A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do Domingo da Santíssima Trindade, que corresponde ao texto de Mateus 28,16-20.
“...batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19)
“Não há dois sem três”, diz a sabedoria popular; toda a realidade humana tem um componente trinitário. Do amor de um homem e uma mulher brota um terceiro ser humano, o filho. Da união de dois ângulos surge o triângulo. Do negócio de dois empreendedores nasce uma expressa. Da relação entre o artista e a matéria (palavra, cor, som, barro ou mármore) aparece a obra de arte. A “trindade visível” e cotidiana é parte da estrutura da vida.
Mas, e a “Trindade invisível”? Falamos do “mistério da Santíssima Trindade”. Ninguém viu e ninguém sabe como é Deus. Ele não cabe em nossa cabeça, em nossos conceitos; por isso dizemos que é um “mistério”.
A Trindade é Mistério para nós na medida em que nunca conseguiremos compreendê-lo e apreendê-lo pela razão. É o desconhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais, e, ao mesmo tempo, desperta o assombro e a reverência. A Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro.
O Mistério da Trindade sempre está aí (vivemos submergidos n’Ele), permanentemente nos esbarramos n’Ele (dentro de nós e na realidade) e buscamos conhecê-lo; mas ao tentar conhecê-lo percebemos que nossa sede e fome de conhecer nunca se sacia. Por isso, diante da presença do Mistério Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação. “O ser humano que não tem os olhos abertos ao Mistério passará pela vida sem nunca ver nada” (Einsten)
Que diz o Evangelho a respeito da Trindade? De maneira muito simples nos revela que o Pai amou tanto o mundo que enviou seu Filho para que, através do amor, pelo envio do Espírito, nós alcançássemos a vida em plenitude; esta consiste em deixar transparecer em nossas relações o mesmo Amor trinitário, expansivo, aberto, acolhedor e integrador de tudo e de todos; só esse Amor é força capaz de nos transformar e, desta maneira, transformar o nosso mundo.
S. Paulo expressa essa realidade na saudação presente no início de toda celebração eucarística: “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam sempre convosco (2Cor. 13,13).
A Trindade é, antes de tudo, amor recíproco entre as três Pessoas. Os antigos padres da Igreja entendiam o mistério da Trindade não de uma forma estática como nós, cristãos ocidentais, mas de uma forma ativa, como uma dança. E eles fizeram uso de um termo inspirador para descrever esta Dança Trinitária: “perichoresis”. A principal característica é a reciprocidade no dançar: um dança ao redor do outro, o outro dança ao redor do primeiro, em um constante e recíproco circundar-se. A imagem da dança expressa bem a contínua interação recíproca que caracteriza o dinamismo intra-trinitário.
O termo “perichoresis” foi fixado pela primeira vez na igreja antiga pelos Padres Capadócios (Basílio, Gregória de Nissa e Gregório Nazianzeno). Trata-se de um termo grego construído com duas palavras: uma é “peri” (ao redor) e outra “chôreô” (dançar) e significa “intercambiar lugares”, “dançar em torno”. Isso significa que Deus não é só “diálogo” (comunicação verbal, palavra compartilhada), mas comunhão e comunicação total: cada pessoa existe somente na medida em que “dança” (avança) para a outra, ocupando seu lugar e habitando nela.
“Pericorese” descreve as inter-relações das pessoas da Trindade. Em tudo o que a Trindade é e faz, cada uma das Pessoas se relaciona e se envolve com cada uma das outras Pessoas divinas. Como uma dança eterna, a “coreografia” do nosso Deus é singular em sua diversidade e em sua unidade. É a dança do Deus-Amor. Em outras palavras, a Trindade é uma dança divina de três pessoas que se amam umas às outras e se acolhem de maneira tão plena que cada uma delas se torna “uma” com as outras.
Portanto, o mais profundo da reflexão teológica sobre o mistério da Trindade é a experiência de uma dança, imagem confirmada pelos grandes teólogos e místicos cristãos, os dançantes de Deus. Para eles, uma bela maneira de entender a salvação é sermos convidados a entrar nessa dança, no belo movimento coreográfico da grande Dança da Vida. A participação na dança divina da Trindade é o coração da vida cristã.
Dançamos juntos enquanto deixamos Deus nos tomar pela mão, nos conduzir pelo seu Espírito para ir ao encontro do seu Filho. A grande dignidade do ser humano está aqui: estamos no centro do “círculo dançante de Deus”. Fazemos parte da “dança” do Deus Trindade.
Deus dança e existe dançando, em movimento de amor que é princípio de todas as coisas. Imagem pro-vocativa: “pericorese” não revela só uma dança entre as três pessoas divinas. A Trindade “dança” na Criação, gerando um grande movimento de vida; em outras palavras, a Criação é o grande palco da dança das Pessoas divinas. Mais ainda, nosso interior também é cenário onde a Trindade dança, ativando e mobilizando nossas energias e forças mais criativas e que se manifestam como amor e cuidado na relação com os outros e com todas as criaturas. Amar é entrar no ritmo da dança trinitária.
Segundo isso, a “pericorese” é uma forma de entender o convite que Deus oferece à humanidade, para que os homens e mulheres entrem na dança do Amor íntimo da Trindade, dirigindo-se uns aos outros em amor, de maneira que todos se despertem para esta interconexão fundamental de uns com os outros.
Certamente, Deus nos convida continuamente a participar nesta dança divina; mas, muitas vezes, não sabemos se queremos ou não queremos “aceitar a mão” de Deus para dançar com Ele.
A dança é um símbolo instigante para falar de Deus, um símbolo também usado de maneiras diferentes em outras tradições religiosas; nelas existe uma maneira de expressar a fé como convite para “dançar com Deus”.
As comunidades judaicas festejam o Dia do Perdão, o Ano Novo, a Festa das Tendas e a Festa da Alegria da Lei. Nesse dia, em Israel, os rabinos saem pelas ruas, tendo nas mãos os pergaminhos sagrados e dançando com fervor. Toda a comunidade canta, bate palmas e dança em roda, até experimentar a união íntima com Deus. Também os muçulmanos têm movimentos que buscam a comunhão com Alá através da dança. As comunidades do candomblé, em cada festa, dançam sem parar.
Uma das imagens que também podem nos ajudar é a visão que teve S. Inácio de Loyola (estamos celebrando o Ano Inaciano) que era muito devoto da Trindade. Ele viu como três teclas de um piano. Três teclas distintas que, tocadas ao mesmo tempo, produzem um só acorde.
Logo do Ano Inaciano.
Este “som” é o que nos interessa para viver: o Amor. Se Deus é Deus, Ele “abraça e abrasa” tudo, também a dimensão comunitária. Quando somos solidários, compassivos, amorosos... revela-se o rosto da Trindade. “Só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.
Para meditar na oração:
No interior de cada um, a Trindade está atuando, está convidando a que ponha em movimento toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.
- Como você deixa transparecer no seu cotidiano o amor fontal da Trindade?