11 Agosto 2021
"Qual a surpresa que o presidente Bolsonaro representa?", questiona Edelberto Behs, jornalista.
Ao chamar o presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, de “fdp” em Joinville, na sexta-feira, 6, a excedência do presidente da República atingiu o fundo do poço na liturgia do cargo, alcançando o inferno de Dante. Analistas, eleitores, eleitoras, se perguntam alguns como o Brasil chegou a tal estágio.
Qual a surpresa? Para quem tinha o mínimo conhecimento da trajetória profissional e política de Jair Messias Bolsonaro jamais se iludiu com o “mito”. Ele teve que sair pela porta dos fundos para não ser expulso do Exército, onde recebeu o apelido de “cavalão”. Foi um deputado tosco, agressivo, defensor da tortura, de milicianos, mentiroso como sempre, receptor de rachadinhas.
Nessa esdrúxula trajetória política até alcançar a presidência da República cabe olhar para trás e enxergar omissões e silêncios de instituições que agora, pelas ações que tomam, como que admitindo um “mea culpa”, fazem o bom combate para “frear” as ações antidemocráticas e fascistas do mito.
Dessas omissões e silêncios, quem paga a conta, porém, é o povo brasileiro. Olhando pelo retrovisor da história recente aparece, em primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal (STF), que se acovardou diante da ameaça do general Eduardo Villas Bôas, em abril de 2018, às vésperas do julgamento de um habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O militar disse na ocasião, pelo Twitter, que repudiava “a impunidade” e alertou que o Exército estaria “atento às suas missões institucionais”. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em novembro, o militar justificou o alerta, argumentando que “a coisa poderia fugir do nosso controle” se ele não se expressasse. Resultado: por 6 votos a 5 o STF negou o habeas corpus, Lula acabou preso por mais de 500 dias e ficou de fora da corrida presidencial, abrindo caminho para Bolsonaro.
Três anos depois, em 15 de abril de 2021, o plenário do tribunal referendou, por oito votos a três, a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, que anulou as condenações do parcial juiz Sérgio Moro a respeito do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Hoje, integrantes do STF, de modo especial Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sofrem ataques de Bolsonaro e o presidente da casa, Luis Fux, cancelou o encontro que estava agendado entre o chefe dos três Poderes e frisou: “Quando se ataca um integrante desta Corte, se ataca a todos”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) não poderia ficar ausente do espelho retrovisor. Depois de discursar, em inícios de abril, na Hebraica do Rio de Janeiro, parlamentares do PT e do PCdoB, mais a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (Conaq), ingressaram com duas representações pelo crime de racismo.
O que foi que o boca suja falou na Hebraica? “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas (arroba é medida para pesar gado, cada uma equivalente a 15 quilos). Não fazem nada... Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.
Depois temos no retrovisor da história recente mais uma vez o STF, que se calou diante da postura do então candidato Bolsonaro, ao discursar em Rio Branco, Acre, no dia 1º de setembro de 2018, quando ele pegou um tripé de câmara de televisão e, imitando uma metralhadora, disse: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. Era o momento de impugnar a candidatura, uma vez que é inadmissível um candidato promover incitação ao ódio. Silêncio da bancada dos magistrados.
Por fim, não dá para esquecer o papel da mídia e sua campanha antipetista de sempre. Mas na corrida presidencial de 2018, pela primeira vez desde a introdução dos dois turnos no processo eleitoral, não houve debate entre os candidatos (Bolsonaro x Fernando Haddad). Record, Band e Rede Globo cancelaram os debates.
Em carta à Rede Globo, responsáveis pela campanha de Bolsonaro argumentaram que o candidato “enfrenta limitações em virtude da bolsa de colostomia que carrega”, depois de sofrer atentado a faca no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora, embora os médicos indicassem que Bolsonaro estaria em condições de debater.
A Globo também rejeitou o pedido de Haddad, sugerindo que ele fosse então entrevistado, já que seu concorrente estaria ausente. As emissoras de TV sequer propuseram, nesse caso, promover então um debate com a presença dos candidatos à vice-presidência da República.
Agora, sintoniza-se a Globo, a Band, folheia-se a Veja, IstoÉ, os jornalões, o que mais se vê, se ouve e se lê são críticas, questionamentos ao presidente da República, pela sua postura sobretudo antidemocrática e autoritária. Em entrevista ao Jornal Nacional, o candidato Messias "denunciou" que seu oponente, enquanto ministro da Educação, distribuiu milhares de kit gay e mamadeiras de piroca. Por acaso a Globo corrigiu a informação, anunciando tratar-se de uma mentira das grossas? Deixou o barco correr...
Então, qual a surpresa que o presidente Bolsonaro representa?
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Qual a surpresa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU