13 Abril 2021
Há anos, o economista Daniel Raventós (Barcelona, 1958) é a face visível, na Espanha, do movimento em defesa da Renda Básica Universal. Antes, este professor da Universidade de Barcelona foi bancário, sindicalista da CCOO e diretor da revista catalã Demá.
Militante da Liga Comunista Revolucionária, dos fins dos anos 1970 até a sua dissolução em 1991, hoje, define-se politicamente como um republicano preocupado com as condições materiais da liberdade. Por isso, vincula o republicanismo ao direito a uma vida digna.
Seu último livro tem como título “La renta básica, ¿por qué y para qué?” (La Catarata, Madrid, 2021) e explica as vantagens de um modelo no qual todos recebêssemos uma espécie de salário mensal pelo simples fato de ser cidadãos e cidadãs, independentemente se depois decidimos, ou não, complementá-lo com um trabalho remunerado.
A entrevista é de Diego Díaz Alonso, publicada por Nortes, 12-04-2021. A tradução é do Cepat.
O que tem a ver republicanismo e renda básica universal?
É a conexão que alguns de nós, republicanos, fazemos, sem desconectar a liberdade dos indivíduos de suas condições de existência. Nossa ideia de liberdade republicana é diferente da ideia liberal de liberdade, que ignora completamente as condições materiais de existência das pessoas. A Renda Básica Universal não garante por si só essas condições, mas as ajuda a existir, e com isso a fazer as pessoas mais livres.
A Renda Básica é uma proposta dos anos 1980, mas tem precedentes históricos mais antigos, que insistiam nessa ligação entre a liberdade e as condições materiais para poder exercê-la. O “misthos grego”, por exemplo, era uma retribuição ou salário para que os cidadãos livres pobres de Atenas pudessem comparecer às assembleias ou exercer cargos políticos. Instaurou-se depois das grandes reformas radicais de Efialtes.
Mais recentemente, Thomas Paine, o grande revolucionário norte-americano que teve o privilégio de participar da revolução americana e da revolução francesa, propôs, em 1797, em “Justiça agrária”, uma contribuição a todo cidadão custeada por um imposto sobre as grandes propriedades agrícolas. São precedentes da ideia contemporânea de renda básica.
A proposta vive um bom momento?
O conhecimento da proposta da Renda Básica disparou com a pandemia e a crise. Nunca se havia visto um debate público semelhante, em três décadas, desde que em 1986 foi fundada. O fato de um editorial do “Financial Times” ter pedido um imposta às grandes fortunas para a financiar não tem precedentes.
A Renda Básica deixou de ser impensável. Há alguns anos, além disso, foram trabalhados números que demonstram sua possibilidade. Com os números da reforma tributária que necessitaríamos para financia-la, em mãos, o debate aumentou. Ninguém mais pode dizer que não há dinheiro.
Perdeu-se uma oportunidade com a pandemia?
Uma renda básica de emergência teria sido um bom mecanismo frente à emergência social gerada na pandemia. Se você a destina a todos, ou ao menos a todos aqueles que a peça, quem passa a receber, com a declaração de renda, a devolve ao Estado.
Era o que propunha Toni Roldán, o ex-guru de Ciudadanos (Cs).
Parece-me fantástico que pessoas que não são defensores da Renda Básica Universal tenham entendido as vantagens de uma renda de emergência sobre outros tipos de medidas que estão se revelando menos eficazes. Roldán dizia que diante desta situação catastrófica era uma boa solução.
Como avalia o Ingresso Mínimo Vital?
Um desastre.
Desenvolva.
Se tivesse dado certo, o que não foi o caso, era uma medida para beneficiar 25% das pessoas pobres de 2019 [na Espanha], que eram 10 milhões. Hoje, são muitas mais. No ano de 2020, este ministro [espanhol da Inclusão, Segurança Social e Migração] nefasto, José Luis Escrivá, anuncia que o Ingresso Mínimo Vital só beneficia 165.000 famílias. Não foi um fracasso. Foi um ultrafracasso.
O que deveríamos estar fazendo para sair da crise?
A primeira pergunta é em benefício de quem queremos que seja a saída dessa crise. Na faculdade, explicavam-nos, como se tratasse da Lei da Gravidade, que a política econômica nunca é neutra. Se o que se quer é beneficiar a maioria da população, para isso, precisamos fixar uma renda máxima, uma renda básica, uma política monetária e uma política tributária. Parto da velha ideia republicana de que não podem existir grandes fortunas sem atentar contra a liberdade da maioria da sociedade.
Até Roosevelt instaurou nos Estados Unidos um imposto aos ricos, a partir do qual tudo o que ganhavam levava ao Estado. Até os anos 1970, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, as grandes fortunas tiveram impostos de 90%. É totalmente o contrário do que se está fazendo nos últimos anos, nos quais a curva de Laffer se tornou um dogma neoliberal. Por certo, o próprio Laffer ri do uso que fizeram de sua teoria.
O que é a curva de Laffer?
Diz algo como: “Se vocês colocam mais impostos, arrecadam menos, porque desestimulam os ricos a investir”. Estudos muito recentes dizem que talvez isso possa estar correto a partir de 80%, mas que até quantias inferiores funciona. Os ricos poderiam continuar sendo ricos, enquanto o Estado arrecada muito mais.
Nesse sentido, a administração Biden está fazendo algumas propostas interessantes, como esse imposto corporativo semelhante em nível planetário.
O que a secretária do Tesouro propôs é algo elementar para evitar a possibilidade que os ricos possam ir de um território para outro para pagar menos impostos. Deve haver uma coordenação internacional, porque você pode criar um sistema tributário justo no Reino da Espanha, mas sem essa coordenação é possível que os ricos encontrem formas de levar suas fortunas a outros países ou para paraísos fiscais.
Acabar com os paraísos fiscais não é tão difícil. Requer medidas drásticas, como retirar a nacionalidade de quem deixar de tributar em seu país. O problema é, antes de tudo, de vontade política. Quando caíram as Torres Gêmeas, Bush anunciou que iria acabar com os paraísos fiscais para acabar com o terrorismo, depois alguém lhe disse algo, e o anúncio acabou em nada.
Estamos vendo essa concorrência fiscal entre territórios dentro do próprio Reino da Espanha.
Os mais nacionalistas espanhóis são os que estão fazendo isto em Madrid.
Muitos trabalhadores temem que as políticas de descarbonização retirem o seu emprego. Como fazemos uma transição ecológica justa?
Há postos de trabalho que deveriam desaparecer para a sobrevivência do planeta e das novas gerações que irão habitá-lo. Depois, há o que David Graeber chamou de “trabalhos de merda”, que não é trabalho lixo ou precário, mas trabalho inútil, às vezes, até mesmo bem pago, mas que segundo as pesquisas com os próprios trabalhadores não faz sentido. A Renda Básica permitiria uma solução de transição para estes empregos.
Como avalia a situação da monarquia?
Melhor para a Monarquia do que eu gostaria. O CIS [Centro de Investigações Sociológicas] retirou a pergunta sobre a Monarquia por causa da deterioração que sofreu com os últimos escândalos, mas pelo que sabemos por outra pesquisa, fora da Catalunha e do País Basco, o republicanismo é minoritário, crescente, mas minoritário.
O que o republicanismo deveria fazer para crescer?
A República pode oferecer à população melhores condições de vida do que esta merda de regime que temos. Na Catalunha, não é mais suficiente dizer República catalã. As forças soberanistas perceberam que precisam oferecer melhores condições de vida para tornar a República uma ideia atrativa. Em geral, e falando em termos clássicos, ou o republicanismo ganha uma base social ou a extrema direita a ganhará para seus planos.
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“A renda básica deixou de ser impensável”. Entrevista com Daniel Raventós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU