08 Dezembro 2020
“Conclamamos Biden a considerar a nomeação de uma comissão apartidária de especialistas constitucionais para examinar a forma como a presidência de Trump prejudicou os processos democráticos dos EUA e a oferecer sugestões para áreas onde esses processos podem ser reforçados – em antecipação ao próximo presidente com tendências autocráticas”, escrevem, em editorial, os editores do National Catholic Reporter, 07-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No sacramento da reconciliação, antes da liberdade da absolvição vem a confissão dos pecados, em número e espécie: confessando e aceitando a responsabilidade pelos próprios erros. Somente então pode o penitente reparar os danos feitos e seguir rumo à verdadeira reconciliação.
Esse modelo católico poderia ajudar a pensar sobre como os EUA podem se mover para frente quatro anos depois do caos, crueldade e devassa destruição das normas democráticas pelo presidente Donald Trump.
Os pedidos para o governo do presidente-eleito Joe Biden para focar primeiramente em unificar o país e oferecer um “retorno à normalidade” são tentadores. Mas tais esforços não seriam bem-sucedidos se não tentássemos ao menos nomear o que ocorreu de errado com o 45º presidente do país.
Depois de quatro anos com Trump no comando, as instituições democráticas estavam espancadas e machucadas. Em um espaço limitado, é quase impossível enumerar as formas que esse presidente distorceu as instituições à sua vontade.
Apenas nas últimas semanas depois das eleições de 03 de novembro, Trump demitiu pelo menos 12 autoridades do governo, incluindo o chefe da agência de segurança que com sucesso protegeu o pleito da influência externa.
O presidente, que continua a ameaçar uma transição de governo pacífica com crescentes reclamações de “fraude”, estava aparentemente aborrecido com a declaração do então diretor da agência, Chris Krebs, de que a eleição foi “a mais segura na história estadunidense”.
Trump também deu um passo sem precedentes de convocar à Casa Branca deputados de dois estados onde perdeu, Pensilvânia e Michigan, em uma vã tentativa de anularem os votos de seus próprios constituintes.
Esses passos, é claro, não foram no vácuo, mas depois de anos de um governo que demitiu mais autoridades federais que qualquer outro na história moderna, governado por falsidade atrás de falsidade, abusando do poder de perdão ad nausueam e rompendo com os padrões éticos de longa data ao contratar membros da família e desafiar autoridades governamentais – apenas para dar alguns exemplos.
Nós entendemos que Biden e o novo governo não vão querer gastar seu capital político para refazer o passado. Nós também concordamos com os que argumentam que processar um ex-presidente seria contraproducente.
Ainda assim, o desfecho do mandato de Trump é um momento apropriado para fazer um balanço do que deu errado. Melhor ainda, é um momento apropriado para identificar as maneiras pelas quais podemos fortalecer nossa ordem constitucional para que o próximo líder como Trump não seja tão bem-sucedido (essa pessoa, afinal, pode estar dotada de dons, foco e orientação estrangeira para o 45º presidente).
É com esse espírito que conclamamos Biden a considerar a nomeação de uma comissão apartidária de especialistas constitucionais para examinar a forma como a presidência de Trump prejudicou os processos democráticos dos EUA e a oferecer sugestões para áreas onde esses processos podem ser reforçados – em antecipação ao próximo presidente com tendências autocráticas.
Muitas das sugestões, é claro, acabarão sendo letras mortas. Limitar o poder de perdão, por exemplo, exigiria a aprovação de uma emenda constitucional - algo que é quase impossível de imaginar. Mas, mesmo que as sugestões oferecidas não tenham efeito imediato, pelo menos oferecerão um plano de como nós e as gerações futuras poderemos começar a reconstruir nossa democracia.
A decisão do país de tirar Trump do cargo foi apenas o primeiro de muitos passos que precisaremos dar para nos livrar da desgraça que ele causou. Como o penitente, o próximo passo é reconhecer o mal feito e pedir ajuda para evitar que aconteça novamente. Biden, o segundo presidente católico dos EUA, certamente entende.
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Biden deveria nomear uma comissão da verdade pós-Trump. Editorial do National Catholic Reporter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU