"Rezar significa viver o desejo dessa familiaridade com o Deus de Jesus precisamente como ele a viveu e sentiu; e significa, acima de tudo, ser surpreendentemente introduzido nela pelo Senhor – sem qualquer hesitação".
A reflexão é de Marcello Neri, teólogo, padre italiano e professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 15-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Rezar nunca é uma tarefa fácil, mas há dias em que parece ser quase impossível. No entanto, é precisamente em dias como esses que a vivência da fé deve, de alguma forma, passar pelo cadinho da oração. A comunidade cristã tem uma referência evangélica confiável para haurir em momentos da vida como esses – a oração que Jesus entregou aos seus, de geração em geração.
Nos Evangelhos, encontramos duas versões do Pai-Nosso: uma mais curta no Evangelho de Lucas (11,1-4) e uma mais ampla no de Mateus (6,7-13) – esta última é a que nos é mais familiar, porque a rezamos juntos como comunidade todos os domingos na celebração eucarística.
Tendo como pano de fundo o Pai-Nosso, gostaria de tentar focalizar alguns aspectos essenciais do rezar cristão que podem nos orientar justamente nos dias em que isso parece se tornar árduo por razões ligadas à própria vida dos dias.
Uma primeira intuição que podemos ter é o do caráter substancialmente social e comunitário da oração cristã. Ela se faz sempre na e pela comunidade, na e pela humanidade. Inserida como está no Sermão da Montanha do Evangelho de Mateus, essa palavra de Jesus sobre a oração se destina, sim, aos discípulos (esse grupo um pouco estranho e ajuntado, nem sempre em sintonia com aquele que eles chamam de mestre, reunido na sua proximidade sem estarem tão cientes do que isso significa), mas não é só para eles.
Mais longe, quase desaparecendo, atrás da comunidade dos discípulos, mas sempre à escuta da palavra do Senhor, está também a multidão – a multidão desconhecida das pessoas, o rosto de quem quer que seja. Também para eles, é dita a palavra do Pai-Nosso, tão cara à comunidade dos discípulos e das discípulas do Senhor.
Portanto, a oração dos seus é sempre também a oração de todos; vai além de toda barreira de pertencimento exclusivo, além de todo limiar de possível incompreensão ou diferença cultural. Nesse sentido, a oração cristã associa os muitos diferentes entre si – e já o faz na comunidade paroquial, onde nos reunimos não em razão de afinidades particulares eletivas da crença.
O cristão e a cristã, na oração, são sempre atravessados e subvertidos nos seus esquemas pela multidão de quem quer que seja, pelo anonimato das suas histórias que continuam desconhecidas para nós, mas não são externas ou estranhas à nossa oração. Na verdade, ela só o é quando é de todos e por todos – e nisso reside a sua socialidade hospitaleira fundamental.
Isso não significa que na fé nunca haja uma oração pessoal, mas sim que, mesmo e precisamente nesse caso, porém, a oração nunca é privada. Mesmo no mais íntimo da minha relação com Deus, entra aquilo que não sou eu, entram aquele e aquela que são diferentes de mim (e que talvez eu nem conheça).
Anteriormente, Jesus havia ordenado aos seus que nunca ostentassem a oração como uma exibição pública indevida da própria devoção e da própria fé. Mas o Pai-Nosso nos obriga a pensar que mesmo aquilo que acontece no “segredo do nosso quarto” nunca é apenas um assunto privado entre Deus e mim. À maneira própria da oração, que abordaremos mais adiante, naquele quarto e no seu segredo, ingressam também os irmãos e irmãs na fé e em humanidade. O “nós” que nos une, portanto, é reunido e levado à singularidade do tempo secreto daquele e daquela que reza.
Esse vínculo nos conforta e nos sustenta na comunidade cristã, porque eu sei que estou sempre presente de alguma forma na oração dos outros – que sou sustentado nela no meu caminho pelos sendeiros dos dias, para ser tornado presente a Deus pela calorosa devoção de muitos irmãos e irmãs.
Passemos agora, por um instante, à versão lucana do Pai-Nosso. Aqui nos damos conta de que a palavra do Senhor é proferida para corresponder a uma pergunta dos seus discípulos: precisamente, a de lhes ensinar a rezar. O que há por trás dessa pergunta, além da exigência de ter uma prática de piedade distintiva para aquele estranho amontado confuso de pessoas que se puseram no seguimento de um homem proveniente de Nazaré?
Gosto de imaginar que essa pergunta dos discípulos nasce do desejo deles de serem introduzidos à familiaridade da relação de Jesus com o Deus que ele chama de Abbá.
Rezar, portanto, significa viver o desejo dessa familiaridade com o Deus de Jesus precisamente como ele a viveu e sentiu; e significa, acima de tudo, ser surpreendentemente introduzido nela pelo Senhor – sem qualquer hesitação. Jesus não hesita sequer um instante em introduzir os seus na familiaridade que o liga ao Abbá; pelo contrário, ele a compartilha com alegria e convicção com qualquer pessoa que também tenha o desejo de habitá-la.
Na vida de Jesus, a oração é o modo evangélico de levar à narração a intimidade originária da sua relação com o Abbá: na oração, ele vive e sente o fato de ter a sua origem paterna em Deus. O dogma cristológico é o desenvolvimento racional da prática devocional da oração de Jesus e do porte teológico da experiência espiritual aí transformado em relato.
Se Jesus não tem nenhuma hesitação, nem mostra o menor ciúme, ao compartilhá-la com ímpeto e alegria com os seus, se a familiaridade com o Abbá não é exclusividade apenas do Filho, então na comunidade cristã a oração não é exclusividade apenas de alguns: todos e cada um podem e sabem rezar.
Portanto, a oração nunca é a especialização da fé de um grupo particular na comunidade ou de uma casta de fiéis – nela são introduzidos todos aqueles que vivem o desejo de familiaridade com o Abbá de Jesus; mas, ao mesmo tempo, a oração também não é apenas espontaneidade do coração ou da alma devota. Certamente, esses aspectos também entram na oração, mas não dizem tudo sobre esse gesto e não o esgotam.
A oração, da e na fé, não é apenas um momento relacionado aos humores, uma disposição do tempo disponível, mas se configura como uma intenção precisa da própria fé.
Nos Evangelhos, quando Jesus reza, a narrativa tenta nos fazer intuir que aqui a vida e o mundo não estão mais restritos unicamente às categorias físicas de um espaço e tempo medidos e mensuráveis. Não estão, exatamente porque a oração representa a forma narrativa para dizer a familiaridade originária de Jesus com o Abbá-Deus: com a oração (de Jesus), entra-se em um modo da existência que é próprio de Deus, que não pode ser reduzido a simples elementos físicos, materiais, quantitativos.
Portanto, se a oração é o ingresso desejado na familiaridade das relações que fazem Deus ser o Abbá, então ela também significa uma ruptura das meras condições físicas e causais da vida na criação amada e redimida por Deus.
A oração, em primeiro lugar, é a transformação de quem reza; e depois, em segundo lugar, transformação dos laços de sentido do mundo e da vida. Quando Jesus sobe ao “monte mais alto” para rezar, aquilo que seus discípulos vivem é exatamente uma transfiguração de todas as categorias habituais com as quais ordenamos e percebemos o mundo, as coisas e as relações; segue-se a ela a irrupção de uma ordem das relações que parece ser aquela desejada desde sempre e para sempre.
Desse modo, a oração abre um horizonte luminoso sobre a vida de todos aqueles que nos precederam na fé, nos afetos, na geração – dos mortos, os nossos mortos e todos os mortos. “Na oração, os mortos não são objetos do passado, mas criaturas cuja presença se transformou” (K. Appel) – e ela é encontro com essa transformação que os torna presentes. “Os mortos, de fato, não estão mais conosco segundo as coordenadas espaço-temporais, mas sim no amor e no significado” com que habitam a nossa vivência (K. Appel).
Nessa perspectiva, gosto de pensar na oração também como uma proximidade recíproca e presença na comunidade cristã – neste longo tempo em que a proximidade física, a cotidianidade do encontro, a frequentação do olhar dos rostos não são possíveis ou se tornaram rarefeitas. Um tempo em que as pessoas que nos são caras estão em casa, no hospital, no trabalho, e não nos é possível estar com elas naquela proximidade calorosa que pertencia ao nosso hábito de antes.
A força da oração também está na sua capacidade de criar uma presença sincera da fé e dos afetos precisamente onde até mesmo a tecnologia avançada não chega ou chega apenas parcialmente.
Cada um de nós tem a sua própria história muito pessoal, que pede para ser narrada sempre de novo – porque a cada dia algo acontece nela e com ela. Talvez pequenas coisas, que nem sequer percebemos, mas que a mudam, a marcam, a alteram – libertando-a de ser sempre e apenas a mesma. A oração é o tempo dessa narração, porque ela é o desejo de Deus de escutar a nossa vivência, as suas hesitações, os seus impulsos, os seus contratempos, os seus horizontes de alegria.
Na oração, somos surpreendidos por um Deus que deseja escutar as nossas vidas, porque só assim ele pode conhecer quem somos, o que sentimos, o que se move nas nossas almas e pesa nos nossos corações – só na palavra da nossa oração ele pode aprender como realmente se fazer próximo de nós. Se não lhe dissermos, Deus não tem outras fontes para sentir do que é feita a nossa vida: na oração chegamos à certeza desse desejo que é o Deus de Jesus, acendemos a sua alegria de ouvir de nós o que acontece na nossa vida.
Certamente, é quase estonteante – a ponto de ficarmos bloqueados; mas o cristão e a cristã podem correr o risco, na oração, de fazer Deus habitar no seu desejo, porque rezam confiando na palavra do Senhor. As coisas de que precisamos, Deus já as conhece; o que elas significam para nós, como elas moldam as nossas vidas, isso ele pode (e quer) aprender somente de nós – ou seja, na oração.
Devolver a Deus a verdade do seu desejo – esse núcleo duro da oração torna imediatamente claro para nós por que rezar não é uma tarefa nem fácil nem espontânea. Mas há outro motivo da oração difícil, que está do nosso lado. A oração joga uma luz (inexorável) sobre o Deus em que acreditamos, sobre a imagem que dele fizemos.
Se a oração é uma espécie de "partida dobrada" para acertar as contas com um Deus-contador, ou de carrinho de produtos a serem solicitados ao Deus-supermercado, ou de uma súplica de resultado incerto a ser apresentada tremendo diante do trono do Deus-faraó, então estamos ainda longe do imaginário evangélico que Jesus compartilhou conosco e entregou à fé de uma multidão de irmãos e irmãs na fé há séculos imemoriais.
De fato, nenhum desses imaginários permite permanecer em oração quando o seu destinatário se ausenta – ao passo que é precisamente a permanência na oração, mesmo na ausência de Deus, que caracteriza a devoção de Jesus ao seu Abbá.
Em momentos como estes, enquanto mantemos o olhar fixo em um horizonte em que não se percebe nenhuma presença, o Deus de Jesus já se deslocou novamente, vindo a fazer sua morada na nossa própria oração – ao nosso lado, ali conosco, como a âncora que o mantém na verdade do seu desejo e na história das nossas vivências.
O Deus que se ausenta da nossa frente para estar ao nosso lado nas efetividades da vida é o Deus que, assim, abre por dentro as nossas vidas, dando-lhes novos vínculos de sentido e horizontes de esperança.