confidencial antes da pandemia. De 2015 a 2019, entre 25 mil e 50 mil trabalhadores estavam em atividade parcial em média todos os meses, principalmente na indústria. Acima de tudo, a França usou essa medida muito pouco durante a crise de 2008, ao contrário da Alemanha. Desta vez, o governo reagiu com rapidez e firmeza, outorgando uma fatura (direta) de pelo menos 33 bilhões de euros entre março de 2020 e junho de 2021, à qual se deve somar um déficit indireto, pois o subsídio de desemprego parcial não está sujeito a contribuições previdenciárias. O dispositivo limitou severamente as perdas de empregos. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 8% na França, contra apenas -1,7% para o emprego.
Mas a inscrição da atividade parcial ao longo do tempo apresenta vários problemas. O primeiro diz respeito ao custo, tanto para o Estado como para o órgão que administra o seguro-desemprego. Na realidade, a Unédic [Union nationale interprofessionnelle pour l'emploi d'industrie et le commerce] financia um terço dos gastos da atividade parcial (em comparação com dois terços do Estado), o que fez mergulhar suas contas no vermelho. “Podemos temer que o buraco em suas contas provoque pânico no governo e que seja tentado a pedir aos desempregados ‘normais’ que o preencham”, preocupa-se Eric Heyer, economista do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE) . Essa preocupação é tanto mais forte quanto uma reforma do seguro-desemprego, decidida antes da Covid e parcialmente suspensa pelo Conselho de Estado em 22 de junho passado, já pretende punir os candidatos a um emprego.
Segundo problema: a medida é muito ampla. “Na vida econômica normal, as empresas mais bem-sucedidas sobrevivem e aquelas que são mal administradas entram em colapso, diz Eric Heyer. O desemprego parcial salva a todos e leva à retenção de empregados nas empresas condenadas em detrimento daquelas que estão em desenvolvimento. No auge da crise, não houve tempo para resolver o problema. Mas agora, a segmentação deve ser melhorada”.
Por fim, a medida foi concedida a empresas sem contrapartidas. “A filosofia dessa medida é manter a capacidade dos trabalhadores da empresa para recomeçar o mais rápido possível quando a conjuntura melhorar. Devíamos ter aproveitado esse período para qualificar os trabalhadores”, afirma Eric Heyer. Em junho passado, apenas 15% dos colaboradores trabalhavam numa empresa que recorreu à formação para os seus colaboradores em situação de desemprego parcial.
Diante desses desafios, o governo progressivamente tornou o recurso ao desemprego parcial “clássico” menos vantajoso tanto para empregadores como para os trabalhadores. Além disso, o novo dispositivo de atividade parcial de longa duração, implementado em julho de 2020, prevê contrapartidas ligeiramente maiores.
O copo até o fim. Para muitos trabalhadores em dificuldades, que antes da eclosão do coronavírus se apegavam a alguns contratos precários, a crise cobrou um preço alto. O que os desestimula a entrar no mercado de trabalho? Alguns sinais permitem entrever o problema. A começar pelo aumento do número de desempregados de longa duração. Só no primeiro trimestre de 2021, o seu número aumentou em 126 mil, calcula o Insee, explicando que “este aumento acentuado, enquanto a taxa de desemprego está praticamente estável, reflete o fato de a crise econômica afetar mais particularmente (...) as pessoas mais distantes do emprego”. Eliminados do emprego, os jovens que não trabalham nem estudam também o são, por definição. E forçado pela Covid, seu número excedeu o nível de antes da crise (+0,5 ponto).
A esse triste quadro é adicionado um mosaico de situações e de pessoas que não estão totalmente empregadas nem inativas. Desempregados, pessoas que se encontra na auréola do desemprego (2), empregados em tempo parcial que gostariam de trabalhar mais (subemprego), empregados em desemprego parcial... O Insee agrupa todas estas situações numa categoria, e ela representa 20,1% das pessoas que estão presentes no mercado de trabalho no segundo trimestre de 2021, contra 18,8% antes da crise.
Felizmente, existem razões para não cair no pessimismo. A primeira se deve ao melhor reconhecimento da utilidade social dos “premiers de corvée”, isto é, trabalhadores essenciais (caixas, lixeiros, cuidadores, etc.). Em uma pesquisa do Centro de Estudos do Trabalho e Emprego (CEET), 29% dos empregados declaram que seus empregos ganharam maior reconhecimento. É claro que isso não enche a geladeira, mas o CEET aponta “a importância do reconhecimento simbólico, que parece ser um fator essencial na relação com o trabalho”. De forma mais geral, por enquanto, não vemos nenhum desencorajamento particular em relação ao mundo do trabalho: a taxa de atividade (3) dos 15-64 anos no segundo trimestre de 2021 quase retornou ao nível pré-crise (-0,1 ponto, 72,7% da população).
É até possível, com um pouco de otimismo, imaginar uma saída pelo alto em setores que oferecem más condições de trabalho. 63% das empresas do setor hoteleiro e da alimentação declaram, assim, que têm dificuldade em recrutar pessoas na forma de contratos por tempo determinado ou por tempo indeterminado porque vários ex-servidores ou lavadores de prato mudaram de atividade durante a crise. Dificuldades de recrutamento que afetam também, em menor grau, a indústria agroalimentar, os setores da saúde e da ação social, indica o Dares. Esses setores deverão, portanto, melhorar as condições de trabalho para poderem recrutar.
Trabalhar a qualquer custo? Os trabalhadores parecem aceitar cada vez menos essas condições, e não apenas na França. Apenas em abril de 2021, 4 milhões de americanos deixaram seus empregos. Um recorde que contrasta com a crise de 2008, quando as demissões despencaram. Em um contexto de dificuldades de recrutamento, os trabalhadores que deixam seu emprego acreditam que poderão exigir melhores salários, indicam vários observadores americanos. A França, cautelosa com uma tempestade econômica sempre ameaçadora, provavelmente ainda não chegou lá. Mas isso não impede a esperança de um raio de sol.
1. Taxa de emprego: razão entre o número de pessoas empregadas e o número total de pessoas.
2. Auréola do desemprego: pessoas que gostariam de ter um emprego, mas não reúnem as condições de disponibilidade imediata e/ou procura ativa de emprego para serem consideradas desempregadas.
3. Taxa de atividade: relação entre o número de pessoas ocupadas (ocupadas e desempregadas).
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Um mundo do trabalho de ponta-cabeça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU