15 Mai 2021
A aldeia Palimi ú, onde garimpeiros ligados a facção PCC atiraram contra indígenas Yanomami e agentes federais nos últimos dias, fica a 230 quilômetros da capital de Roraima (ou uma hora de voo), Boa Vista, onde estão localizadas as bases da Polícia Federal e do Exército Brasileiro. No entanto, as informações que chegam pelo rádio ao líder Dário Kopenawa Yanomami, vice presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), é que a ausência das forças federais transformou a comunidade em um lugar desolador, inseguro e com a presença de homens fortemente armados na terra indígena. “Agora nem a Polícia Federal, nem o Exército estão lá. Os nossos parentes estão descobertos, vazios”, disse a liderança à Amazônia Real.
A reportagem é de Kátia Brasil e Emily Costa, publicada por Amazônia Real, 13-05-2021.
Dário Yanomami conta que, por volta das 22h45 (horário local) desta quarta-feira (12), recebeu um informe da comunidade de Palimi ú no qual os indígenas relataram a presença de 40 barcos de garimpeiros no local dos recentes tiroteios. “Eles alertaram que os garimpeiros estão se organizando para iniciar novos ataques aos Yanomami. Foi informado também que os garimpeiros continuam circulando livremente e intensamente no rio Uraricoera, portando armas. O relato corrobora com a avaliação da extrema vulnerabilidade vivida pelos indígenas”, disse.
Antes desse relato, na parte da manhã do dia 12, homens do Exército e da Polícia Federal visitaram a aldeia Palimi ú para tomar depoimentos de seis indígenas e de um missionário da Missão Evangélica da Amazônia (Meva), organização religiosa que atua na área desde os anos 60. “A Polícia Federal, o Exército foram lá e ficaram mais ou menos uma hora, duas horas e depois voltaram. Agora não tem mais ninguém lá. A lancha dos garimpeiros continuam lá passando pela frente da aldeia, todo dia; de manhã e à tarde, e a noite também”, completou Dário à reportagem.
No dia anterior (11), uma equipe de agentes da Polícia Federal foi recebida à bala por homens que estavam numa embarcação no rio Uraricoera próximo à aldeia Palimi ú. A violenta recepção surpreendeu até mesmo os agentes federais. “Não é normal garimpeiros atirarem contra a Polícia Federal”, disse um agente à reportagem.
O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Considi-Y), Junior Hekurari Yanomami, afirma que três garimpeiros morreram no conflito de segunda-feira (10). “Quatro se feriram e um Yanomami foi ferido de raspão na cabeça, conforme os relatos dos indígenas que vivem em Palimi ú”.
Ainda segundo Junior Hekurari, a comunidade acredita que o ataque do dia 11 foi em retaliação à barreira sanitária, que está em local estratégico e consegue bloquear o tráfego de barcos que sobem o rio com destino às zonas de garimpo.
“Os Yanomami têm apreendido gasolina, quadriciclo, e impedido os garimpeiros de passar, por isso eles estão reagindo. Esse foi o terceiro ataque a tiros à comunidade em 15 dias, mas das outras vezes não houve feridos”, detalhou.
Policias federal na aldeia Palimi ú no dia 11 de maio (Foto: Policia Federal).
As informações sobre o registro de mortes e feridos são contraditórias. A Polícia Federal diz que nos dois ataques não foram registrados óbitos. A PF investiga a participação de garimpeiros ligados à facção PCC nos dois ataques.
A Polícia Civil de Roraima divulgou ontem (12) que um garimpeiro foi morto com um tiro na cabeça no rio Uraricoera, mas não citou se a morte aconteceu no conflito na aldeia Palimi ú e nem o tipo de arma que atingiu o garimpeiro Elielson Barbosa da Costa, de 27 anos.
No entorno da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, o Exército mantém o 4º Pelotão Especial de Fronteira (Surucucu), que conta com o apoio de um aeródromo, e o 5º Pelotão Especial de Fronteira (5º PEF) em Auaris. Esse pelotão fica a 150 quilômetros, em linha reta, de distância da aldeia Palimi ú, que é alvo dos ataques dos garimpeiros.
“A situação está muito tensa, problemática, os Yanomami estão correndo risco, vulneráveis”, reforçou Dário Yanomami, que é filho do grande líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami. Por meio de ofício, o vice-presidente da Hutukara solicitou ao Exército a “urgentíssima presença permanente do poder público no local para garantir a segurança das comunidades indígenas e impedir a livre perpetuação dos crimes associados à presença do garimpo ilegal na região”.
No ofício, Dário Yanomami pede “a instalação de um posto avançado emergencial na comunidade de Palimi ú, com o objetivo manter a segurança no local e no rio Uraricoera. Mantenha o fornecimento de apoio logístico para ações dos órgãos públicos para manutenção da segurança no local”.
“Os nossos parentes estão sozinhos. Enquanto estavam me ligando, chegaram nove barcos de garimpos na beira do rio e os garimpeiros continuam fazendo barulho lá, com os barcos subindo e descendo, se organizando e todo dia estão passando lá, com armas, está acontecendo isso”, contou Dário Yanomami sobre o clima de apreensão na aldeia.
Os garimpeiros apoiadores do presidente Jair Bolsonaro alegam que o conflito na aldeia Palimi ú começou porque os indígenas atiraram primeiro e foram motivados por ONGs internacionais. Eles confirmaram que facções brasileiras e da Venezuela já estão dentro dos garimpos. A facção venezuelana seria o Trem de Arágua. Mas negaram a ligação de garimpeiros com o PCC no conflito da aldeia Palami ú.
Atualmente os próprios garimpeiros estimam que mais de 26 mil homens estão dentro da Terra Indígena Yanomami na atividade de extração ilegal de ouro. A exploração tem o envolvimento de mineradores, empresários, políticos e garimpeiros de várias partes do Brasil. Mas o componente “investimento do tráfico de drogas”, segundo uma fonte que conhece a história do garimpo, é algo mais recente e começou com o crescimento do PCC em Roraima, que chegou primeiro pelas unidades prisionais.
O Ministério Público Federal pediu ontem (12) o envio imediato de forças de segurança para permanência ininterrupta, 24h por dia, na comunidade Palimi ú. O pedido frisa que o reforço na segurança seja mantido “até que seja feita a extrusão dos garimpeiros em um raio de 100 km da aldeia”.
Protesto de garimpeiros com caixão simbólico em frente a sede da Justiça Federal (Foto: reprodução de rede social).
Na quarta-feira (12), os garimpeiros ligados a Bolsonaro fizeram protestos no centro de Boa Vista. Eles levaram um caixão vazio até o Monumento ao Garimpeiro, na Praça do Centro Cívico, como um ato simbólico à morte do garimpeiro Elielson Barbosa da Costa. O caixão foi levado também para a frente das sedes da PF e da Justiça Federal.
Imagens da manifestação foram compartilhadas nas redes sociais. Um dos vídeos mostra um caixão sendo carregado por quatro homens enquanto um quinto narra: “tá aqui, ó, aí depois fizeram a reportagem dizendo que não tinham ferido ninguém, não tinha morrido ninguém, aí, ó. Nós vamos colocar ‘esse corpo’ aqui bem na frente do símbolo que representa o garimpeiro, tá aqui, para mostrar para as autoridades que morreu um garimpeiro. Morto pela Polícia Federal que disse que não tinha ferido ninguém”.
De acordo com a Polícia Civil, o corpo de Elielson foi levado ao Instituto Médico Legal por uma empresa funerária na madrugada, por volta de 1h53 (do dia 12), com uma requisição do exame necroscópico expedido pela Delegacia Central de Flagrantes. “O homem foi morto por volta das 15 horas do dia 11 (terça), numa área de garimpo, na região do Uraricoera, município de Alto Alegre. A causa da morte foi por traumatismo crânio encefálico por arma de fogo”, diz a nota da polícia, acrescentando que o caso será investigado pela Delegacia de Alto Alegre.
Procurada, a Polícia Federal disse que irá se pronunciar sobre a morte do garimpeiro após receber laudo da necrópsia do corpo. “Não foi identificado de onde partiu o disparo, nem qual o armamento”, disse um policial ouvido pela reportagem.
A Amazônia Real conversou por telefone com a esposa de Elielson Costa. Bastante abalada, Mirisley da Silva, disse que ela e o marido chegaram a Roraima em fevereiro deste ano vindos de Altamira, no Pará. Desde então, ele estava trabalhando em garimpos na Terra Yanomami. “A gente veio tentar a vida, buscar o melhor para os filhos da gente”, disse. “Ele estava lá [na Terra Yanomami] desde 1° de maio”.
Mirisley contou que a última vez que trocou mensagens com Elielson foi por volta das 8h de terça-feira. “Ele disse que ia subir (o rio Uraricoera), eu disse para voltar, que tinha uns problemas para lá (incompreensível), ele disse ‘não, a gente vai lá’, que iam tentar passar”.
Sobre a ligação do garimpeiro com a facção PCC ela negou. “Meu marido nunca foi de facção, meu marido chegou aqui faz três meses. Até a gente não pode falar muito, que já pensam que é de facção”, disse Mirisley Silva.
Garimpeiros passam em lanchas em frente a Aldeia Palimi ú, na Terra Indígena Yanomami (Foto: imagem de vídeo da PF).
Enquanto o governo do presidente Jair Bolsonaro não atende a determinação da Justiça Federal de Roraima à União para retirar os invasores do território Yanomami sob pena de pagamento de multa de 1 milhão de reais, o Ministério da Saúde e a Fundação Nacional do Índio (Funai) tomaram providências para garantir a segurança de seus servidores. Bolsonaro não se pronunciou sobre os recentes ataques. A Funai não informou à reportagem se soliciotou segurança aos Yanomami da aldeia Palimi´ú.
Cinco profissionais de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) foram retirados de avião da aldeia Palimi ú na terça (11) antes do conflito dos garimpeiros com a PF. A ausência de enfermeiros e médicos pode comprometer, inclusive, a prevenção da Covid-19 na aldeia. “E a equipe só retornará em caráter permanente quando houver garantia de segurança”, disse o coordenador do Dsei-Y, Rômulo Pinheiro, à Amazônia Real.
Segundo Júnior Hekurari Yanomami, coordenador do Condisi-Y, não é comum que a comunidade fique sem equipe de saúde. Na aldeia, vivem 860 indígenas Yanomami e há um polo base do Dsei-Y.
Hekuarari, que estava na comunidade no momento em que houve a troca de tiros entre os policiais e os garimpeiros (no dia 11), disse ainda que, assim como no primeiro ataque (na segunda, 10), os garimpeiros envolvidos no segundo tiroteio em Palimi ú “estavam encapuzados, e com camisas pretas”.
“Às 13h51 o primeiro grupo de garimpeiros veio em seis embarcações, todos armados, encapuzados. A polícia já estava lá, não houve tiroteio, e os garimpeiros foram em direção à barreira dos indígenas. Mas depois, às 15h18 os garimpeiros vieram em silêncio, o motor desligado, remando, entendeu? E um Yanomami gritou, e assim que ele gritou, de longe, houve tiroteio, aí os Yanomami gritando para lá, para cá, mulheres, e os policiais correram para outro local, do posto, e os os garimpeiros também atiraram contra os policiais federais”.
Ainda segundo Hekurari, os Yanomami de Palimi ú reconheceram que os barcos (voadeiras e canoas) usadas pelos garimpeiros envolvidos nos ataques são as mesmas “que passam muito tempo lá pelo rio, e levam muitos materiais e garimpeiros para os garimpos para cima, em Aracaçá, Waikás e Parima”.
“Na Terra Yanomami são muitos garimpeiros, eles são divididos em grupos. Alguns usam capuz, outros não, quem está armado usa capuz. Diz que (os encapuzados) são seguranças deles, desse pessoal (dos garimpos Aracaçá, Waikás e Parima)”.
Junior Hekurari com guerreiros Yanomami da aldeia Palimi ú (Foto: Condisi-Y).
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“Nossos parentes estão descobertos, vazios”, diz Dário Yanomami sobre a ausência do Exército e da PF na aldeia atacada, em Roraima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU