10 Agosto 2021
“Não é preciso muito para ver que a incapacidade de diálogo está na raiz de todos os nossos problemas sociopolíticos, desde brigas de vizinhança e guerras de gangues no centro da cidade até conflitos entre nações e gastos desnecessários com armamentos. Desejamos ardentemente a paz na Terra, mas já fizemos as pazes com a Terra?”, escreve Myron Pereira, jesuíta de Mumbai, na Índia, em artigo publicado por La Croix International, 09-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As populações tribais podem nos ensinar como sobreviver à Catástrofe Climática.
Em 09 de agosto comemoramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Os povos indígenas são grupos étnicos culturalmente distintos, nativos de um lugar que fora colonizado e assentados por outro grupo étnico dominante. Eles são normalmente minorias sem poderes.
Sociedades indígenas são encontradas em cada zona climática e continente habitado, exceto a Antártida. Estima-se que cheguem à população de 250 milhões a 600 milhões em 70 países ao redor do mundo.
O termo indígena no contexto moderno foi usado primeiramente pelos europeus, para diferenciar as pessoas nativas das Américas dos descendentes de africanos trazidos como escravos.
Hoje nós usamos preferencialmente “indígenas” a palavras como “aborígenes”, “vanvasi”, “caras-pintadas”, termos que contêm arrogância e desprezo por tais pessoas.
Por séculos, de fato, as culturas dominantes olhavam de cima para os indígenas como “primitivos e bárbaros”, e acreditavam que era sua missão assimilá-los para o novo e mais dominante estilo de vida.
Os romanos fizeram isso com os gauleses na Europa. Os hindus tentaram o mesmo com os adivasi na Índia.
Quando essa assimilação encontrou resistência, a cultura dominante usou da violência para alcançar esse fim. Isso significou frequentemente a subjugação total da cultura tribal, e algumas vezes seu virtual extermínio. Então os EUA e a Austrália ameaçaram seus próprios nativos.
Esses indígenas que sobreviveram continuam a enfrentar a ameaça a sua soberania, bem-estar econômico, linguagens, formas de conhecimento, e acessos a recursos sobre os quais sua cultura depende.
As Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho e o Banco Mundial formularam os direitos dos indígenas na lei internacional.
Em 2007, a ONU publicou a Declaração sobre o Direito dos Povos Indígenas para guiar as políticas nacionais dos seus estados-membros sobre os direitos coletivos dos povos indígenas.
Mas no nível local, as violações a tais direitos continuam inabaláveis, seja no Brasil onde se desmata a Amazônia, ou na Índia onde se vende direitos de mineração nas terras tribais a grandes corporações, ou mesmo quando são combatidos como insurgentes maoístas, ou na China onde rebeliões uigures são postas abaixo.
Nenhum grupo étnico sofreu mais nas mãos de seus pares humanos que os povos indígenas no mundo.
Mas, como se diz, agora “a vida deu uma volta” por completo.
Por séculos os povos tribais do mundo estavam pressionados para se adaptar à cultura dominante, feudal ou tecno-industrial, sempre pregada como uma melhor forma de viver. Nos últimos anos, no entanto, o planeta está colocando essas afirmações convencionais em questão.
A frase que resume esta ameaça é a catástrofe climática.
Hoje olhamos para os efeitos do aquecimento global, chuva ácida, crescente desertificação, temperaturas extremas, emissões de gases de efeito estufa, poluição industrial imparável, estilos de vida doentios – e nos perguntamos se há algo muito errado com a maneira como a maioria de nós vive?
E, neste exato momento, somos atingidos pela covid-19, uma doença viral que mata a todos, zombando de todas as nossas pretensões médicas.
Portanto, a questão é relevante: há realmente algo distorcido em nosso modo de vida, sua dependência da tecnologia para controlar nossa dieta, nosso ambiente, nossos próprios processos de pensamento? Existe alguma alternativa?
Os povos indígenas do mundo podem nos oferecer padrões de vida e formas de viver mais saudáveis?
Em sua encíclica que marcou época, Laudato Si', o Papa Francisco disse: “Os povos indígenas são um grito de esperança. Eles sabem dialogar com a terra. Eles sabem o que significa ver a terra, ouvir a terra, tocar a terra. Eles conhecem a arte de viver bem em harmonia com a terra”.
Viver em harmonia, é esta a chave – não apenas para um estilo de vida mais fecundo, mas – para a nossa própria sobrevivência no planeta?
Não é preciso muito para ver que a incapacidade de diálogo está na raiz de todos os nossos problemas sociopolíticos, desde brigas de vizinhança e guerras de gangues no centro da cidade até conflitos entre nações e gastos desnecessários com armamentos.
Desejamos ardentemente a paz na Terra, mas já fizemos as pazes com a Terra?
Para considerar a realidade. A atitude da maioria de nossos contemporâneos para com o planeta tem sido exploradora e mercenária.
A maioria de nós acredita que uma tecnologia superior resolve todos os problemas. Nossa ambição é dominar a natureza, usar e abusar de seus dons, desperdiçar o que não temos uso.
Na verdade, estamos longe de um estilo de vida que reutiliza e recicla, que não desperdiça, mas é frugal, que não vive com excessos – quer falemos do nosso ambiente em geral, quer do ecossistema que são os nossos próprios corpos.
Na verdade, temos muito a aprender com os povos indígenas: particularmente como viver com objetivos sustentáveis, como se adaptar a mudanças imprevisíveis e, especialmente, como rejeitar um estilo de vida excessivo e esbanjador.
Todos os anos, a celebração do Dia dos Povos Indígenas nos avisa que pode haver cada vez menos tempo antes que o desastre climático destrua todos nós. Pois são os povos indígenas de nossos respectivos países que podem apontar o caminho para nossa salvação.
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Diante da catástrofe climática, o que podemos aprender com os povos indígenas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU