Mudanças maiores são necessárias para a existência da prática e pensamento eclesial se a sinodalidade se tornar uma realidade para toda a Igreja.
O artigo é de John O'Loughlin Kennedy, economista aposentado com estudos de pós-graduação na Universidade da Califórnia (UCLA). Ele e sua esposa, Kay, fundaram a Concern Worldwide em 1968, que atualmente emprega 3.800 pessoas em projetos de assistência humanitária e desenvolvimento médico, educacional e econômico em 28 dos países mais pobres do mundo, publicado por La Croix International, 23-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Se há unanimidade sobre alguma coisa na nossa Igreja dividida, é que é necessário mudar para conter a decadência das congregações e a propagação dos famintos sacramentais.
Nós estamos profundamente divididos, embora, uma direção de mudança deva ser tomada.
Seria voltar a um passado idílico ou avançar para um futuro desconhecido? Nós deveríamos ficar sobre terra firme ou lançar-se para as profundezas?
John Henry Newman ofereceu uma solução espiritual para o dilema no seu popular poema, oração e hino, “Conduz-me, doce luz”:
Conduz-me, doce luz...
Protege meus passos, não te peço para ver
a longa distância: apenas um passo por vez
para mim já é mais que suficiente
O poeta santo foi, é claro, preparado para implementar o que ele discerniu como impressões do Espírito, independente dos custos. Ele estava preparado para confiar implicitamente na promessa de Cristo de estar conosco. Ele também tinha grande confiança no julgamento dos fiéis.
Desde então, o Concílio Vaticano II e a Comissão Teológica Internacional confirmaram que a promessa de Cristo foi dirigida ao Povo de Deus e que isso cria um sentido sobrenatural de fé e moral (o sensus fidei fidelium) entre todos os fiéis quando eles concordam “desde os bispos até os últimos fiéis leigos”.
Qualquer nível de infalibilidade que a promessa implique, ela se relaciona em primeiro lugar com os seguidores de Cristo, o Povo de Deus como um corpo, o Corpo Místico de Cristo.
Quaisquer sejam suas limitações ou extensão da escala de tempo, a promessa de Cristo não foi condicionada a uma estrutura particular da Igreja. Estava operando antes que houvesse qualquer estrutura definida.
Isso se aplicaria tanto a uma Igreja com algumas características democráticas quanto à monárquica, que na realidade é uma oligarquia que se autoperpetua.
Na prática, a oligarquia, estando sujeita ao pensamento de grupo e sofrendo o efeito corruptor de um poder extenso, pode ser mais lenta para responder ao impulso do Espírito do que o Povo de Deus se deixado à sua própria sorte.
Obviamente, o Papa Francisco não concorda com a teoria de que os dons da graça e da orientação de Deus para sua Igreja fluem exclusivamente por meio da alta administração.
O Papa deseja que a Igreja seja uma Igreja sinodal, caracterizada por uma discussão aberta e contínua e um “processo de escuta conduzido em todos os níveis da vida da Igreja”.
Ele nos lembra que a palavra “sínodo” vem originalmente do grego e significa caminhar juntos. Esta é uma metáfora para conversarmos e para o grande valor do que podemos aprender uns com os outros na peregrinação da vida.
“O Senhor nos pede uma abertura renovada”, disse Francisco em uma homilia na Basílica de São Pedro, na véspera da assembleia do Sínodo dos Bispos de 2014 sobre a família.
“Ele nos pede que não fechemos o diálogo e o encontro, mas que recolham tudo o que é válido e positivo, mesmo por aqueles que pensam diferente de nós e assumem posições diferentes”, acrescentou.
A dar o exemplo e a começar pelo topo, Francisco escolheu a “sinodalidade” como tema da próxima reunião do Sínodo dos Bispos.
Recentemente, ele adiou por um ano – até outubro de 2023 – para facilitar um melhor diálogo entre os bispos e o restante dos fiéis.
Francisco também pediu a todos os bispos em suas conferências nacionais e regionais para desenvolverem a sinodalidade em “todos os níveis” como uma característica normal que permeia a vida católica.
Isso incluiria necessariamente o baixo clero e os leigos em “todos os níveis” e impediria a filtragem que exclui as pessoas que têm clamado por mudanças ou aqueles que se afastaram da Igreja, desesperados com o egoísmo institucional, os acobertamentos, a misoginia e a obsessão com o poder no centro.
É óbvio que há resistência na Cúria Romana à liberdade de expressão que o papa visualiza. Nenhum regime autoritário pode tolerar a liberdade de expressão.
Francisco está claramente pronto para arriscar abrir discussão sobre a guia do Espírito Santo, mas seria contra a natureza da burocracia assim fazer.
A genuína sinodalidade não pode coexistir com clamores exagerados à infalibilidade. Também está fadada a entrar em conflito com a plenitudo potestatis e a jurisdição universal que foi atribuída ao Bispo de Roma no Vaticano I e é exercida pela Cúria.
Se o apelo do papa por sínodos que genuinamente escutam as pessoas com ideias diferentes ganhar força, isso enfraqueceria o rígido controle da Cúria sobre o que os bispos podem fazer e dizer.
Isso já colocou os bispos em uma posição ingrata; tentando descobrir como responder a um papa reformista que é mortal sem entrar nos livros maus com o governo efetivo da Igreja, que é permanente e cujo ethos é autoperpetuado.
Os bispos missionários dependem financeiramente da Cúria. Os bispos em geral dependem da cúria para todos os tipos de permissões, derrogações, dispensas e, para os ambiciosos, para suas chances de posterior preferência. Eles sabem que a cúria pode tornar a vida impossível para eles se não seguirem os limites.
O status quo atual não está dando bons frutos e deve mudar.
Os fiéis devem ser consultados em particular sobre os problemas de longo prazo que se revelaram além das capacidades da atual administração.
Membros dos muitos grupos de reforma que têm feito campanha por mudanças devem ser convidados a participar, em vez de serem deixados protestando com seus cartazes do lado de fora dos portões.
Com sua maior liberdade para pensar de forma criativa, eles podem ser capazes de ver as soluções que estão além da visão das autoridades.
Não pode haver progresso sem algum desafio à mentalidade estabelecida. O discernimento do coletivo surge da discordância do coletivo.
Similarmente, alinhado à citação do Papa Francisco, se os sínodos devem abranger todos os níveis, eles devem incluir a plena participação de cristãos não católicos que fazem parte do mesmo Corpo Místico e que esperam pela unidade.
É apenas no nível visível e organizacional que a Igreja de Cristo está dividida, e as divisões são em questões disciplinares e de ensino secundário. A solução é o diálogo “em todos os níveis”.
Estamos na mesma busca pela verdade sob a orientação do mesmo Espírito e a promessa de Cristo foi feita a todos os que seriam seus discípulos – definida por ele mesmo apenas em termos de amor aos outros e não por fidelidade doutrinária.
À medida que caminhamos e falamos em nosso caminho de peregrinação, todo cristão deve ser humilde o suficiente para aceitar que pode ter algo a aprender com a experiência de outros.
Dizem que a Igreja Católica está “irrevogavelmente comprometida” com o ecumenismo. Se continuarmos a pesquisar e discernir apenas entre nós, no entanto, e excluir outros cristãos da conversa, apenas garantiremos que nossas divisões só aumentarão com o passar do tempo.
A burocracia exige que os bispos garantam que nada muito crítico, criativo ou embaraçoso receba uma divulgação significativa nos sínodos diocesanos e regionais.
Isso é feito garantindo que a maioria dos participantes sejam clérigos que já estão vinculados por juramentos de fidelidade ao establishment e influenciando os bispos a escolherem nomeadamente leigos seguros e previsíveis.
A lei canônica limita os leigos e participantes religiosos não-ordenados a um terço do total, garantindo assim que os votos consultivos tenham uma maioria segura.
Os participantes do Sínodo são obrigados a comparecer e ainda a fazer uma profissão de fé e um juramento detalhado de fidelidade como o preço da participação contínua (Can. 833). Na medida em que o juramento não é feito livremente, pode ser invalidado e, portanto, não vinculativo (ver Can. 1200-01).
Além disso, o processo de criação de uma agenda administrável a partir de um grande número de sugestões deixa amplo espaço para sanear a discussão desde o estágio inicial. O controle da agenda condiciona o resultado.
No próximo artigo desta série, veremos como essas situações teóricas estão funcionando na prática em vários países, com uma iniciativa surpresa da Grã-Bretanha.