25 Janeiro 2021
Pelo menos até agora, os meios de comunicação e as conversas online parecem estar reagindo com uma admirável (e, francamente, atípica) calma ao último anúncio do Vaticano de que o Papa Francisco teve que se afastar dos eventos públicos.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 24-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No sábado à noite, o Vaticano emitiu um breve comunicado dizendo que o papa não presidiria uma missa na manhã do Domingo da Palavra de Deus, nem proferiria seu discurso anual ao corpo diplomático, nem conduziria um rito de Vésperas pelo encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos nessa segunda-feira, devido a um novo surto de dor ciática.
Isso ocorre depois de um anúncio semelhante no dia 31 de dezembro de que o papa não participaria das celebrações da véspera de Ano Novo nem do dia de Ano Novo, pelo mesmo motivo.
No entanto, o papa proferiu o costumeiro discurso do Ângelus no domingo ao meio-dia, mais uma vez transmitido ao vivo do apartamento papal, devido às restrições da Covid-19 às reuniões públicas.
Para quem já tem uma certa idade, a indiferença com que a maioria das pessoas parece estar recebendo as notícias agora pode ser um pouco desorientadora.
Durante anos, com o falecido São João Paulo II, sempre que o Vaticano anunciava que o papa não compareceria a algo, seguia-se um frenesi midiático, devido à especulação de que talvez o fim estivesse próximo. Os “gatilhos mentais” do mundo das mídias sociais tornaram-se ainda mais pronunciados nos anos desde então, de modo que, abstratamente, seria possível imaginar uma explosão de alarmismo e de teorias da conspiração ligadas a um “estado profundo” sempre que um papa ao menos soluçasse.
No entanto, atualmente, Francisco delegou ou remarcou eventos de alto nível duas vezes em menos de um mês, mas ninguém parece estar muito preocupado com isso. Em grande parte, é claro, isso se deve ao fato de as situações serem totalmente diferentes.
O mal de Parkinson de João Paulo II cobrava um preço visualmente óbvio, tornando-o cada vez mais encurvado e frágil, incapaz de se mover muito por conta própria e, no fim, incapaz até de falar muito. Também sabíamos que o mal de Parkinson é uma doença progressiva, e que os adultos que a sofrem geralmente desenvolvem pelo menos um sintoma principal em 10 anos, como deficiência física ou demência.
A dor ciática de que Francisco sofre é muito menos grave, embora muitas vezes não menos dolorosa. É uma condição causada pela compressão de um nervo na base da coluna, gerando dores na região lombar, nos quadris, nas pernas e nas coxas. Geralmente, ela se resolve com o repouso adequado, embora certas terapias possam ajudar, incluindo a massagem.
(Em 2017, uma respeitada revista italiana de notícias relatou que Francisco estava usando a sua programação reduzida de verão naquele ano para receber massagens e injeções para tratar a sua dor no ciático. O Vaticano, no entanto, é notoriamente silencioso sobre a saúde de um papa e nunca confirmou essa informação. Ele também não forneceu detalhes sobre quais tratamentos o pontífice pode estar recebendo agora, mas, na maioria dos casos, quando a dor no ciático surge, os médicos prescrevem fisioterapia e exercícios, talvez acompanhados de remédios anti-inflamatórios ou relaxantes musculares.)
A dor ciática não ameaça à vida, não encurta o tempo de vida, nem apresenta o risco de incapacidade física ou mental. Isso não significa que ela seja trivial – como o próprio Francisco disse ao falar sobre isso em 2013, “não desejo isso a ninguém!” –, mas não é o tipo de coisa que levante questões sobre a capacidade do papa de governar.
Dito isso, o fato de que esses picos na dor ciática possam estar ocorrendo com maior frequência pode ter implicações futuras não sobre o fato de Francisco poder liderar, mas como.
Para dar um pequeno exemplo, muitos adultos com dor no ciático descobrem que a dor tende a piorar pela manhã, depois de passar várias horas imóveis na cama. O Vaticano pode ser forçado a ajustar a agenda do papa, passando para a tarde e o início da noite alguns eventos geralmente realizados no período da manhã, para permitir que Francisco fique mais à vontade.
Além disso, um dos gatilhos para a dor ciática geralmente é o fato de permanecer parado em uma posição por muito tempo, seja em pé ou sentado. Isso pode significar que Francisco cada vez mais não presidirá grandes liturgias ou eventos que demorem muito, delegando essas tarefas a outros.
(Hoje, domingo, 24 de janeiro) o arcebispo italiano Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, presidiu a missa no lugar do papa, enquanto o rito de Vésperas desta segunda-feira será conduzido pelo cardeal suíço Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção Unidade Cristã.)
(Veremos o que acontece com o discurso aos diplomatas, embora seja inteiramente concebível que, no futuro, o discurso possa ser lido por outra pessoa, e, em seguida, o papa possa receber os enviados para o usual aperto de mão e foto.)
Viajar também exige ficar sentado por longos períodos, e pode ser que, assim que a pandemia diminua e o movimento seja possível novamente, Francisco será compelido ou a viajar para lugares menos distantes – três horas de voo em vez, digamos, de 13 – ou a ter uma agenda mais leve quando chegar a algum lugar.
No curto prazo, as lutas do papa com a dor no ciático acrescentam outro item à lista de razões de ceticismo sobre a sua viagem ao Iraque agendada para os dias 5 a 8 de março, que já incluía a situação de segurança após um recente atentado suicida em Bagdá e a probabilidade de que o efeito da vacinação contra o coronavírus ainda não será sentido em apenas dois meses.
Aliás, nada disso significa necessariamente que Francisco ficará menos visível. Vale lembrar que, poucos dias depois de ele ter sido forçado a desistir dos eventos do Ano Novo, ele deu uma entrevista a um canal de notícias italiano que atraiu mais de 5 milhões de espectadores na Itália e ganhou as manchetes em todo o mundo, quando Francisco revelou que receberia a vacina contra a Covid e insistiu que as pessoas têm a obrigação ética de fazer isso.
Ao longo do ano passado, Francisco não fez nenhuma viagem internacional nem ficou na frente de grandes multidões em Roma, mas, por meio de uma combinação de eventos icônicos, telefonemas, cartas, decretos, entrevistas e comentários transmitidos ao vivo, ele ainda conseguiu encerrar o ano como uma das figuras midiáticas mais seguidas do mundo.
Além disso, a dor ciática não só não prejudica a capacidade do papa de governar, como também, em certo sentido, pode até ajudar. Muitos observadores acreditam que o ritmo da reforma financeira no Vaticano, por exemplo, acelerou no segundo semestre de 2020 porque, sem viagens ou o fluxo usual de dignitários visitantes, Francisco simplesmente teve mais tempo para se concentrar na administração interna.
Se a dor no ciático impuser alguns desses limites mesmo depois que a pandemia passar, isso poderia ter um efeito semelhante, permitindo que Francisco transfira algumas das suas lendárias reservas de energia para tarefas mais diretamente relacionadas ao governo da Igreja.
Resumindo, pela primeira vez, a reação coletiva a um susto sobre a saúde papal parece ser exatamente para evitar o pânico. Por enquanto, o interessante a se observar pode não ser se Francisco está à altura do trabalho, mas sim como o trabalho poderá evoluir para se adequar àquilo que ele está fazendo.
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Novo susto sobre a saúde papal não significa o fim, mas sim uma mudança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU