13 Mai 2021
Indígena relata disparos de garimpeiros durante visita da Polícia Federal a comunidade que havia sido alvo de ataque a tiros de invasores horas antes.
Foto: Júnior Hekurari Yanomami. Fonte: DW.
"O clima está muito tenso", afirma Júnior Hekurari Yanomami em entrevista ao portal Deutsche Welle, 12-05-2021.
Um novo conflito armado na Terra Indígena Yanomami aumentou ainda mais a tensão no território. Pouco mais de 24 horas após um ataque de garimpeiros à comunidade Palimiú ter deixado quatro garimpeiros e um indígena feridos, um novo tiroteio ocorreu na tarde desta terça-feira (11/05), durante uma visita de agentes da Polícia Federal ao local.
Segundo informações da Polícia Federal, após a apuração do ataque ocorrido no dia anterior, quando a equipe de policiais estava prestes a embarcar de volta a Boa Vista, uma embarcação de garimpeiros passou no Rio Uraricoera efetuando os disparos. A equipe se abrigou e respondeu à agressão, mas não houve registro de atingidos de nenhum dos lados.
No avião que levou os policiais de Boa Vista, capital de Roraima, até a comunidade estava Júnior Hekurari Yanomami, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi).
"O clima está muito tenso, o povo yanomami está com muito medo. Eu também estou com muito medo", disse Junior à DW Brasil após o confronto.
Sem a presença de policiais ou do Exército na comunidade Palimiú, considerada porta de entrada dos invasores, Júnior diz temer um massacre.
Como aconteceu esse segundo conflito armado?
Fui no avião junto com a Polícia Federal para ouvir os indígenas. Chegamos à comunidade Palimiú, na Terra Indígena Yanomami, por volta das 14h [de terça-feira, 11/05]. Entre 14h15 e 14h20 chegaram aproximadamente 20 garimpeiros armados. A Polícia Federal estava lá (com os yanomami), se identificou, e o grupo foi embora.
Uma hora depois, um grupo de garimpeiros chegou em silêncio, desligaram até os motores e começaram a atirar contra a comunidade. A gente estava no posto de saúde, eles atiraram contra os yanomami, contra a Polícia Federal… O tiroteio durou cinco minutos.
Aproximadamente às 15h40, nós levantamos voo e voltamos para Boa Vista.
Alguém se feriu?
Não teve feridos entre os yanomami. Mas não sei sobre os garimpeiros.
Quem estava no avião que transportou vocês?
Eramos nove pessoas, sete da Polícia Federal. O avião era da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena].
Foi possível identificar quem atirou?
Quem começou a atirar foram os garimpeiros. Eles estavam com capuz e vestidos com camisetas pretas, todos cobertos.
Alguém foi preso?
Não.
Como está o clima na comunidade depois desse segundo tiroteio seguido?
O clima está muito tenso, o povo yanomami está com muito medo. Eu também estou com muito medo. Talvez possa acontecer hoje ainda um novo conflito, um massacre. Tem muitas crianças lá na comunidade.
Há informações de que os garimpeiros estão se juntando para voltarem.
Os yanomami têm como se defender?
Não tem. Eles só têm flechas e espingardas que usam para caçar.
A comunidade está sozinha. Não tem Polícia Federal, não tem Exército. Só os yanomami.
Por que o conflito se acirrou?
A comunidade Palimiú, há quatro, cinco meses, se reuniu e decidiu fazer uma barreira sanitária. A comunidade estava impedindo a passagem deles [os garimpeiros]. Esse rio Uraricoera é o único que alimenta outros garimpeiros acima do rio, onde existem grandes garimpos.
Os yanomami apreenderam cerca de 5 mil litros de gasolina e outros materiais no dia 24 de abril (usados por garimpeiros). É por causa disso, a gente acredita, que eles estão fazendo tudo isso.
Os yanomami decidiram fazer as barreiras pela falta de apoio das autoridades no combate ao garimpo ilegal?
Eles [autoridades] não estão fazendo nada. A gente fez essas apreensões e mesmo assim os garimpeiros continuam, o garimpo na Terra Indígena Yanomami é muito grande.
E como o Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) está atuando na pandemia?
Nosso papel é fiscalizar os trabalhos da saúde e processos das ações da saúde yanomami. Está muito difícil trabalhar desde 2020 por causa do coronavírus. Tem a malária também. Não temos funcionários.
O governo federal abandonou o povo yanomami, por isso também houve muito crescimento da malária e da covid-19 dentro das comunidades. De janeiro a abril, tivemos 10.222 casos de malária.
Está faltando cloroquina para o tratamento de malária?
O governo mandou mais de 3 mil quilos de caixas de cloroquina para os yanomami, mas na verdade, era para o tratamento de coronavírus. Para tratar a malária, a gente precisa também da primaquina. Não tem como trabalhar só com a cloroquina.
Vocês receberam denúncia de que vacina contra covid-19 para os indígenas estava sendo desviada para garimpeiros em troca de ouro?
Foi a Huturaka Associação Yanomami que recebeu essa denúncia. Nessa semana vamos começar a investigar, a ouvir os yanomami e apurar se houve os desvios. Vamos ouvir também os agentes de saúde, os funcionários que trabalham nas áreas com mais garimpeiros.
O que é mais urgente melhorar na área de saúde yanomami?
A Terra Indígena Yanomami é muito grande, abrange os estados de Amazonas e Roraima, com uma população de 29.600 indígenas.
O governo federal tem que mudar o plano de trabalho. Não tem dinheiro para comprar insumos, materiais e contratar mais profissionais de saúde. Não tem como trabalharmos só com 150 pessoas em todo o território.
Falta tudo.
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“Tenho medo de um massacre”, diz yanomami após tiroteio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU