12 Agosto 2021
“Escrevi este livro com o meu próprio sangue. Passei 15 anos imerso nele. Se me confiaram uma centena de histórias de abusos, começando por uma que desencadeou tudo. Demorei um mês para escrevê-lo, em janeiro de 2021. Escrever foi terapêutico, inclusive senti na minha pele. Sei que posso voltar a ser atacado”.
Padre, frei dominicano, professor de Bíblia na Universidade de Freiburg, membro da Comissão Bíblica Pontifícia e licenciado na École Normale Supérieure (Paris). Philippe Lefebvre acaba de publicar “Comment tuer Jésus?” (“Como matar Jesus?”, em tradução livre), um livro que sintetiza a luta de toda a vida do autor: denunciar os abusadores que a Igreja protegeu durante tanto tempo.
A reportagem é de Jordi Pacheco, publicada por Religión Digital, 11-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Lefebvre não exagera quando diz que escreveu o livro com o próprio sangue: o processo de escuta das vítimas o levou a “sofrer com elas” e acabou exausto. Além disso, suas investigações sobre os abusos não foram bem recebidas em certos setores da Igreja. “Por um ano, percebi que os bispos não reagiram, embora soubessem que o que eu estava dizendo era verdade. E a partir daí, alguns sites católicos conservadores praticamente pediram assassinato. Recebi ameaças de morte anônimas pelo correio por alguns anos. A única vez que um representante do bispo falou comigo foi para dizer: ‘cuidado com sua segurança quando voltar para a França’”, contou ele em entrevista concedida recentemente ao portal suíço Cath.ch.
Apesar de tudo, Lefebvre garante que esta obra, ao contrário do que se poderia supor, faz um grande bem à Igreja. “É um livro que tenta colocar palavras, ‘libertar a Palavra’”, garante. “No entanto, o que não faz bem à Igreja é não falar sobre esses assuntos. Isso é destrutivo. Para as vítimas, por um lado, porque elas têm que ser ouvidas em algum momento. Mas também para os abusadores: alguns deles me contaram como se sentiram felizes por serem pegos, por serem denunciados. Porque não podiam fazer sozinhos, ou contaram a um superior que não fez nada de especial”, acrescenta.
Para definir o que significa “fazer o bem”, o frei dominicano se refere à Bíblia. “Quando Jesus diz aos fariseus: 'Vocês são túmulos caiados, lindos por fora, mas cheios de podridão por dentro.' Sente-se bem? É difícil ouvir, mas você pode sentir que sua aparência é boa, mas dentro de você está a morte. Nunca é bom dizer verdades difíceis de ouvir. Não fico feliz em falar essas coisas sobre a Igreja, por isso falo com a Bíblia”, afirma.
“Como matar Jesus?” é um título provocador que tem sua origem em uma passagem do Evangelho de Marcos (14, 1): “Dois dias antes da Páscoa”, detalha Lefebvre, “os sacerdotes judeus se reuniram em torno do sumo sacerdote em Jerusalém para descobrir como apreender Jesus com decepções e como matá-lo. Que os sacerdotes se perguntavam como acabar com o Messias está escrito em preto e branco nos Evangelhos”.
“Colocando em perspectiva o que está acontecendo na Igreja, muitos pensam que está tudo bem e que só existem pequenas disfunções aqui e ali. Absolutamente não: há um assassinato de Jesus em cada vítima de abuso. E cometido por uma instituição que deve proteger os mais fracos”, conclui Lefebvre.
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“Em cada vítima de abuso há um assassinato de Jesus”, afirma frei dominicano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU