23 Julho 2021
Mais de 200 migrantes dentro de uma igreja na capital belga estão há aproximadamente 60 dias em uma greve de fome, uma situação que pode colapsar o governo nacional.
A reportagem é de Xavier Le Normand, publicada por La Croix International, 21-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Mais de 200 imigrantes indocumentados que têm feito greve de fome dentro de uma igreja barroca do século XVII no centro de Bruxelas, na Bélgica, desde meados de maio disseram às autoridades belgas que não deixarão as instalações até que recebam autorizações de residência válidas.
“Sem férias até a regularização”, diz a faixa esticada na fachada da Igreja de São João Batista, uma beguinaria.
A mensagem faz alusão às férias (ou recesso) de verão do governo belga, que começam com o feriado nacional de 21 de julho.
A igreja ocupada está localizada a poucos passos de uma rua particularmente movimentada em Bruxelas e parece bastante tranquila.
Mas outra faixa logo acima da porta entreaberta da igreja indica que nem tudo está bem.
“Migrantes indocumentados em greve de fome desde 23 de maio”, diz o documento.
Nos últimos dias, alguns dos que estão lá dentro também estiveram em greve de sede.
Garrafas de água não utilizadas foram colocadas no quadrado, formando as palavras “HELP” e “SOS”.
Dentro da igreja cerca de 200 homens e 40 mulheres estão deitados em colchões em um ambiente marcado pelo silêncio e pela escuridão.
“Alguns estão em greve de fome parcial, outros total”, explica o padre Daniel Alliët, paróco desta igreja.
“Há riscos, se não a morte, pelo menos sequelas para a vida toda”, diz ele.
O padre está há mais de três décadas na São João Batista, período durante o qual viu sua vocação totalmente entrelaçada com a situação dos indocumentados.
“Nos últimos vinte e três anos, houve um total de sete anos de ocupações na igreja e 14 meses de greve de fome”, ressalta.
“O propósito de nossa paróquia é dar voz àqueles que não a têm”, insiste Alliët.
Ele não se incomoda com esses movimentos; pelo contrário.
“Estou aqui porque o Evangelho de hoje está aqui”, diz-nos ele.
Ele também parece convencido de que sua Igreja é “a Igreja dos pobres, como um símbolo do rosto compassivo da Igreja, no coração da Europa”.
Há muito se fala em transformar o edifício barroco em um museu, algo que o padre Alliët também sempre se opôs vigorosamente.
“Isso representa a morte do Cristianismo”, exclama.
O padre não quer dizer a essas pessoas sem voz o que dizer ou como agir.
“Não concordo com a greve de fome”, enfatiza.
“Eu não vou me afastar enquanto este grito de desespero estiver sendo levantado. Embora eu não seja a favor dessa forma de ação, eu entendo”, diz ele.
Nossa conversa é regularmente interrompida pelas sirenes de uma ambulância que vem socorrer uma grevista, um lembrete de que a situação é grave.
Alguns já foram medicados várias vezes.
“Sua condição é crítica atualmente. Cada dia sem solução os aproxima da morte. Esta situação é dramática”, disse o cardeal Jozef de Kesel, arcebispo de Bruxelas-Malines, em uma mensagem de 9 de julho.
Igreja de São João Batista (Foto: Mehdi Kassou, Plateforme Citoyenne de Soutien aux Réfugiés)
Muitos desses migrantes indocumentados estão na Bélgica há vários anos e estão determinados a continuar sua luta pelo reconhecimento legal.
“Para eles, é uma questão de dignidade”, explica o padre Alliët.
“Eles não querem morrer, querem ser reconhecidos”, destaca.
O governo belga tem sido inflexível até este ponto, recusando categoricamente uma regularização maciça e recusando-se a estudar os pedidos de outra forma que não seja caso a caso.
Mas agora a situação pode se transformar em uma crise política.
O vice-primeiro-ministro socialista Pierre-Yves Dermargne alertou na segunda-feira passada que, se um grevista morrer, “os ministros e secretários de Estado socialistas apresentarão sua renúncia dentro de uma hora”.
Esta é uma séria ameaça ao governo belga, que foi cuidadosamente formado em outubro passado, 16 meses após as eleições legislativas. Se os socialistas se retirassem, o governo correria o risco de entrar em colapso.
O primeiro-ministro Alexander De Croo está bem ciente desse risco.
“A última coisa que nosso país precisa agora é uma crise política”, disse ele na segunda-feira.
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Bélgica. Centenas de migrantes fazem greve de fome em igreja de Bruxelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU