19 Julho 2021
"A revolução energética lançada pela União Europeia necessita de uma verdadeira política externa: os desafios internos e externos terão de ser enfrentados em conjunto para garantir uma transição sustentável no plano econômico e social. Isso requer pragmatismo e criatividade do lado europeu. E flexibilidade para o futuro", escreve Marta Dassù, em artigo publicado por La Repubblica, 16-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O pacote legislativo que a Comissão acaba de apresentar será objeto de uma longa e difícil negociação entre os governos nacionais e com o Parlamento de Estrasburgo. E ao lado da frente interna existe também uma frente internacional.
Para ter sucesso, o Acordo Verde europeu vai exigir muitas condições, a começar pela tentativa de moderar os custos indubitáveis - para uma parte do sistema industrial e para os cidadãos europeus - da revolução energética. Em suma, a aposta verde da Europa não será gratuita e não será indolor. Não é por acaso que o pacote legislativo recém-apresentado pela Comissão Europeia ("Fit for 55") prevê um novo Fundo Social para o Clima. E será, de qualquer forma, objeto de uma longa e difícil negociação entre os governos nacionais e com o Parlamento de Estrasburgo. Ao lado da frente interna, existe uma frente internacional. A transição energética da Europa, que se empenhou em reduzir as emissões poluentes em 55% até 2030, deve ser acompanhada por uma ação de política externa, por uma verdadeira geopolítica do clima.
Por dois motivos, ambos bastante simples de compreender: por um lado, as escolhas da Europa, que ainda é um dos maiores importadores mundiais de combustíveis fósseis, terão um impacto relevante nos mercados energéticos, com implicações diretas para as relações entre a Europa e os principais países produtores; por outro lado, a União Europeia, que atualmente produz menos de 10% das emissões globais de CO2, certamente não pode pensar em se tornar líder mundial no tema de sustentabilidade em total autonomia e somente graças ao seu exemplo virtuoso. Ter como objetivo estabelecer padrões internacionais é uma excelente estratégia, ser o primeiro a agir também; mas também é imprescindível - para que a aposta ambiental seja ganha - que os demais atores principais, por sua vez, adotem políticas semelhantes. Não é possível ser um líder global sem ter seguidores, ou pelo menos parceiros dispostos.
Em suma, e por definição no caso do clima, existe uma ligação decisiva entre a dimensão interna europeia e a projeção internacional da UE. Esta intersecção é evidenciada, aliás, por uma das ferramentas previstas pelo pacote "Fit for 55", o imposto sobre o carbono na fronteira: uma escolha que visa compensar os custos ambientais das empresas europeias, mas que terá naturalmente impacto sobre nossos parceiros comerciais. Traduzindo a lógica do chamado "mecanismo de ajustamento" em termos simples, a UE pretende introduzir uma forma de imposto (sobre o conteúdo de carbono dos produtos importados) para proteger os seus produtores de inevitáveis desvantagens competitivas; ao fazê-lo, porém, corre o risco de criar um obstáculo ao comércio global, eventualmente desencadeando pressões protecionistas.
Para gerir essas e outras implicações externas da sua transição energética, a Europa deve pensar em chave geopolítica, em quatro frentes em particular.
A primeira, inevitável, é a busca de um acordo com os Estados Unidos, como condição para dar credibilidade à ambição europeia de definir novos padrões ambientais globais. Com a administração Biden, as premissas estão bem melhores do que antes. Mas John Kerry, o enviado especial do presidente dos Estados Unidos para o clima, até agora expressou sua perplexidade com o "border tax", afirmando que quer ter certeza de que os possíveis riscos sejam inferiores às vantagens.
A segunda frente é a Rússia: partimos de uma situação de forte “interdependência” do gás russo, especialmente para Alemanha e Itália entre as principais economias europeias, e na realidade até 2030 a situação não mudará muito em termos de suprimentos e necessidades. O gás natural ainda será uma das fontes de transição energética, como explica Roberto Cingolani em entrevista à Aspenia. Mas o futuro não será fácil para a Rússia e os outros estados "rentistas", com economias quase inteiramente confiadas à produção de petróleo e gás. E a geografia certamente não mudará como resultado da transição verde. Um vizinho russo privado de sua maior fonte de sustento (e poder) precisará ser gerido com uma atenção especial.
Em terceiro lugar, há um lado mediterrâneo e africano para as políticas de sustentabilidade. A Europa e a África são potencialmente complementares em muitos setores-chave: seria lógico fazer um esforço real do lado europeu, que por agora é difícil de ver, para desenvolver as energias renováveis do outro lado do Mediterrâneo.
A quarta frente, mas certamente não em ordem de importância, diz respeito à China, que agora é de longe o maior produtor mundial de emissões poluentes. Como é evidente, envolver ativamente a China (e a Índia, o terceiro maior produtor mundial de emissões) nas políticas ambientais é indispensável.
A China também tem muito a ver com a nova dimensão da segurança energética do continente: o fornecimento daqueles raros minerais e metais que são decisivos para a produção de energias renováveis. Em outras palavras, se a transição energética se tornar, como está acontecendo em parte, um puro elemento de competição econômica, tecnológica e geopolítica, o desafio ambiental estará perdido. Veremos com o G20 presidido pela Itália e com a COP26 do outono europeu, que promete não ser fácil, o quanto será possível manter aberto um canal de cooperação global.
Em conclusão, a revolução energética lançada pela União Europeia necessita de uma verdadeira política externa: os desafios internos e externos terão de ser enfrentados em conjunto para garantir uma transição sustentável no plano econômico e social. Isso requer pragmatismo e criatividade do lado europeu. E flexibilidade para o futuro: basta pensar que, de acordo com as previsões da Agência Internacional de Energia, uma parte preponderante das tecnologias que usaremos para a meta de 2050 (data em que a Europa se comprometeu a atingir a neutralidade climática) ainda não é conhecida.
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Acordo Verde, a revolução energética da Europa não será indolor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU