18 Novembro 2020
Mente lúcida e fala contundente o acompanham em quase um século de vida. Edgar Morin (Paris, 1921) passou estes longos anos apegado à sua fecunda obra filosófica e sociológica, sendo testemunha presencial de guerras, regimes hegemônicos, agitações políticas, explosões sociais, revoluções tecnológicas. E agora, de uma pandemia.
A reportagem é de Mariela León, publicada por Cambio 16, 16-11-2020. A tradução é do Cepat.
Morin, um dos intelectuais mais destacados da Europa, continua colaborando com ideias para o debate coletivo. Desta vez, sob os sinais de uma crise sanitária sem precedentes, que deixa rastros ainda não mensurados.
Autor da Teoria do Pensamento Complexo e de ao menos outros trinta e cinco títulos, Morin incorpora um a mais nestes tempos difíceis. Com o selo da editora Paidós, coloca no mercado Cambiemos de vía: lecciones de la pandemia, um texto reflexivo acerca dos ensinamentos que a calamidade gerada pelo SARS-CoV-2 deixa para a humanidade.
“Esta crise aberta pela pandemia me surpreendeu enormemente. Mas não surpreendeu minha forma de pensar, ao contrário, a confirmou. No final das contas, sou filho de todas as crises que meus 99 anos passaram. O leitor compreenderá, então, que eu considere normal esperar o inesperado e prever que o imprevisível pode acontecer”, comentou.
Estas páginas se somam a Rumo ao abismo? (2008), A via: para o futuro da humanidade (2011) e Penser global. L’humain et son univers (2015), para citar seus livros mais recentes.
Em Cambiemos de vía, Morin retira lições da crise que vivemos e da inimaginável quarentena de mais da metade do planeta. A partir de sua visão filosófica, deixa em seu texto uma sequência de considerações sobre a existência, a condição humana, a incerteza de nossas vidas. Também sobre a nossa relação com a morte, nossa civilização, o despertar da solidariedade e a desigualdade social no confinamento.
Também adverte sobre a diversidade de situações e a gestão da epidemia no mundo, a ciência e a medicina. Assim como sobre a falta de pensamento e ação política, a crise na Europa, a crise global.
Um vírus muito minúsculo, como todos, procedente de uma longínqua cidade da China colocou o mundo de pernas para o ar. “É evidente que a história conheceu muitas pandemias. Mas a novidade da Covid-19 é que provocou uma policrise mundial de componentes, interações e incertezas múltiplas e inter-relacionadas”, aponta.
Enfrentamos novas perspectivas: grandes incertezas e um futuro imprevisível. E a humanidade atual, que vive em um fluxo de tensões, não se preparou. “É o momento de mudarmos de via pela proteção do planeta e uma humanização da sociedade”.
Em uma entrevista publicada pelo jornal Le Monde, o filósofo e escritor argumenta que “a pós-pandemia será uma aventura incerta, na qual se desenvolverão as forças do pior e do melhor. Ainda que estas últimas ainda sejam frágeis e dispersas. Mas o pior não está dado, e o improvável pode acontecer”.
Para Edgar Morin, é difícil saber o que acontecerá após a pandemia. “Se depois da quarentena, as condutas e ideias inovadoras serão mantidas com seu impulso ou a ordem será reestabelecida, após a sacudida. Podemos ter o grande temor do retrocesso da democracia, triunfo da corrupção e a demagogia, regimes neoautoritários, iniciativas nacionalistas, xenófobas, racistas”.
Sugere que “todas os retrocessos (e no melhor dos cenários, estagnação) são prováveis, enquanto não surgir a nova via política-ecológica-econômica-social conduzida por um humanismo regenerado. Esta nova via multiplicaria as verdadeiras reformas que não se limitam a reduções orçamentárias, mas que são reformas da civilização, sociedade, vinculadas às reformas da vida”.
Desta crise, que agora acumula sua segunda onda, deve ser retirada várias lições. Edgar Morin sugere que se deve tomar consciência a respeito da existência de pessoas que viveram a pandemia na escassez e na pobreza. Daqueles que não puderam ter acesso ao supérfluo e frívolo, e que merecem chegar ao estágio no qual se dispõe do desnecessário.
Esta brutal pandemia mudou repentinamente nossa relação com a morte. “De repente, o coronavírus provocou a irrupção da morte pessoal, até então postergada para o futuro na parte imediata da vida cotidiana”. Recordou a contagem de mortes, dia a dia, e a desoladora ação de enterrar os nossos, sem ao menos uma despedida.
No entanto, apontou algumas boas lições trazidas pela pandemia. Despertou a memória (ao ser todo-poderoso, o “homem” pensou que havia dominado a natureza e esqueceu das grandes epidemias da Idade Média, as graves crises econômicas). E despertou a solidariedade, iluminadas sobre a diversidade de situações e desigualdades humanas, sobre as incertezas científicas”.
Hoje, devemos enfrentar os novos desafios do ser humano. “O desafio de uma globalização em crise, existencial, político, digital, ecológico, econômico. O perigo, caso não enfrentemos estes desafios, será um grande retrocesso intelectual, moral e democrático”.
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“É hora de mudar de via”, alerta Edgar Morin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU