11 Mai 2021
Neste 10 de Maio, completaram-se 35 anos de uma morte anunciada, encomendada pelos fazendeiros da região do Bico do Papagaio, no Estado do Tocantins. A vítima foi o padre Josimo Morais Tavares, cuja memória permanece na vida do povo, especialmente dos pequenos agricultores, pelos quais ele literalmente deu a sua vida, e da Igreja, que já deu os primeiros passos no processo da sua canonização.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O Padre Josimo, que tinha 33 anos, sabia que ia morrer. A 15 de Abril desse mesmo ano, o seu carro tinha sido baleado cinco vezes, o que foi um anúncio do que iria acontecer a 10 de maio de 1986, quando dois tiros à queima-roupa, enquanto subia as escadas onde se encontrava o escritório da Comissão Pastoral da Terra – CPT, na cidade de Imperatriz, deixaram-no mortalmente ferido.
Imagem: mapa da região do Bico do Papagaio | Foto: Raphael Lorenzeto de Abreu / Wikimedia Commons
As suas palavras na assembleia diocesana da diocese de Tocatinópolis – TO, pronunciadas a 27 de Abril do ano em que foi morto, mostram a sua plena consciência do que estava a acontecer e do sério risco que corria: "Quero que compreendam que o que está a acontecer não é fruto de qualquer ideologia ou facção teológica, nem da minha própria, ou seja, da minha personalidade. Creio que a razão de tudo isto pode ser resumida em três pontos principais: porque Deus me chamou com o dom de uma vocação sacerdotal e eu respondi-lhe, porque Dom Cornélio me ordenou sacerdote, e por causa do apoio do povo e do pároco de Xamboiá, na altura o Padre João Caprioli, que me ajudou a terminar os meus estudos”.
Padre Josimo encarna as palavras do profeta Isaías e do próprio Cristo, de quem é conduzido como uma ovelha ao matadouro. Ele não sabia a data exata, mas estava mais do que consciente de que seria morto e que havia uma causa clara para isso: "Tenho de aceitar isso. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres agricultores indefesos, o povo oprimido nas garras das grandes propriedades. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu nome? Eu, pelo menos, não tenho nada a perder. Não tenho mulher, não tenho filhos, nem sequer riqueza, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: a minha mãe, que só me tem a mim e a mais ninguém. Pobre, viúva, mas vocês ficam aqui e vão cuidar dela".
As suas palavras são o testemunho de alguém que compreendeu o que significa ser um discípulo: "Nem o medo me detém. Chegou o momento de assumir. Eu morro por uma causa justa. Agora quero que compreendam isto: tudo isto que está a acontecer é uma consequência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em nome do Evangelho, o que me levou a assumir as últimas consequências. A minha vida não vale nada em antecipação da morte de tantos agricultores mortos, atacados e expulsos das suas terras, deixando mulheres e crianças abandonadas, sem carinho, sem pão e sem casa. É tempo de se levantar e fazer a diferença! Estou a lutar por uma causa justa!”
De 8 a 10 de Maio, a XVII Romaria da Terra e das Águas Padre Josimo aconteceu virtualmente. Com o tema "Da Amazônia ao Planeta: Queremos RES-PI-RAR!", foi uma nova oportunidade para perpetuar a sua memória, com a presença de milhares de pessoas ao longo destes dias, nos quais refletiram sobre o sonho social do Papa Francisco na Querida Amazônia e sobre os sonhos do próprio Padre Josimo, tendo sido também um momento de celebração.
Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, presidente em exercício da Comissão Pastoral da Terra – CPT, lembra “a atuação direta com a questão da terra” do padre Josimo, afirmando que “foi por isso que, infelizmente, ele chegou no assassinato, por estar ao lado dos pequenos, dos que precisavam de força e de apoio”. Para a CPT, afirma o bispo da Prelazia de Itacoatiara, o padre Josimo, “é uma referência, sempre um exemplo, uma motivação, e muitas pessoas vivem seu serviço como agente da CPT, na base, no trabalho mais direto, tendo sempre ele como um modelo, uma inspiração”. O bispo destaca “os desafios que a gente enfrenta, que não são poucos, e hoje até talvez mais do que uns anos atrás, hoje talvez até muito parecido com aquele contexto da vida e da morte dele”.
Os agentes da CPT, em palavras do seu presidente, “eles se sentem impulsionados para levar a luta adiante, para continuar fazendo o mesmo trabalho de apoio, de base, de estar junto com os camponeses na defesa da terra, e agora se acrescentou também a questão da água”. Nesse sentido, Dom José Ionilton destaca a importância da Romaria da Terra e das Águas destes dias como momento de fazer memória. Ele considera o padre Josimo como um mártir, “porque deu a vida por uma causa maior, a partir da sua fé, do seguimento de Cristo, do seu ministério também como padre”. Mas “ele continua vivo, como sempre disse, como São Oscar Romero falou, se eu morrer, a minha luta vai continuar na luta do meu povo”, algo que aparece na biografia do padre Josimo, segundo o presidente da CPT, assim como em algumas das suas homilias e discursos, onde insistia em que “ele tinha consciência de que estamos sendo ameaçados, era uma vida que estava entregue a essa luta, a essa causa, e ele não abria mão disso”.
Dom José Ionilton lembra que na última assembleia presencial da CNBB, em 2019, os bispos da Amazônia, reunidos em vista da preparação do Sínodo, que iria acontecer poucos meses depois, se fez a proposta de encaminhar o processo de canonização, algo que foi aprovado por unanimidade. Durante o Sínodo, segundo o bispo, teve uma manifestação falando dele como um mártir, tendo sido incluído na lista dos que estiveram presentes na Sala Sinodal como defensores da Amazônia, defesa da terra, defesa dos camponeses, e assim por diante.
O presidente da CPT afirma que foi algo que a Igreja acolheu, tendo em conta que o padre Josimo “foi um sacerdote voltado e dedicado à vida, que é o grande projeto de Deus, encarnado em Jesus, que deu a vida e depois disse que dava a vida para que a gente tivesse vida”. Nessa perspectiva, o bispo afirma que “padre Josimo assumiu e viveu intensamente nesse sentido”.
Fotos: Reprodução do Facebook de Roberto Romano
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35 anos do assassinato do Padre Josimo: mártir da luta pela terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU