Esperança para a(s) Igreja(s): ir ao encontro dos jovens em tempos de dinamismo linguístico

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24 Julho 2021

 

O que era compreensível e fazia sentido no ambiente eclesial durante 750 anos agora é menos compreensível e, portanto, menos adequado. Precisamos reconhecer isso e encontrar aquelas pessoas que podem estar mais bem preparadas e encorajadas para desenvolver a linguagem e as respostas apropriadas para hoje.

O comentário é de Ray Temmerman (católico) e sua esposa Fenella Temmerman (anglicana), membros da Interchurch Families International Network. O artigo foi publicado em La Croix International, 21-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

A Igreja cristã está em um estágio da sua história em que a necessidade de desenvolver, ouvir e aprender com as novas linguagens para falar de mistérios antigos é mais uma vez crucial para a sua missão.

Isso porque a nossa linguagem eclesial e teológica se desenvolveu ao longo dos séculos.

O que era compreensível e fazia sentido no nosso ambiente durante 750 anos agora é menos compreensível e, portanto, menos adequado para essa tarefa. Precisamos reconhecer isso e encontrar aquelas pessoas que podem estar mais bem preparadas e encorajadas para desenvolver a linguagem e as respostas apropriadas para hoje.

Permitam-me dar um exemplo pessoal.

Como filho de imigrantes belgas ao Canadá, o flamengo era a língua falada inicialmente na nossa casa, com o inglês logo atrás.

Em 1970, quando viajei pela primeira vez à Bélgica, descobri que, em um ou dois dias, eu falava com relativa facilidade a língua das cidades de onde meus ancestrais vieram.

De vez em quando, porém, ficava evidente que eu estava usando palavras e compreensões que os meus primos conheciam, mas não usavam mais, pois não eram mais aplicáveis. Eles falavam a língua de hoje; eu falava a língua de 1910, quando meus pais e avós emigraram.

Então, eu estava diante de uma escolha. Eu poderia tentar persuadi-los de que a minha linguagem e compreensão eram as corretas para serem aplicadas à realidade, ou poderia aprender a linguagem e a compreensão deles.

A primeira opção era um exercício acadêmico, para quem se interessa por museus e arquivos. A segunda era uma forma de manter uma conversa em que mentes e corações poderiam ser alimentadas, em que vidas (as deles e a minha) poderiam ser mudadas.

 

A linguagem que usamos para falar sobre a Eucaristia

 

É com isso em mente que nos voltamos agora para a tarefa de falar sobre a Igreja. Embora incluamos outros desenvolvimentos na linguagem, vamos nos concentrar na Eucaristia em particular.

O modo como interpretamos a nossa experiência de comer eucaristicamente é determinada em grande medida pela linguagem que usamos ao falar sobre ela. Também por isso a Eucaristia é um excelente exemplo de como as mudanças na linguagem alteram a forma como interpretamos a sua realidade.

Entendemos que os sacramentos causam aquilo que significam e significam aquilo que causam. Ou, como diz aquela afirmação frequentemente repetida: “A Igreja faz a Eucaristia, e a Eucaristia faz a Igreja”.

Onde a Eucaristia está, portanto, a Igreja também deve estar, tanto fazendo quanto sendo feita por ela. Embora isso pareça autoevidente, devemos também perguntar o que entendemos por “Eucaristia”.

Uma tomada de consciência das mudanças e do desenvolvimento da linguagem e da compreensão ao longo dos séculos pode nos apontar o caminho para uma compreensão futura.

Em latim, falamos de sacramentum et res. O sacramentum, ou mistério, é a ação, o sinal. Entendemos por res o fruto do sacramento, a realidade que ele produz. No entanto, res significa literalmente “coisa”.

É importante lembrar disso. Podemos falar sobre a realidade, mas a realidade está além da capacidade de todas as linguagens para defini-la, encapsulá-la.

 

As Escrituras e o desenvolvimento da compreensão da linguagem

 

Temos novas interpretações da realidade porque novas experiências levam a novas compreensões, em que uma nova linguagem é desenvolvida para falar sobre aquela realidade do modo como é experimentada. As Escrituras nos dão alguns bons exemplos disso.

A palavra bāśār, do hebraico do Antigo Testamento, e a palavra aramaica biśrî, que significam, ambas, “corpo”, eram entendidas em momentos diferentes como corpo e como “eu”.

Da mesma forma, o aramaico dĕmî ou bidmî eram entendidos como sangue, mas também como a própria vida. Similarmente, o grego soma eram entendidos não apenas como corpo, mas também como “eu”.

Quaisquer que sejam as palavras usadas, estávamos lidando com algo além do meramente físico. Corpo e “eu”, sangue e vida eram sinônimos, de alguma forma. Quando o sangue desaparecia do corpo, a vida e, de fato, o “eu” desapareciam. A conexão era óbvia e fácil.

A nossa linguagem e compreensão mudaram. Agora sabemos que, embora o corpo seja necessário para que o “eu” tenha expressão terrena, o “eu” é mais do que o corpo. Sabemos que o sangue, embora necessário para a vida animal, não é a vida em si mesmo.

Como ressalta Bernard Prusak, Jesus usava o termo “corpo” para expressar aquilo que pretendemos expressar quando usamos o termo “eu” ou “pessoa”. A linguagem não apenas se desenvolve, mas o seu entendimento hoje também pode muito bem ser diferente daquilo que era.

Palavras como corpo, sangue, “eu” e pessoa acabam sendo incluídas no termo “eucaristia”. É útil, então, ver como a nossa compreensão e linguagem em torno dele mudaram ao longo do tempo.

 

Palavras para expressar uma realidade

 

Joseph Martos mostrou que o substantivo ευχαριστια não aparece em nenhum lugar do Novo Testamento como o nome de um ritual cristão. Em vez disso, as formas do verbo ευχαριστειν são usadas para expressar a ação de graças, especialmente pelo alimento.

A Eucaristia, nos tempos da Igreja primitiva, era entendida como algo que alguém faz. As pessoas se reuniam não para “receber a Eucaristia”, mas “para a eucaristia”.

Também existe uma dimensão física para expressar isso.

Por exemplo, no Canadá, os bispos escolheram, na liturgia em inglês introduzida em 2011, que permanecêssemos de pé depois da Comunhão.

O resultado é que, em vez de voltarmos para os nossos atos individuais de piedade, indicamos cinestesicamente que estamos envolvidos em uma refeição comum e continuamos esse envolvimento até que todos tenham comido.

Como afirma Gerard Kelly, “não é simplesmente uma questão de acertar os gestos rituais; é antes uma questão de os gestos rituais serem indicativos de uma realidade para além da assembleia litúrgica”.

Isso não significa, de forma alguma, que as pessoas que se reuniam na Igreja primitiva para a eucaristia não acreditassem que receberam Cristo. Em vez disso, receber Cristo presente fazia parte do fruto dado por Deus de “eucaristizar”, de dar graças.

 

O que o latim fez

 

Traduzir a Bíblia para o latim trouxe uma mudança significativa. A palavra Eucaristia foi transliterada, incorporada ao latim como uma palavra emprestada – e tomou a forma de um substantivo, mudando de significado.

A palavra grega significa “ação de graças” e se refere àquilo que os cristãos fazem quando prestam seu culto. Agora, a palavra latina tornava-se nome próprio – “a Eucaristia” – e se referia aos elementos consagrados que eram distribuídos aos fiéis.

Havia ainda um senso de ação, mas a ação agora era relegada à pessoa com poderes presbiterais, e o batizado ficava parado olhando. A Eucaristia tornou-se centrada não no ato de comer, mas na presença real de Cristo naquilo que era comido.

Ainda hoje, tendemos a pensar na Eucaristia na forma de um substantivo. E é um substantivo com letra maiúscula, porque estamos nos referindo a uma pessoa divina, não a uma ação litúrgica.

Isso levou a algumas distorções misteriosas, vividas dolorosamente por muitos casais intereclesiais, que foram unidos por Deus no sacramento do matrimônio.

Tais casais muitas vezes verão que o cônjuge não católico é bem-vindo para participar ativamente no culto por meio da liturgia, incluindo a Oração Eucarística – ou seja, “eucaristizando” –, mas não será bem-vindo para receber “a Eucaristia”.

O segundo substantivo latino transliterado, portanto, tem a precedência sobre o verbo anterior, das Escrituras.

A linguagem sobre a eucaristia/Eucaristia/missa também mudou de outras formas. Desde o princípio, ela era chamada de sacrifício, uma thusia, e comumente associada a uma refeição de confraternização.

 

Tomás de Aquino e os aristotélicos medievais

 

Séculos depois, quando a refeição completa havia evoluído para uma refeição simbólica de pão e vinho, o conceito de sacrifício ainda era aplicado ao culto cristão, mas o significado mudou, e a ênfase havia sido posta no alimento sagrado em vez da refeição.

O grego thusia foi traduzido para o latino sacrificium, literalmente algo tornado sagrado.

Das ofertas a Deus por meio de uma refeição de confraternização, passamos a Cristo como o puro sacrifício. Essa foi a linguagem e a compreensão que os escolásticos da Idade Média herdaram.

Também na Idade Média surgiram questões sobre o que ocorre na Eucaristia. Se recebemos Cristo, devemos nos referir ao que ocorre como substituição, consubstanciação ou (finalmente) transubstanciação?

Tomás de Aquino e os aristotélicos estavam cientes de que algo ocorria na Eucaristia, algo mudava em sua presença, dando-lhes uma experiência da presença real de Cristo, mesmo que eles ainda não tivessem palavras para explicá-lo.

No fim, eles desenvolveram essa linguagem a partir das obras de Aristóteles. E, assim, a transubstanciação tornou-se uma forma adequada (embora não a única) para falar sobre a Eucaristia.

 

Uma linguagem hoje em desuso

 

No entanto, durante mais da metade da sua vida, a Igreja não conhecia a palavra transubstanciação. Aqui, novamente, um desenvolvimento na compreensão levou a um desenvolvimento na linguagem, o que levou, por sua vez, a uma nova forma de interpretar a realidade.

A compreensão de substância e substancial, hoje, pode diferir daquela de Tomás de Aquino. Na compreensão aristotélica, uma substantia era uma coisa em si mesma; hoje, é predominantemente entendida na forma adverbial ou adjetiva.

Por exemplo, este item é substancialmente diferente daquele, ou talvez um item ou corpo de trabalho seja mais substancial do que outro.

Essa linguagem – usada para falar dos sacramentos em geral e da Eucaristia em particular – foi de uso comum e inteligível por cerca de 750 anos, até meados do século XX.

Mas não é mais a linguagem em uso hoje e, em grande medida, não é mais inteligível.

A linguagem de Aristóteles e dos Escolásticos deu lugar a uma linguagem contemporânea que vai desde palavras semelhantes com compreensões e nuances diferentes, até palavras totalmente diferentes que falam sobre experiências das realidades, talvez lançando uma nova luz e uma nova compreensão sobre aqueles rituais e realidades antigos.

É essa nova compreensão que deve ser agora explorada e, em certo sentido, até mesmo desenvolvida.

E é nesse desenvolvimento que os jovens de hoje, e especialmente os filhos de famílias intereclesiais, podem ter algo muito significativo a oferecer, se despendermos tempo e energia para ouvi-los.

 

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