10 Dezembro 2020
"Nestes dias de restrições, de isolamento, de indicações rigorosas mas não muito, de controles e multas pesadas mas nem sempre, quantos de nós, mesmo sabendo perfeitamente o que é certo ou errado fazer, sucumbimos à tentação e saímos dar um passeio cada um para onde quer?", indaga Vittorio Pelligra, professor de economia política na Universidade de Cagliari, Itália, em artigo publicado por Sole 24 Ore, 10-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O cansaço do isolamento em quarentena tem colocado a dura prova o nosso autocontrole: quantos de nós nos últimos dias sucumbiram à tentação e foram dar uma volta onde queriam?
É possível seguir voluntariamente um curso de ação que consideramos errado? De acordo com Sócrates não. Platão lhe faz dizer no “Protágoras”, de fato, que “Ninguém tende voluntariamente para o mal ou para o que acredita ser mal, e não é da natureza humana, me parece, ir voluntariamente para o que se considera mal, em vez de bem. De fato, quando se é obrigado a escolher entre dois males, será que alguém escolherá o maior, embora seja possível escolher o menor?”.
Aristóteles contestará, anos depois, essa posição, referindo-se à dicotomia entre "enkrateia" e "akrasia", o autocontrole e o poder que exercemos sobre nós mesmos, por um lado, e a fraqueza da vontade, se não mesmo o agir contra os próprios interesses, pelo outro. E nestes dias de restrições, de isolamento, de indicações rigorosas mas não muito, de controles e multas pesadas mas nem sempre, quantos de nós, mesmo sabendo perfeitamente o que é certo ou errado fazer, sucumbimos à tentação e saímos dar um passeio cada um para onde quer? Fora o caso de Milão, que o prefeito Sala parece ter levado muito a sério, quantos comportamentos de risco, em termos de potencial contágio, são assumidos de forma consciente, inconsciente ou simplesmente porque estamos extenuados por meses de isolamento e distanciamento social?
Para tentar responder a essa pergunta, poderíamos começar nos fazendo outra pergunta, apenas aparentemente longe de nossa questão principal. Quando um juiz dá uma sentença, que tipo de decisão ele toma? Do que depende a pena ou, talvez, a concessão de prisão domiciliar em vez de prisão preventiva, uma redução da pena ou o reconhecimento de circunstâncias atenuantes? Nesse sentido, duas abordagens diferentes se contrapõem já há algum tempo: por um lado, os defensores do “formalismo jurídico” consideram a decisão como o resultado de um processo racional de aplicação das normas a um caso particular; um processo que se dá de forma deliberativa, lógica e imparcial, quase mecânica. Pelo outro lado, encontramos a abordagem do “realismo legal” que assume que a decisão seja certamente guiada por normas e procedimentos codificados, mas, ao mesmo tempo, também é influenciada por fatores externos de natureza psicológica, social e política.
Para tentar colocar algum suporte empírico nessa diatribe, há alguns anos, Shai Danziger, Jonathan Levav e Liora Avnaim-Pessoa, psicólogos da Universidade Ben Gurion e da Columbia de Nova York, decidiram ir ao fundo na questão através da observação controlada do comportamento real de um grupo de juízes. O estudo parte, explicitamente, do ditado popular de que "justiça é o que o juiz come no café da manhã". Decidiu-se observar, ao longo de 50 dias, oito juízes especialistas chamados a tomar, todos os dias, uma longa sequência de decisões sobre a concessão de liberdade condicional. Para cada caso em estudo, os autores do estudo consideram todas as variáveis legalmente relevantes consideradas pelo juiz em sua avaliação, como, por exemplo, o número de condenações anteriores, a gravidade do crime, os meses já passados na prisão, a possibilidade de um programa de reabilitação e outros de natureza semelhante. Também são registradas tanto a hora em que o caso individual é discutido quanto a ordem com relação a todas as outras decisões do dia. Em média 6 minutos são dedicados à discussão de cada caso, após o que o resultado é comunicado ao requerente. Dias exigentes e repetitivos, pontuados por dois intervalos, um no meio da manhã para um café ou lanche e outro para o almoço. Esses intervalos dividem a jornada de trabalho do juiz em três segmentos: manhã cedo, final da manhã e pós-almoço. Os autores, em particular, se concentram na relação entre a probabilidade de uma decisão favorável e a hora do dia em que o pedido é discutido. Nesse sentido, seria razoável esperar uma independência da probabilidade de aceitação do pedido em relação ao momento em que o processo é examinado. Isso, pelo menos, é o que os formalistas legais argumentam.
Os realistas, por outro lado, consideram, entre outros, os efeitos da repetitividade da tarefa e do fato de que este elemento possa afetar a qualidade da decisão, fazendo prevalecer, por exemplo, aspectos automáticos, emocionais e simplificações excessivas. Segundo essa posição, então, a probabilidade de uma decisão favorável tenderia a diminuir ao longo do dia, com valores elevados pela manhã e valores inferiores à tarde. Os dados do estudo, no entanto, em última análise, mostram resultados diferentes, surpreendentemente diferentes. O significado da expressão "justiça é o que o juiz come no café da manhã" assume, à luz das evidências recolhidas, um valor muito mais literal do que se poderia imaginar. A probabilidade de aceitação dos pedidos é, de fato, muito elevada no início do dia, quando cerca de 65% dos pedidos são julgados favoravelmente, mas começa a se reduzir muito rapidamente até zerar. Depois, o juiz e seus colaboradores fazem o primeiro intervalo: frutas, lanches, uma bebida e as audiências são retomadas. Mais uma vez a probabilidade de um desfecho favorável aumenta, fixando-se em torno de 65% e depois, rapidamente, como antes do intervalo, tende a zerar e assim por diante até o almoço. À tarde, novamente, outro pico e depois declínio. Portanto, não é tanto a ordem em que um pedido é examinado que determina a probabilidade de aceitação, mas sim sua maior ou menor distância das pausas que interrompem a jornada de trabalho do juiz (Danziger S. et al., “Extraneous Factors in Judicial Decisions”, Proceedings of the National Academy of Sciences, April 26, 2011, vol. 108, p. 6889–6892).
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Fase 2, o cansaço do isolamento nos leva a comportamentos errados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU