10 Junho 2021
Estamos nas mãos de Deus, inclusive os ateus, escreve (e diz) o professor Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena e autor, justamente, de Nelle mani di Dio, la super-religione del mondo che verrà (Nas mãos de Deus, a super-religião do mundo que virá, em tradução livre). Um livro, publicado pela editora Il Mulino, repleto de referências históricas e notas bibliográficas – algo bom e sábio mesmo nos textos para o grande público - que entrelaça Wojtyla e comunismo, Thatcher e liberalismo, Khomeini e a revolução islâmica, ainda que, enquanto isso, os tempos "e as religiões" tenham mudado muito.
A entrevista entrevista com Marco Ventura é de Massimiliano Nerozzi, publicada por Corriere Torino, 09-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nelle mani di Dio, la super-religione
del mondo che verrà, Marco Ventura – pp. 192
Preço: Euros 15 - Editora: Il Mulino
Professor Ventura, estamos nas mãos de Deus?
Um pouco sim e um pouco não, aliás a parte final do livro é dedicada ao Deus imprevisível. O título também poderia ter um ponto de interrogação: mas o que importava era o tema da sobrevivência de Deus. Hoje muitas pessoas não acreditam.
E ainda assim, você fala de 85% da população mundial como sendo crente.
Digo que se reconhece numa religião e depende dos contextos: por exemplo, confessar que você não é muçulmano no Paquistão não é aconselhável. Para muitos é uma questão de família e cultura: acreditar é outra coisa.
Você é uma pessoa crente?
Todos vocês me fazem a mesma pergunta. Por quê?
É normal, dado o tema.
Eu sou um católico romano batizado, como muitos outros. Falando mais sobre minhas trajetórias, entraria em algo pessoal.
Existe uma super religião?
Eu penso que sim. E pode-se observar isso naquele estar juntos das religiões, aquele convergir de forma mais ou menos pacífica, para responder a desafios que ninguém pode enfrentar sozinho. Qual líder religioso pode dizer: ‘nós cuidaremos disso’?.
E então?
Diante de grandes desafios, como o do meio ambiente, nem os cristãos nem os muçulmanos podem fazer isso sozinhos.
O livro deixa a suspeita de que o princípio (liberal) de separação entre Igreja e Estado tenha desmoronado: é isso mesmo?
Eu tenho essa sensação. É verdade que em alguns países, penso na França, essa retórica continua a ser importante, mas sobretudo aí se deve enfrentar uma realidade mais contraditória e complicada. Depois disso, as conquistas permanecem: para um piemontês do século XIX, ver um padre julgado por um tribunal civil era um fato clamoroso.
O fim da separação não tem gosto de derrota?
No entanto, existe igualdade, liberdade, nenhuma escolha religiosa é imposta às pessoas. E há um aspecto de novidade que não deve ser subestimado: a Igreja Católica se percebe mais frágil, ao contrário do que era nos anos 1970, por exemplo. O mundo mudou: para nós, permanece a ideia de uma minoria quando pensamos num muçulmano, às novas gerações, gera uma impressão de poder.
Você menciona a tatuagem de um soldado dos EUA da batalha de Bengasi em 2012, com São Miguel contra Satanás, de Rafael, e a inscrição: ‘Não desejo que os cruzados voltem, mas às vezes sinto que eles deveriam voltar’. Não é realmente uma mensagem de paz.
Este é um livro que também conta que muitas coisas nós não as falamos, para não colocar os outros em perigo, mas que existem grandes questões das quais temos que tomar consciência. Disso a pergunta: o que fazemos com o uso legítimo da força no novo mundo?
Daniel Dennett (em Quebrando o encanto) defende que a fé é um resultado da evolução darwiniana: o que você acha?
Parece-me que o ponto mais interessante seja a sobrevivência dos fiéis, depois que a cultura ocidental, entre a psicologia e a psicanálise, fez uma leitura da religião como um humaníssimo produto necessário. No entanto, ainda existem formas de prática religiosa. Esse é o grande mistério e uma espécie de laboratório.
Mais fora da Europa.
Basta pensar na China, onde em uma cultura oficial condicionada pelo materialismo marxista e, portanto, próxima da negação de Deus, a religião sobrevive.
Por que um ateu deveria se interessar por essas coisas?
Quando as mesas de discussão são organizadas entre as religiões, aquelas ateias querem participar, sempre. Diante da complexidade global, a distinção entre crentes e não crentes encontra dificuldade. O mesmo é verdade para aqueles que reivindicam uma convicção racional. O problema surge quando alguém acaba na prisão, o muçulmano apóstata, o cristão, o budista: quando se dá isso, o mesmo pode acontecer com o ateu. E, nesse sentido, estamos nas mãos de Deus.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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“Nas mãos de Deus” (inclusive os ateus). Entrevista com Marco Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU