02 Abril 2021
Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF: Dr. Bruno Glaab – Me. Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló - Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno
Os relatos joaninos da ressurreição e das primeiras aparições formam os dois quadros de um díptico. O primeiro encontra-se no capítulo 20, o segundo no capítulo 21. Cada um deles, por sua vez, é composto por várias cenas. Nesta liturgia, lemos Jo 20,1-9. Trata-se da primeira cena: Maria Madalena e os dois discípulos no sepulcro. O narrador começa falando de Maria Madalena (vv. 1-2a), mas muda rapidamente seu foco para os dois discípulos que correm até o sepulcro.
O primeiro dia da semana (v. 1): No Quarto Evangelho, a ressurreição de Jesus é uma nova criação. A primeira criação terminou em 19,30. De fato, Jesus afirma: “Tudo está consumado”. Após uma noite e uma manhã (referência ao primeiro relato da criação, em Gn 1), a descoberta do sepulcro vazio marca o início de um novo ciclo. O texto afira que “ainda estava escuro”.
Literalmente: “ainda havia trevas”. Esta afirmação pode ser compreendida de vários modos. Pode ser uma escuridão cronológica (o sol ainda não tinha nascido), uma escuridão espiritual (Madalena ainda não tinha experimentado a ressurreição e tudo para ela estava sombrio, triste e sem perspectivas), uma escuridão ideológica (no Quarto Evangelho, as “trevas” são as forças contrárias à verdade e à vida, isto é, as forças ideológicas da morte que aparentemente venceram), uma escuridão criacional (conforme Gn 1,2; “as trevas cobriam o abismo”). O evangelista parece não querer que o leitor opte por uma delas e, por isso, o relato pode ser interpretado em todas essas dimensões ao mesmo tempo.
Por outro lado, a afirmação de Maria Madalena – “Não sabemos onde o colocaram” (v. 2) –e, logo em seguida, a busca frustrada dos discípulos (vv. 4-10) remetem o leitor a Cântico dos Cânticos 3,1: “Em meu leito, pela noite, procurei o amado de minha alma. Procurei-o e não o encontrei!... Pelas ruas e pelas praças... não o encontrei”. O vínculo com Cântico dos Cânticos ficará ainda mais explícito nos vv. 11-18 (que não fazem parte desta liturgia).
Diferente do que é narrado nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), Maria Madalena vai sozinha ao túmulo. Ninguém está lá para explicar o que aconteceu. Por isso, ela sai de lá desconsertada e vai contar o fato a dois líderes dos discípulos: “Vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava” (v. 2). É também só no Quarto Evangelho que estes dois discípulos vão sozinhos ao sepulcro.
O evangelista preocupa-se em esclarecer que “os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa” (v. 4). O “outro discípulo” é aquele que está na origem da tradição joanina e que neste relato é identificado como “o discípulo amado”. Mas o texto não afirma unicamente que quem ama mais corre mais depressa e chega na frente. O evangelista quer evitar que seu relato promova uma competição entre os membros das comunidades e, de modo mais amplo, entre as próprias comunidades. Por isso, o discípulo que chega primeiro não entra no túmulo. Ele sabe que o líder do grupo dos discípulos é Pedro e respeita esta liderança e autoridade: o discípulo amado esperou Pedro e deixou que ele entrasse antes (vv. 5-6a).
O evangelista não poupa outros detalhes: o discípulo amado “vê os panos de linho por terra e o sudário... enrolado em um lugar à parte” (vv. 6b-7). O sepulcro é descrito como um quarto nupcial, no qual a vida e a fecundidade anulam a morte. A minúcia de que o lenço que cobria a cabeça estava cuidadosamente dobrado em um lugar à parte confirma o fato de que o desaparecimento do corpo de Jesus não foi obra de um ladrão. Mais ainda, é também uma alusão ao véu que cobria o rosto de Moisés depois que ele falou com Deus em Ex 34,33. Pode também estar ligado ao que Paulo afirma em 2 Cor 3,7-18: o véu que escondia a glória de Deus foi removido por Cristo.
O evangelista não revela o que Pedro pensou acerca do que viu. Pelo contrário, diz explicitamente qual foi o sentimento do discípulo amado: “ele viu e acreditou” (v. 8). O texto, aliás, afirma que o discípulo amado viu duas vezes: no v. 5, antes de entrar, ele olha para dentro do túmulo e vê; no v. 6, quando Pedro chega, entra e vê, o discípulo amado também entre e novamente vê e, desta vez, crê. É forte, portanto, a relação entre ver e crer. Trata-se de uma visão apenas física ou de uma descoberta espiritual? O evangelista parece induzir o leitor a considerar que é necessário estar em comunhão com Pedro para que a visão física (v. 5) se torne a visão da fé (v. 6).
Não obstante, o v. 9 parece enigmático: “Eles ainda não tinham compreendido a Escritura”. Sem dúvida, temos a surpresa provocada por algo inesperado e novo. Mas devemos também levar em conta a dificuldade dos discípulos de compreender que, segundo a Escritura, Jesus deveria ressuscitar.
No versículo seguinte ao trecho que é lido hoje, o evangelista afirma que “os discípulos voltaram para casa” (v. 10). Eles não compreenderam nada e, por isso, não sabem explicar para si mesmos nem para seu grupo o que havia acontecido; muito menos anunciar a alguém de fora. Afinal, para engajar-se na missão é necessário antes experimentar a presença de Jesus ressuscitado.
Ele se manifestará à comunidade dos discípulos somente na tarde daquele dia, nos vv. 19-23. Até lá, Pedro e o discípulo amado ruminarão a dúvida, enquanto Maria Madalena, que inesperadamente reaparece junto ao túmulo. Mas esta já é outra cena, além dos limites do trecho de hoje (vv. 11-18).
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Domingo da Páscoa - Ano B - Subsídios exegéticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU