"No início do período da Reforma, os conflitos entre Lutero e o papa ocorreram principalmente em solo alemão. Eles influenciam o clima ecumênico da Alemanha até os nossos dias. Para isso, pedimos à Conferência Episcopal alemã, em acordo com o Comitê Central dos Católicos Alemães, bem como o Conselho e o Sínodo da Igreja Protestante na Alemanha, uma declaração pública conjunta de arrependimento pelos eventos do passado".
O pedido é feito em carta escrita pelo pastor Hans-Georg Link (Colônia) e pelo professor Joseph Wohlmut (Bonn), em nome do Grupo Ecumênico de Altenberg. O texto foi publicado em 31-05-2020 e reproduzido por Settimana News, 17-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na onda do 500º aniversário da Reforma Protestante em 2017 e por ocasião da memória da excomunhão de Lutero, o Grupo de Confronto Ecumênico alemão de Altenberg, fundado em Colônia em 1999, pediu às autoridades católicas e luteranas que retirassem as sentenças recíprocas impostas em século XVI. O grupo, que reúne cerca de trinta teólogos, publicou simultaneamente um livro que justifica e esclarece a declaração (In Alle Ewigkeit Verdammt? Zur Konflikt zwischen Luther und Papst nach 500 Jahren, Vandenhoeck & Ruprecht, Grünewald, 2020). Se o contexto sanitário não permitiu as celebrações programadas, a questão permanece viva neste "ano do ecumenismo" na Alemanha (nossa tradução para o italiano de: Istina, n. 1, 2021, pp. 61-64) .
Uma reconciliação após 500 anos. Peroração pela anulação da bula de excomunhão do Papa Leão X contra Martinho Lutero e todos os seus discípulos e pela retirada do veredicto da Reforma contra o papa indicado como "Anticristo".
Papa Francisco, em Lund, na comemoração dos 500 anos da Reforma Luterana (Foto: Paul Haring | CNS)
A trágica história que tornou Martinho Lutero e o Papa Leão X adversários irredutíveis ainda requer nossa atenção 500 anos depois. A bula papal de 15 de junho de 1520 ameaçando Lutero e seus discípulos de excomunhão foi seguida por uma bula de excomunhão em 13 de fevereiro com data de 3 de janeiro de 1521.
A dieta de Worms, que havia recebido a bula de excomunhão do legado papal Girolamo Aleandro, em 13 de fevereiro, e o comparecimento de Martinho Lutero em 18 de abril de 1521, na presença de Carlos V, produziram o édito de Worms que privava Martinho Lutero e seus discípulos de todos os seus direitos. O inextricável conflito causou sucessivamente a deriva que conhecemos.
Agradecemos a Deus que os esforços ecumênicos realizados nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, por meio dos diálogos católico-luteranos, contribuíram decisivamente para a recompreensão dos acontecimentos daquela época com uma nova luz. Os numerosos esforços sob o projeto "As condenações doutrinárias ainda dividem as igrejas?" culminaram com o consenso sobre a doutrina da justificação em Augsburg em 1999.
Coerentemente, por ocasião da memória da publicação da bula de excomunhão de 500 anos atrás, em 3 de janeiro de 1521, parece-nos que é chegado o momento de proceder a uma nova avaliação da censura eclesiástica imposta na época, que interessava não apenas ao reformador Martinho Lutero, mas também a todos os seus discípulos. Pedido que inclui não apenas a condenação do papa contra Martinho Lutero, mas também a condenação de Lutero contra o papa, indicado como o "Anticristo".
A nossa proposta para o 500º aniversário inspira-se no importante acontecimento de 7 de dezembro de 1965, quando - no penúltimo dia do Concílio Vaticano II - foi lida uma declaração na sala do concílio na presença de Paulo VI e ao mesmo tempo do Fanar de Constantinopla na presença do Patriarca Atenágoras I. Aqui está o texto: “É impossível não reconhecer o que estes eventos comportaram nesse período particularmente turbulento da história. Mas hoje atuou-se um juízo mais sereno e equilibrado sobre eles ”. Assim, o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I declararam que estavam retirando as "censuras de excomunhão" mutuamente impostas em 1054, "apagando-as da memória e do seio da Igreja para as fazer cair no esquecimento".
Estamos cientes de que os dois representantes eclesiais, Papa Paulo VI e Patriarca Atenágoras I, se encontraram entre iguais, enquanto em 1521 o pontífice romano, a mais alta autoridade da Igreja, e o monge Martinho Lutero e seus discípulos desenvolveram sua mútua exclusão por meio de argumentos teológicos. Os 41 artigos da bula de excomunhão mostram que, na época, as divergências iniciais do conflito entre Roma e Wittenberg tiveram consequências cada vez mais graves. Martinho Lutero, em seus Artigos de Esmalcalda em 1537, repetiu a acusação, já formulada em 1520, segundo a qual o Anticristo havia se sentado no trono papal e que a Igreja Romana havia caído na idolatria.
Mas durante os diálogos ecumênicos após o Concílio Vaticano II, tornou-se cada vez mais evidente que essas acusações não podem mais ser confirmadas pelo lado luterano. O resultado dos diálogos é que Martinho Lutero, acusado na época de heresia, pode ser melhor entendido como "testemunha de Jesus Cristo", como reconheceu a declaração da Comissão mista luterano-católica (1983).
Além disso, a Declaração Conjunta de 1999 sobre a Doutrina da Justificação (DCJ) elaborou a mensagem da redenção em Jesus Cristo como base da fé que une intimamente não apenas luteranos e católicos, mas também as comunhões mundiais dos metodistas, dos reformados e dos anglicanos. Quanto às respectivas condenações doutrinais do século XVI, naquele contexto foi declarado no n. 41 que, na medida em que tratam da doutrina da justificação, aparecem sob uma nova luz: “o ensinamento das Igrejas luteranas apresentado nesta Declaração não cai sob as condenações do Concílio de Trento. As condenações das Confissões Luteranas não atingem o ensinamento da Igreja Católica romana conforme é apresentado nessa Declaração”.
O grupo ecumênico de Altenberg propõe as três etapas seguintes:
1) Considerando os desenvolvimentos encorajadores e na perspectiva do 500º aniversário da excomunhão de Martinho Lutero, em 3 de janeiro de 2021 pedimos ao atual bispo de Roma, o Papa Francisco, após ter consultado o Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, que declare que as condenações da bula de excomunhão de 1521 não se aplicam aos atuais membros das Igrejas Protestantes Luteranas.
Ligamos este pedido ao Memorando de Worms de 6 de março de 1971, que pede ao papa que anuncie um "esclarecimento sobre a pessoa e o ensinamento de Martinho Lutero do ponto de vista católico atual no interesse de um aprofundamento do trabalho ecumênico". O que não foi possível há 50 anos pode ser implementado no decorrer do Ano do Ecumenismo 2021.
Ao mesmo tempo, pedimos ao presidente da Federação Luterana Mundial, Arcebispo D'Musa Panti Filibus da Nigéria, bem como ao comitê executivo da Federação Luterana Mundial, que declare que a condenação do papa como "Anticristo" de Martinho Lutero e dos escritos da confissão luterana (Apologia da Confissão de Augsburgo, Artigos de Esmalcalda, o tratado Poder e Primado do Papa, Fórmula de Concórdia) não se aplicam ao papado atual e aos seus colaboradores.
Num gesto comum que pode se desenvolver ao mesmo tempo em dois lugares diferentes, as duas partes poderiam apagar da memória da Igreja e fazer as pessoas esquecerem as palavras e atos que conduziram à excomunhão de Lutero, bem como à condenação do papa como "Anticristo".
Estátua de Lutero posta no Vaticano para o encontro do Papa Francisco com luteranos alemães, em 2016 (Foto: CNS)
2) No início do período da Reforma, os conflitos entre Lutero e o papa ocorreram principalmente em solo alemão. Eles influenciam o clima ecumênico da Alemanha até os nossos dias. Para isso, pedimos à Conferência Episcopal alemã, em acordo com o Comitê Central dos Católicos Alemães, bem como o Conselho e o Sínodo da Igreja Protestante na Alemanha, uma declaração pública conjunta de arrependimento pelos eventos do passado, na esperança de que as recíprocas condenações que levaram à separação entre as Igrejas sejam anuladas. Assim, mostrariam a vontade de ir além das antigas condenações e evitar uma recaída em divergências recíprocas, senão de condenações.
3) Convidamos todas as comunidades, reunidas no âmbito de um culto ecumênico no segundo domingo de Natal (3 de janeiro de 2021) ou em outras ocasiões, a celebrar a alegria da vinda de Deus ao nosso mundo com um ato de reconciliação após 500 anos (existe um marco a respeito). Agradecemos à Arbeitsgemeinschaft Christilicher Kirchen (ACK) pela sua colaboração na resposta a tal convite e pela disponibilidade para o concretizar, por exemplo durante a semana de oração pela unidade dos cristãos (8-25 de janeiro) para que no futuro possamos percorrer o caminho da peregrinação da justiça e da paz na diversidade reconciliada.
Durante a solenidade do Espírito Santo (Pentecostes), lembramos a todos nós as palavras do Apóstolo Paulo que são o lema Morávio no Domingo de Pentecostes deste ano: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito"(1 Cor, 12,13, TOB).
Altenberg, 31 de maio de 2020, Pentecostes, em nome do Grupo Ecumênico de Altenberg.