12 Abril 2021
"A Digital Age se vê hoje sonhando com uma sociedade análoga àquela sonhada por visões opostas e aparentemente irreconciliáveis da vida e do homem: o capitalismo mais avançado e o bolchevismo soviético. Isso nos questiona e nos faz perguntar por quê. Como evitar dar origem a um sistema tecnocrático que corre o risco de esmagar o homem como outros totalitarismos do passado?", questiona Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida. Em português, é autor de “Oráculos: Entre ética e governança dos algoritmos” (Ed. Unisinos, 2020). O artigo foi publicado por L'Osservatore Romano, 10-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na semana passada Sam Altman da OpenAI, uma organização sem fins lucrativos que tem Elon Musk entre seus fundadores e se propõe à pesquisas sobre inteligência artificial com o objetivo de promover e desenvolver benefícios para a humanidade, afirmou que a inteligência artificial em breve gerará riqueza suficiente para pagar a cada adulto US $ 13.500 por ano.
A fronteira do capitalismo do Vale do Silício parece sonhar com a possibilidade de construir uma sociedade capaz de superar as distinções de gênero, capaz de usar os dados para organizar a oferta e a procura, para gerir a demanda por mão de obra e direcionar os trabalhadores para os empregos onde seu trabalho é mais solicitado, deixando todos livres para viver de acordo com as próprias aspirações e paixões.
No entanto, esse horizonte tem um precedente. Um livro de ficção científica escrito em 1907 que fala de uma sociedade utópica libertária em Marte, que superou qualquer distinção entre homens e mulheres, e usa um aparato estatístico eficiente para elaborar dados econômicos aptos a indicar às fábricas o que elas precisam produzir e indicar aos desempregados em que fábrica encontrar trabalho, e assim por diante, deixando cada um livre para escolher como viver. A questão se torna ainda mais surpreendente se olharmos os detalhes da obra intitulada Estrela Vermelha.
Capa do livro Estrela vermelha
Estrela vermelha é um romance-utopia, obra de Aleksandr Bogdanov escrita um ano após a revolução fracassada na Rússia em 1905. O surpreendente é a figura do autor. Bogdanov nasceu em 1873, depois de terminar a escola de forma brilhante, ele se matriculou na Universidade de Moscou para estudar ciências naturais. Tornou-se membro de uma organização estudantil que ajuda colegas de províncias distantes. Envolveu-se em atividades políticas. Ele foi preso várias vezes. Traduziu O Capital de Marx para o russo. Ele trabalhou com propaganda política, escreveu textos de economia para os trabalhadores. Ele estudou medicina na Ucrânia, foi preso novamente e exilado. Em Zurique, ele estabeleceu relação com Lenin. Foi um dos líderes do movimento bolchevique. Logo após o fracasso da revolução de 1905, um duro embate deflagrou-se entre ele e Lenin dentro da facção bolchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo. Seria a posição de Lenin que resultaria majoritária e Bogdanov, que depois da Revolução de Outubro obteria, de qualquer forma, uma cadeira de Economia na Universidade de Moscou e a direção da Academia Socialista de Ciências Sociais, mas sempre permaneceria uma voz bastante “herética” entre os bolcheviques, parcialmente desabafaria sua amargura ao escrever esse romance.
O conceito-chave da produção teórica de Bogdanov é a noção de "organização". A vida social é a organização do trabalho coletivo. O conhecimento é a organização da experiência e dos conceitos. Podemos entender a realidade como organização, como estrutura. A imagem do mundo que Bogdanov propõe é em termos de uma escala de formas de organização cada vez mais complexas: desde elementos mínimos que interagem diretamente, passando pela organização da matéria no ser vivo, pelo desenvolvimento biológico da experiência individual organizada em indivíduos, até o conhecimento científico, que é, para Bogdanov, experiência organizada coletivamente. Suas obras, através da leitura que fará delas Norbert Wiener, pai da cibernética, e Ludwig von Bertalanffy, com sua teoria de sistemas contribuíram para lançar as bases do que conhecemos como inteligência artificial.
A Digital Age então se vê hoje sonhando com uma sociedade análoga àquela sonhada por visões opostas e aparentemente irreconciliáveis da vida e do homem: o capitalismo mais avançado e o bolchevismo soviético. Isso nos questiona e nos faz perguntar por quê. Como evitar dar origem a um sistema tecnocrático que corre o risco de esmagar o homem como outros totalitarismos do passado?
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Digital Age: onde os opostos se encontram. Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU