25 Mai 2021
Jozsef Palinkas (Academia de Ciências): "Só a crise pode acordá-lo. Ou talvez saber que faremos dívidas com a China por sua mega-universidade em Budapeste".
Sistema midiático, econômico, jurídico, político e cultural: Viktor Orban e seu partido Fidesz na Hungria hoje controlam tudo. Georgely Karacsony, prefeito de Budapeste, vai concorrer contra o primeiro-ministro nas eleições do próximo ano, mas até agora a oposição do país não conseguiu impedir nem mesmo a última emenda sobre as universidades húngaras. Com a nova legislação aprovada em tempo recorde, não serão mais instituições estatais, mas serão geridas por fundações lideradas por homens "de visão nacionalista" e leais ao partido. O ex-membro do Fidesz, Jozsef Palinkas, professor de Física e presidente da Academia Húngara de Ciências, ocupou a cadeira mais alta do Ministério da Educação no governo de Orban, mas a abandonou ao perceber que "o poder que pretendem exercer é sem controle".
A entrevista é de Michela A.G. Iaccarino, publicada por Huffington Post, 24-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A Hungria está em apuros". Professor Palinkas, é verdade o que disse Karacsony, quem vai concorrer contra o premiê nas próximas eleições?
Totalmente verdadeiro. Sou próximo de seu movimento, mesmo sabendo que depois de mais de uma década de controle da sociedade, há poucas chances de vencer. A Hungria está em apuros em muitos sentidos, uma apatia semelhante entre a população não era vista desde o início dos anos 1980, quando o país era governado por quadros do regime soviético.
Professor, o que está acontecendo com as universidades húngaras?
Sob uma lei aprovada sem consulta durante a pandemia, as universidades húngaras sofrerão por um processo anômalo de privatização e serão controladas por fundações, por sua vez geridas por conselhos com membros nomeados em regime vitalício. Em inglês são chamados de board, em húngaro curatorium. Eles terão controle sobre a propriedade dos prédios e das estruturas junto com todos os equipamentos, mesmo que o estado continue a financiar as universidades. As universidades húngaras são atores econômicos muito importantes na sociedade: algumas recebem verbas que ultrapassam aquelas de cidades inteiras. Muitos expressaram preocupação com o fim da autonomia de pesquisa, ensino e procedimentos de alocação de recursos. Agora não será eleito um reitor, mas o curatorium o indicará, alguém fiel ao governo. É um sistema que acaba favorecendo aliados, simpatizantes ou simples especuladores e que elimina qualquer um que não aceite a ideologia do Fidesz.
Quais serão as consequências mais graves para a pesquisa e o ensino?
Não temo pelas matérias científicas, como matemática, física ou química, mas a biologia já está no limite. Certamente visam o controle ideológico das humanidades: na Hungria há uma histeria coletiva em torno dos chamados "estudos de gênero", que no país são associados ao movimento LGBT e se tornaram um tema proibido.
A Central European University foi fechada e uma universidade chinesa será aberta.
É política. Este não é mais um país com um sistema legal estável: para fechar a Central European University da Open Society de George Soros, o regulamento do sistema universitário foi alterado. Em vez disso, a enorme universidade chinesa - um mastodonte de meio milhão de metros quadrados - que será a maior da Hungria, será construída com um bilhão e meio de euros emprestados de bancos chineses. Estaremos em dívida com Pequim e o único sentido que acredito que tenha essa universidade é ser um baluarte chinês em Budapeste.
E, portanto, na Europa.
A União Europeia pode ajudar a mudar a situação ou influenciá-la, mas não irá interferir na política interna: de toda forma, não dispõe dos instrumentos adequados para o fazer. Poderia fazer sua voz pesar nas batalhas legais, levar Budapeste ao Tribunal Europeu ou ameaçar doar fundos apenas se houver respeito pelos direitos humanos e pelas normas de lei, que atualmente são uma piada: na Hungria não há mais divisão de poderes. A situação em que a nação se encontra hoje, porém, é um problema da população húngara.
Que realmente não se rebela.
As pessoas hoje não são ameaçadas em seu dia a dia, mas sabem que se levantarem a voz serão, por exemplo, demitidas ou que sua vida será dificultada. De qualquer forma, não circula nenhum sentimento revolucionário. Só uma coisa pode despertá-los: a péssima situação econômica, que se não mudar, se tornará um impulso para o processo de mudança. Os meios de comunicação são controlados pelo Estado, nas áreas rurais que constituem grande parte do país, as pessoas nas aldeias, por exemplo, não sabem da nova legislação universitária ou de que vai abrir uma universidade chinesa, mas uma coisa pode interessá-las.
Qual?
Deveriam ser informados de que será construída com dinheiro que teremos de devolver aos chineses e então se oporiam.
Você passou toda a sua vida em salas de aula universitárias, mas por um tempo, você esteve entre os mais altos cargos do poder: abandonou o partido no poder depois de servir como Ministro da Educação.
No início, o Fidesz era um partido conservador, agora se tornou autoritário. A transformação ocorreu com um processo lento, iniciado logo após 2002, quando o Fidesz perdeu as eleições. Hoje não deixa espaço para a democracia e visa o controle incondicional da sociedade. Querem um poder sem controle e o querem sobre tudo, agora até mesmo sobre as universidades.
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Hungria. “Orban também invade as universidades, mas o povo está envolto em uma apatia soviética” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU