A tecnologia na escola assumiu um papel relevante. A pandemia acelerou o processo de inovação. No entanto, existem muitos aspectos e implicações que devem ser levados em consideração na utilização desses sistemas inovadores e que merecem um aprofundamento.
Conversamos sobre isso com o padre Paolo Benanti, franciscano da Terceira Ordem Regular, especialista em Teologia Moral e Bioética, ex-membro do grupo de especialistas em inteligência artificial do Ministério do Desenvolvimento Econômico da Itália e autor de inúmeras publicações.
A reportagem é de Fabio Gervasio, publicada por Orizzonte Scuola Notizie, 23-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Padre Benanti, a crise pandêmica obrigou o mundo da escola a recorrer massivamente à tecnologia, por meio do ensino a distância. O EaD foi fundamental durante o primeiro confinamento. Hoje, há muitas dúvidas quanto à sua utilização. Antes da pandemia, tínhamos abordagens conflitantes em relação a ela, desde aquela aberta, como no caso do BYOD (Bring Your Own Device), ao de total fechamento, por exemplo proibindo a utilização de dispositivos em sala de aula. Parafraseando Umberto Eco, na sua opinião, devemos ter uma visão apocalíptica ou integrada em relação ao uso da tecnologia na escola?
Para responder a essa pergunta, parto de um artigo publicado recentemente, em fevereiro de 2021, que apareceu na revista científica Cyberpsychology, Behavior and Social Networking, intitulado “Surviving Covid-19: the Neuroscience of Smart Working and Distance Learning”. É um artigo fruto do trabalho de um estudioso italiano, Giuseppe Riva, e de outros estudiosos como Brenda Wiederhold e Fabrizio Mantovani, no qual é relatado o resultado das suas pesquisas, que se concentraram na observação do que acontece em pessoas submetidas a um processo contínuo de aprendizagem a distância e de smart working. Partindo do resultado do seu estudo e permanecendo no aspecto ligado ao distance learning, podemos afirmar que o impacto em algumas fases cognitivas do cérebro é um impacto particular.
Para nos entendermos melhor, quando a aprendizagem ocorre em um ambiente físico dedicado, dentro do nosso cérebro ativam-se neurônios que têm uma espécie de função GPS e que nos localizam dentro daquele ambiente, ativando uma forma de memória que é de tipo autobiográfico. Tudo isso ocorre dentro de um ambiente cuja característica é ter uma consistência tridimensional.
Por outro lado, quando a aprendizagem é substituída por uma tecnologia, cuja característica é ser de tipo bidimensional, porque nos vemos através de uma tela, experimentamos sensações de desorientação, sentimo-nos como se estivéssemos sem um lugar e sentimos o abandono de um lugar, a sala de aula, e esse aspecto bidimensional também produz uma redução da identidade profissional e social, provocando também um pouco de Burnout.
É evidente, à luz do que foi observado até agora, que o instrumento não é neutro. Além disso, é importante lembrar que, na fase da aprendizagem, os neurônios-espelho desempenham um papel de primeiro plano, que, em um ensino mediado pela tela, não são ativados de forma adequada e reduzem o senso de liderança em relação a quem está falando conosco. Além disso, podemos constatar oscilações intercerebrais que mudam o modo como se realiza uma espécie de envolvimento com as demais partes da sala de aula. Portanto, se tivéssemos que nos perguntar se o ensino a distância pode ser equiparado ao ensino presencial, à luz das pesquisas neurocientíficas, a resposta é claramente não.
Mas a pergunta que você me fez não é simplesmente de caráter funcional, é também de caráter ético, e, portanto, deveríamos também nos perguntar “como reagir a tudo isso”. Aqui, abre-se a segunda questão. É claro que a ética é sempre uma escolha do bem possível, então, se tivéssemos que escolher entre nada e o EaD, certamente é melhor o EaD.
Afirmamos anteriormente que o EaD não equivale ao ensino presencial, mas encontrar um equilíbrio entre a presença e o EaD é um aspecto em relação ao qual devemos confiar naqueles que são os melhores conhecimentos científicos de quem está tentando gerir a pandemia, de tal modo que possam nos dizer qual é realmente o momento necessário para suspender a escola presencial para depois passar para o EaD.
Sem dúvida, a época que vivemos nos fez ver que podemos digitalizar processos. O tempo extenso com que fizemos os nossos filhos viverem esses processos nos diz que o processo digital não é igual ao processo físico. Não é nulo, mas é menos eficaz do que o processo físico. A escola ainda é necessária. Então, não se trata nem de ser apocalíptico ou integrado, mas de ser, se você quiser, ético, ou seja, escolher o máximo possível para o bem das pessoas que estão à nossa frente.
A tecnologia está nos levando a uma mudança epocal. Você lembrou várias vezes que, ainda no passado, no século XVI, outro artefato tecnológico, a lente convexa, produziu uma mudança epocal. O que provocou a mudança naquele período e o que devemos esperar hoje?
O que a descoberta da lente convexa aportou, com a realização do telescópio e do microscópio, foi uma mudança no modo como estudávamos e entendíamos o cosmos e no modo como estudávamos e entendíamos o ser humano. Descobrimos que não somos o centro do universo e descobrimos que somos feitos de pequenas partes vivas que chamamos de células.
Ambas as coisas mudaram os nossos pontos de referência. Hoje, uma mudança semelhante ocorre por obra do computador que trabalha os dados, que não nos permite estudar o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno, mas sim o infinitamente complexo das relações que ocorrem.
Essa abordagem está novamente mudando o modo como estudamos o cosmos. Pensemos no fato de que ouvimos os dados que são substancialmente coletados pelos radiotelescópios no espaço e, ao mesmo tempo, ouvimos a ativação neuronal de todas aquelas células que, de fato, estão no interior do nosso cérebro.
Essa mudança está produzindo uma transformação cujo resultado ainda não nos é conhecido, não conseguimos vê-lo, mas é uma transformação epocal que, em alguns dos meus textos, eu chamei de “digital age” ou, mais simplesmente, de mudança de época.
O que devemos esperar? Devemos esperar também uma mudança no nosso modo de passar as competências para os jovens, porque, se os pontos de referência mudam, assim como o currículo escolar mudou ou o modo de ensinar na passagem da cultura clássica para a cultura científica, provavelmente algo terá que mudar também nesta situação.
O crescimento exponencial da tecnologia levou a uma interação cada vez mais profunda com o ser humano. Em uma sociedade líquida, como Bauman a define, a disponibilidade de grandes volumes de dados, o Big Data, permite a realização de inteligências artificiais cada vez mais eficientes, a ponto de nos condicionar nas nossas escolhas, o que você chama de “algocracia”. Esse aspecto abriu uma reflexão sobre o uso correto da tecnologia, da necessidade de uma ética na tecnologia, a “algorética”. Pode nos explicar esses aspectos?
Há um estudioso estadunidense, Langdon Winner, que, para explicar o que é a ética da tecnologia, pedia para observar as pontes que foram construídas na rodovia que vai de Nova York até a praia, Long Island. Pois bem, quem olha as pontes vê apenas pontes, mas, se escavássemos um pouco mais fundo, notaríamos que as pontes foram construídas um pouco mais baixas do que a altura dos ônibus, para permitir que apenas os carros pudessem chegar à praia. E, na época em que foram construídas, por obra de Robert Moses, foi uma ação voluntária feita para impedir que quem não possuísse carro, portanto as camadas mais pobres e as minorias, pudesse chegar à praia. Em seu raciocínio, Langdon Winner chega à conclusão de que todo artefato tecnológico é um dispositivo de poder.
Hoje, a questão não diz mais respeito à construção de pontes de concreto, mas de algoritmos que nos permitem entrar ou nos mantêm fora das bases de dados, que nos permitem ou não fazer certas coisas, como por exemplo voar, obter um empréstimo, ou que, em alguns casos, gostariam de fato de administrar até mesmo a justiça. É evidente que o poder não é mais de concreto, mas é algorítmico, daí o termo algocracia.
O que a ética da tecnologia é chamada a fazer? A ser aquela voz que pergunta qual é o sentido do bem e o que estamos realizando. É um novo capítulo da ética que tenta tornar computável aos algoritmos alguns princípios que animam a escolha do bem. Esse novo capítulo da ética, dentro dessa viagem, deve tornar visíveis e eficazes essas reivindicações, como se fossem grandes guard-rails digitais dentro deste mundo cada vez mais automatizado.
Os algoritmos nos condicionam nas nossas buscas. Nos adolescentes em fase de formação, o que acarreta esse aspecto ligado ao algoritmo, que nos permite ver apenas algumas das escolhas possíveis?
É claro que estamos falando de algoritmos, muitas vezes de inteligências artificiais, que animam as plataformas sociais. Podemos pensar nos algoritmos como a “erma colina” de Leopardi, só que são menos poéticos do que a “erma colina” e excluem o olhar sobre algumas coisas e nos fazem focar em outras. Os estudos que estão sendo realizados nos dizem que esses algoritmos são capazes de criar uma espécie de bolha ao nosso redor, na qual vemos sempre o mesmo tipo de notícias repetidas várias vezes.
Essa bolha de repetições plurais, de fato, cria uma espécie de filtro sobre a realidade, e um menino que está em pleno desenvolvimento de crescimento, que deveria olhar com os olhos límpidos de estupor e de admiração, poderia, de alguma forma, ser condicionado, ser “educado” não por um mentor, não por um Sócrates, não por alguém que quer o seu bem, mas por um instrumento que tem como única finalidade o fato de mantê-lo o máximo possível naquela plataforma, porque quem a possui ganha mais dinheiro assim.
Tudo isso é algo que nos pede para agir, pois estamos criando a primeira geração que utiliza o celular indistintamente entre adultos e adolescentes. O que quero eu dizer com isso? Vamos dar um exemplo: quando o sinal do crescimento era a scooter, a scooter não era uma motocicleta, era adaptada aos jovens. Hoje, porém, o mesmo instrumento, o celular, é idêntico para um adulto ou para um adolescente. Isso nos leva a refletir sobre as mudanças necessárias para adaptar os instrumentos com base em quem será o usuário final.
Nas suas intervenções, muitas vezes o ouvimos falar do Oráculo de Delfos, colocando-o ao lado do nome de uma das mais importantes empresas de banco de dados, a “Oracle”, oráculo, como se tivessem aspectos bem específicos em comum. Pode nos explicar essa comparação?
É um jogo de palavras. Há um fragmento de Heráclito, um dos pais da filosofia, que diz que o oráculo que está em Delfos não fala e não cala, mas significa. Hoje, quando nós interrogamos um sistema de busca, ele não fala e não cala, mas significa dados com base na nossa busca. Então, eu uso esse jogo de palavras para dizer que muitos dos nossos contemporâneos começam a ter, em relação ao computador, principalmente o computador que trabalha na internet, que trabalha os dados, uma espécie de acesso oracular, como se fosse uma espécie de divindade, que profere sentenças, que dá respostas à sua busca, ao seu destino, ao seu futuro. E isso ocorre quando o utilizamos para buscar, por exemplo, coisas muito importantes como uma alma gêmea.
O mundo da escola também está vivendo uma mudança epocal, na qual o conhecimento não é mais uma exclusividade dos professores. Muitos jovens, definidos por simplicidade como “nativos digitais”, são mais capazes no uso das tecnologias do que seus próprios professores, os “imigrantes digitais”. O que essa mudança de paradigma acarreta e qual a importância de pensar em uma educação que leve à alfabetização digital?
É fundamental, porque hoje assistimos a uma nova forma de analfabetismo. Se, na Idade Média, o analfabetismo era entrar em uma biblioteca e não saber ler o que estava nos volumes, hoje um analfabetismo digital poderia ser definido como o fato de estar imerso em um fluxo de dados, de palavras, de vídeos ou de áudios, e não saber reconhecer o que é a verdade e o que não é.
Essa nova forma de analfabetismo digital pode provocar algo semelhante àquilo que provocou, por analogia, o verdadeiro analfabetismo, isto é, a dependência de quem não é alfabetizado em relação a quem, por sua vez, é alfabetizado. De fato, isso pode causar a cessação daquela função social de integração, de desenvolvimento da pessoa, que é tarefa da escola.
Portanto, aquela que nós chamamos de alfabetização digital nada mais é do que uma série de instrumentos que devemos desenvolver e aperfeiçoar para permitir que a escola desempenhe plenamente o seu papel educativo, e não apenas formativo, para esta geração de nativos digitais.
O professor Floridi afirma que nos movemos para um uso tecnológico que passou do online para o onlife, perenemente conectados. A sociedade muda rapidamente com repercussões também sobre o mundo da escola. Os jovens, no fim do seu ciclo de estudos, vão se deparar com empregos inexistentes no momento em que iniciaram esse ciclo. A escola, portanto, não deve formar pessoas com base na sociedade existente, mas deve fornecer os instrumentos para poder enfrentar os desafios futuros. Há alguns anos, foi introduzido o Coding [programação] na escola. É o caminho certo?
Esse é um debate muito amplo em nível internacional. Na prática, ele parte de uma pergunta anterior. Estamos diante de uma geração inédita que precisa ser alfabetizada, mas a alfabetização não é espontânea, não é como a caça nos leopardos ou nas matilhas de lobos. Ela precisa de um “Mestre”. Portanto, temos que nos perguntar a que os “Mestres” do mundo digital devem educá-los.
Nos Estados Unidos, eles responderam a essa pergunta afirmando que o objetivo é o de se chegar a pensar como as máquinas, de forma a poder interagir da melhor maneira possível com elas, e começaram o pensamento computacional e a programação. Mas eles se deram conta de que há um problema: na prática, eles não têm professores adequados para aplicar esses programas.
Na França, por sua vez, eles pensaram que é mais um problema de como é o ser humano no tempo digital. Eles falaram de humanidade digital e desenvolveram programas. Mas aqui também o problema é o mesmo. Eles se deram conta de que não têm professores preparados para tudo isso.
Nós, na Itália, talvez estejamos um pouco atrasados, porque ainda não nos fizemos essa pergunta até o fim, exceto em contextos como este. Acima de tudo, devemos iniciar um debate sobre esse tema para tentar dar a melhor resposta possível e, ao mesmo tempo, pensar quais características precisam aqueles aos quais será demandada a tarefa de ser o “Mestre” desta geração.
Neste ponto, pergunto-lhe o que significa ser professor de programação.
A programação, de fato, é uma técnica. Tento me explicar com um exemplo: para gostar da montanha, basta conhecer todas as técnicas do Clube Alpino ou dos alpinos? É claro que se alguém conhece essas técnicas pode ir com segurança para a montanha, mas tudo aquilo que é necessário para admirar uma bela paisagem e para entender aonde quero ir quando vou à montanha é exigido por coisas que não são competências técnicas, mas são estaturas morais da pessoa.
Portanto, ensinar programação significa dar uma técnica, mas a programação deve ser inserida nesse processo mais amplo de cuidado da pessoa, para que não permaneça como uma técnica muda, mas seja um instrumento que permita que os jovens se tornem as mulheres e os homens que desejam ser.
Uma última pergunta. Você costuma falar de uma ética nos algoritmos e na tecnologia que deve ser pensada antes de se fazer as escolhas. Em particular, qual é a diferença de abordagem entre escrever um algoritmo e programar em uma linguagem como a Python, por exemplo?
É uma abordagem que eu chamo de “by design”. Na prática, a nossa ação não deve ser uma ação que coloque um remendo em algo que já está em curso, mas deve ser pensada a priori, para evitar perseguir algo que depois nos escapa das mãos. O princípio que devemos adotar, que está na base do pensamento dos engenheiros, está sintetizado em “meça duas vezes e corte uma única vez”, que indica que você pense bem naquilo que vai fazer para prever todas as suas consequências possíveis.
O algoritmo é um pensamento mental, é obter uma seleção em um número finito de passagens, enquanto a Python é a linguagem que permite que um computador faça isso. Mas é claro que, se eu não pensar primeiro, isto é, se eu não sou um ser humano, não posso depois instruir a máquina. A ética, que é a parte mais nobre do humano, deve ser aplicada a todo o ser humano. Somente pessoas éticas realizarão, depois, uma algorética, isto é, algoritmos justos e capazes de respeitar os outros seres humanos.