13 Agosto 2021
Para entrar em vigor, aquela lei sobre o Holocausto aguarda a assinatura do presidente Duda, a quem Estados Unidos e Israel pedem veto.
A reportagem é de Nadia Boffa, publicada por Huffington Post, 12-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Primeiro, uma lei é aprovada em uma seção do parlamento que prevê que as mídias polonesas sejam controladas por proprietários nacionais e, de fato, limita profundamente a liberdade da mídia independente na Polônia. Depois, outra que limita, a ponto de quase anular, o direito dos sobreviventes e descendentes das vítimas do Holocausto de solicitar a devolução dos bens e propriedades que lhes foram apreendidos pelos ocupantes nazistas alemães, e depois de 1945 tornaram-se propriedade da ditadura comunista. A Polônia está a caminho de se tornar um país cada vez menos livre, democrático e ocidental, e isso tudo sob os olhos espantados e impotentes dos Estados Unidos, de Israel e da União Europeia. No entanto, as duas leis ainda podem ser trancadas. A providência sobre o Holocausto, para entrar em vigor, aguarda a assinatura do presidente nacionalista conservador Andrzej Duda, a quem Estados Unidos e Israel pedem o veto. A lei contra a liberdade das mídias, por outro lado, terá que ser aprovada pelo Senado, onde a oposição, porém, tem uma leve maioria: será votada dentro de um mês.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que ambas as leis "contradizem os valores fundamentais do Ocidente e da comunidade transatlântica". As leis foram aprovadas em apenas dois dias, por um parlamento sem autoridade. De fato, não existe mais uma maioria formal após a demissão do vice-primeiro-ministro Gowin e a ruptura entre seu partido Porozumienie e o resto da direita unida. Para votar as leis, portanto, os votos são angariados, em troca de promessas, por partidos fora da maioria original, desde os populistas de Kukiz, aos antissemitas da extrema direita e aos deputados de Gowin que “se deixaram convencer”.
A coalizão que apoia o governo polonês, dominado por forças nacionalistas e de extrema direita, está se desintegrando há meses. Mas as maiores tensões surgiram justamente quando o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, do partido Direito e Justiça (PiS, o mais importante da coalizão), optou por "demitir" do cargo de vice primeiro-ministro Jaroslaw Gowin, líder do partido aliado Acordo. Ministro do Trabalho e Desenvolvimento Econômico e líder de um pequeno partido (PJG) membro da coalizão, Gowin não pretendia votar a lei sobre as mídias com uma dezena de colegas. A única maneira de o primeiro-ministro Morawiecki aprovar a lei era, portanto, conseguindo a demissão do ex-aliado.
A lei sobre as mídias estipula que os meios de informação poloneses sejam controlados por proprietários nacionais e, portanto, obriga o grupo estadunidense Discovery a vender sua participação majoritária na rede de televisão privada TVN, cujo canal de notícias TVN24 é muito crítico em relação ao governo. De acordo com a nova lei (chamada pela oposição de "lex anti Tvn"), em poucos meses os investidores estadunidenses desse canal poderão se tornar apenas sócios minoritários. Uma perspectiva já criticada pelos EUA que tem ameaçado o agravamento das relações bilaterais, até agora muito próximas. A lei, aprovada com 228 votos a favor e 216 contra, segue agora para o Senado, onde a oposição tem uma leve maioria e anunciou batalha. Na terça-feira milhares de pessoas foram às ruas em toda a Polônia contra a lei em quase 100 cidades.
O projeto de lei contra o Holocausto, por outro lado, afirma que as decisões administrativas não podem mais ser contestadas em tribunal após um prazo de 30 anos, impedindo efetivamente a restituição aos sobreviventes do Holocausto das propriedades confiscadas pelas autoridades polonesas durante a era comunista. A lei ainda precisa ser assinada pelo presidente Andrzej Duda antes de entrar em vigor. No entanto, a lei parece estar dentro das intenções do presidente da república soberanista de reescrever a história do Holocausto em termos de martírio, primeiro do povo polonês e depois dos judeus. Originalmente também estavam previstas penas de prisão para aqueles que mencionavam eventual cumplicidade polonesa com os nazistas no Holocausto, mas depois foram retiradas sob pressão internacional.
A controversa disposição sobre o Holocausto aumentou as tensões entre a Polônia e Israel, que havia anteriormente convocado o embaixador polonês sobre a normativa. “Condeno a medida aprovada pelo parlamento polonês, que prejudica tanto a memória do Holocausto quanto os direitos de suas vítimas - comentou no Twitter o chanceler israelense Yair Lapid - continuarei a me opor a qualquer tentativa de reescrever a história ... A Polônia sabe o que é certo fazer: revogar a lei”. Uma reação dura à aprovação da lei também veio do presidente da Knesset. ″Após a aprovação da lei polonesa que limita os pedidos de ressarcimento de sobreviventes do Holocausto – escreveu no Tweeter Micky Levi - decidi que não formaremos nenhum grupo de amizade com parlamentares poloneses. Trata-se de uma lei prevaricadora e ultrajante que atinge a memória da Holocausto e prejudica as relações entre os nossos países″. “Apelo ao presidente Andrzej Duda para que vete esta vergonhosa lei”, concluiu Levi.
A lei também provocou uma grande reação dos Estados Unidos: o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que Washington ficou "perturbada" com a legislação polonesa "que limita gravemente as restituições aos sobreviventes do Holocausto e aos proprietários de bens confiscados durante a era comunista". Blinken também pediu a Duda que não assinasse o projeto de lei e enfatizou que - até que "uma lei global sobre a resolução de reivindicações sobre as propriedades confiscadas seja promulgada na Polônia, o caminho para o ressarcimento não deveria ser fechado a novos pedidos ou sobre as decisões pendentes nos tribunais administrativos".
O Secretário de Estado dos EUA também expressou a preocupação de Washington sobre a outra lei aprovada pela câmara baixa do Parlamento de Varsóvia. "Este projeto de lei enfraqueceria significativamente o ambiente das mídias para o qual os cidadãos poloneses se esforçaram por muito tempo", disse ele. Segundo Blinken, ter meios de comunicação livres e independentes “torna as nossas democracias mais fortes, a Aliança transatlântica mais resiliente e é fundamental nas relações bilaterais”. “A Polônia é um importante aliado da OTAN e entende que a Aliança transatlântica se baseia em compromissos mútuos com os valores democráticos compartilhados. Essas leis vão contra os princípios e os valores que uma nação moderna e democrática deve respeitar. Convidamos o governo da Polônia a demonstrar seu empenho com os valores compartilhados não apenas em palavras, mas também nos fatos”, concluiu o Secretário de Estado dos EUA.
Várias organizações europeias também se manifestaram sobre a lei que limita a liberdade dos meios de comunicação. “O projeto de lei da radiodifusão polonesa envia um sinal negativo. Precisamos de uma iniciativa para a liberdade das mídias em toda a UE para defender a sua liberdade e respeitar o Estado de direito”, escreveu no Twitter Vera Jourova, Vice-Presidente da Comissão Europeia responsável pelos Valores da União. “A votação de ontem à noite sobre a lei sobre as mídias #lexTVN na Polônia é muito preocupante. Se a lei entrar em vigor, ameaçará seriamente a televisão independente no país. Não pode haver liberdade sem mídia livre”, escreveu o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, no Twitter. Na Polônia, “depois de ter passado a minoria, o governo obteve um primeiro sim na lei da TV que proíbe o Discovery de ser acionista da única rede que não é alinhada ao governo. Uma história para acompanhar de perto. Na Europa, democracia é liberdade”, por seu lado, tuitou o comissário europeu para a Economia, Paolo Gentiloni.
No entanto, o primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki rejeitou as críticas à nova lei sobre as mídias. "Não temos nenhuma intenção a respeito de uma emissora de TV específica, trata-se apenas de endurecer os regulamentos para que não haja situações em que as empresas fora da União Europeia possam adquirir as mídias na Polônia", disse Morawiecki durante uma entrevista coletiva. O primeiro-ministro afirmou que a lei está implementando uma decisão de 2015 do Tribunal Constitucional polonês segundo a qual deve ser estabelecido um prazo dentro do qual algumas decisões administrativas errôneas não possam mais ser impugnadas. “Isso não tem nada a ver com os temores expressos por nossos amigos estadunidenses” - explicou Morawiecki - O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que os Estados Unidos estão 'profundamente perturbados' com o projeto de lei que o 'ameaça a liberdade’ das mídias e poderia minar o forte clima de investimento na Polônia”.
Enquanto isso, o governo polonês está cada vez mais na corda bamba. Os partidos da oposição polonesa anunciaram que irão apelar ao Ministério Público Nacional para solicitar a renúncia da presidente da Câmara baixa (Sejm), Elzbieta Witek, em decorrência da votação sobre a reforma das mídias. Após a aprovação da proposta do líder do Partido popular polonês Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, para o adiamento da votação para 2 de setembro, Witek decidiu realizar uma nova votação permitindo a aprovação da polêmica reforma. "Não tinha o direito de reiniciar a sessão, que havia sido adiada pelo Sejm", declarou o presidente do partido de oposição Plataforma Cívica, Borys Budka. “Todas as suas ações sucessivas foram ilegais, neste sentido, haverá um recurso ao Ministério Público”, acrescentou Budka, falando de violação do artigo 231 do código penal polonês, segundo o qual os funcionários públicos não podem agir além dos limites de suas competências. De acordo com o líder da Plataforma Cívica, a oposição está se coordenando para exigir a renúncia da presidente da câmara baixa do parlamento polonês. “Acho que amanhã ou depois de amanhã apresentarmos uma declaração conjunta. O que a Sra. Witek fez é inaceitável. Ela perdeu todo o direito de ser presidente da Câmara baixa”, concluiu Budka.
Em meio a um verdadeiro terremoto o governo, o parlamento polonês aprova dois projetos de lei que, se entrarem em vigor, tornariam a Polônia cada vez menos europeia. Cada vez mais fora do Ocidente.
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Holocausto e controle da TV: com duas leis a Polônia se coloca fora do Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU