09 Fevereiro 2021
No fim de janeiro, o Papa Francisco fez um importante discurso aos participantes de um encontro do Escritório Catequético Nacional da Conferência Episcopal Italiana. Ele merece a atenção de todas as Igrejas locais porque mostra, eu acho, por que a oposição a Francisco está enraizada no desejo de colocar o “creme dental” do Vaticano II de volta para dentro do “tubo” pré-conciliar.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 08-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No discurso, o papa apresentou uma compreensão da catequese que está muito longe dos apelos secos a capítulos e versículos que tendem a caracterizar um certo tipo de cristianismo conservador e apologético. “Graças à narração da catequese, a Sagrada Escritura torna-se o ‘ambiente’ em que podemos nos sentir parte da mesma história de salvação, encontrando as primeiras testemunhas da fé”, disse Francisco. “A catequese é tomar o outro pela mão e acompanhá-lo nessa história. Suscita um caminho, no qual cada um encontra um ritmo próprio, porque a vida cristã não uniformiza nem homologa, mas valoriza a unicidade de cada filho de Deus.”
Compare essa abordagem com este artigo [em inglês] do então arcebispo, mais tarde cardeal, Raymond Burke sobre o cânone 915 e a negação da Comunhão a políticos pro-choice, postado na biblioteca online da EWTN. Ele escreve que “a questão relativa ao estado objetivo dos políticos católicos que, consciente e voluntariamente, mantêm opiniões contrárias à lei moral natural dificilmente pareceria mudar de um lugar para outro”.
No mundo de Burke, é fácil distinguir as ovelhas dos cabritos: não há nuance, nem ambiguidade, nem senso dos misteriosos trabalhos da graça que, às vezes, levam uma vida inteira para se concretizar. Quem precisa de pastores? Basta distribuir o Catecismo, que aparentemente é autoexplicativo. Burke não é um protestante que prega “somente a Escritura”, mas um católico que prega “somente o Catecismo”. Francisco não poderia ser mais diferente.
A segunda seção do discurso aborda a natureza da recepção do Vaticano II, e é uma questão candente. O Santo Padre citou seu antecessor, o Papa São Paulo VI, que em 1971 dirigiu-se ao primeiro Congresso Catequético Internacional, dizendo: “É uma tarefa que renasce e se renova incessantemente para a catequese a compreensão destes problemas que surgem da coração do ser humano, para reconduzi-los à sua fonte oculta: o dom do amor que cria e que salva”. Francisco acrescenta: “Portanto, a catequese inspirada no Concílio está continuamente à escuta do coração do ser humano, sempre com o ouvido estendido, sempre atento para se renovar”.
Renovação não é reinvenção. O Concílio não caiu do céu. As reformas foram construídas sobre o ressourcement, o retorno às fontes da doutrina cristã, as Escrituras em primeiro lugar e, em segundo, os escritos dos Padres da Igreja. Você pode identificar um seguidor do Concílio, independentemente da sua ideologia, com bastante facilidade: como aqueles primeiros cristãos, ele demonstra admiração pela assombrosa afirmação no cerne da nossa fé: “O Crucificado vive, o túmulo está vazio”. É por isso que Francisco é tão atraente, não é mesmo? Ele fala e age como alguém que acredita que o túmulo está vazio.
Francisco continua, e eu cito este parágrafo na íntegra:
“Isto é magistério: o Concílio é magistério da Igreja. Ou você está com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, e, se você não segue o Concílio ou o interpreta a seu modo, como quiser, você não está com a Igreja. Devemos ser exigentes e severos nesse ponto. O Concílio não deve ser negociado para ter mais destes... Não, o Concílio é assim. E esse problema que estamos vivendo, da seletividade em relação ao Concílio, repetiu-se ao longo da história com outros Concílios.”
É imperativo que todos nós, não só os catequistas, pensemos eclesialmente, pensemos com a Igreja, e isso significa beber profundamente nas fontes teológicas do Vaticano II. Não há outro caminho a seguir que mantenha a Igreja unida e fiel a si mesma.
No imediato período pós-conciliar nos Estados Unidos, foi a esquerda católica que se descontrolou, exercendo “seletividade em relação ao Concílio” e muitas vezes sendo punida pela autoridade eclesiástica por causa disso.
Agora, são os católicos conservadores que não apenas se encontram em desacordo com os ensinamentos do Concílio, mas também que o depreciam abertamente ou o rejeitam diretamente. No ano passado, o ex-núncio desonrado, o arcebispo Carlo Maria Viganò, deixou claro em uma carta aberta que as suas dificuldades eram tanto com o Vaticano II – ele o chama em um ponto de “golpe de Estado do Vaticano II” – quanto com Francisco. Os discursos de Viganò são publicados e celebrados em inúmeras mídias conservadoras, do LifeSiteNews à EWTN, desviando-se das relações pastorais e dos canais eclesiais normais de comunicação.
Devemos lembrar disto: por trás da oposição a Francisco está a oposição ao Vaticano II. A Igreja na América Latina de onde o papa veio tem sido o lócus da teologia mais fértil desde o Concílio. Os bispos de lá receberam o Concílio de uma forma que não fizemos no Norte, e é hora de ouvirmos e aprendermos. Eles nunca deixaram de colocar a questão: o que significa exercer uma opção preferencial pelos pobres?
Na terceira e última seção do seu discurso, o papa destaca a necessidade da comunidade. É uma bela reflexão, e eu os encorajo a lê-la.
Todas as três seções realmente apontam o caminho para os católicos: precisamos continuar o processo de recepção do Vaticano II e encontrar uma renovação e reforma genuínas na reflexão dialógica, sinodal e fiel sobre esses textos. Na aula de história da Igreja, elas nos ensinaram que leva cerca de 100 anos para receber um Concílio, de modo que estamos apenas na metade do caminho. Já tivemos alguns desvios. É hora de voltar a trabalhar, apropriando-nos desses magníficos textos e assumindo-os como nossos.
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Oposição a Francisco está enraizada na oposição ao Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU