04 Novembro 2020
Dados de satélite coletados ao longo de 23 anos foram analisados. Cientistas alertam para aumento de emissões, perda de biodiversidade e risco de doenças infecciosas.
Área degradada em Lábrea, no Amazonas
(Foto: Avener Prado/Repórter Brasil)
A reportagem é de Claire Asher, publicada por Mongabay, 30-10-2020.
Estudo analisou 1.200 imagens de satélite para mapear a degradação florestal na Amazônia
(Foto: Agência Espacial Europeia em Visualhunt/CC BY-SA
Extração seletiva de madeira, queima do sub-bosque, efeito de borda e fragmentação florestal: os fatores de pressão que compõem a degradação custaram caro à Floresta Amazônica no Brasil, de acordo com um estudo publicado na revista Science.
Eraldo Matricardi, da Universidade de Brasília, e David Skole, da Michigan State University, lideraram uma equipe internacional de pesquisadores que analisou 23 anos de dados de satélite em toda a Amazônia brasileira para mapear áreas de desmatamento e degradação. Eles analisaram o espectro de luz presente em cada pixel de 1.200 imagens do satélite Landsat, cada uma representando 30 metros quadrados de floresta, para determinar a proporção de vegetação verde e, como efeito, a extensão da degradação.
“A luz refletida em cada pixel é a combinação da luz do solo nu, da vegetação fotossintética e da não fotossintética, [tal como] os caules e galhos das árvores”, explica Skole. Estimar a fração de vegetação verde em cada pixel permitiu à equipe visualizar a degradação florestal em larga escala. A equipe mapeou a degradação causada como consequência do desmatamento (pela extração seletiva de madeira e incêndios no sub-bosque) e a completa conversão da terra em madeira, pastos, plantações ou outras atividades humanas.
A análise confirmou que as taxas de desmatamento caíram a partir de um pico de 29 mil quilômetros quadrados por ano em 2003 para 6 mil quilômetros quadrados por ano em 2014. Contudo, este declínio no desmatamento foi compensado por uma tendência de aumento da degradação florestal e, em 2014, a taxa de degradação superou o índice registrado para o desmatamento. Entre as causas, estão o aumento da extração de madeira e as queimadas no sub-bosque. Para se ter uma ideia, durante os 23 anos do período do estudo, a taxa anual de corte seletivo de madeira aumentou 270%.
A degradação florestal pelos incêndios e corte seletivo de madeira ocorreram de maneira quase que contínua na paisagem por longos períodos de tempo e não foi substituída por outras formas de degradação ou pelo desmatamento. “A área afetada pela degradação equivale a 10% do total da Amazônia e, ao contrário do que se pode imaginar, uma parte considerável dessa degradação não levou ao desmatamento”, diz Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Darcy Ribeiro, coautor do estudo.
Os dados também revelaram uma grande mudança geográfica na perturbação da floresta: a extração seletiva de madeira está se movendo para oeste, para longe do “arco do desmatamento” histórico nos estados de Pará, Mato Grosso e Rondônia, no leste da Amazônia. Essa mudança não parece “ter sido afetada por políticas ou regulação ou mitigação, então é provável que fique ainda mais significativa”, alerta Skole.
Acordos e iniciativas internacionais dependem não só do monitoramento do desmatamento, mas também da degradação florestal. Por conta disso, os resultados do novo estudo podem influenciar diretamente no resultado de iniciativas globais que visam deter a perda de biodiversidade e as emissões de carbono, como, por exemplo, o programa de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) da Convenção do Clima da ONU. “É preciso começar a levar em conta a degradação”, diz Skole.
As descobertas também podem ter implicações importante para a contagem das emissões globais de gases de efeito estufa e para os compromissos brasileiros com o Acordo de Paris. “As florestas da Amazônia brasileira armazenam 25% do carbono contido acima do solo em todas as florestas tropicais do mundo, tornando seu papel extremamente importante e inquestionável para o ciclo global e a regulação climática”, diz Wayne Walker, diretor do Programa de Carbono no Centro de Estudos Climáticos Woodwell, localizado no estado americano do Maine.
“Esses resultados, que são coerentes com nossas descobertas, confirmam que a atenção do Brasil para com o monitoramento do desmatamento resultou em significativa subestimação das emissões de carbono da floresta”, acrescenta Walker, que não participou diretamente do estudo publicado na Science. “Proteger as florestas intactas, enquanto se incentiva a recuperação de áreas degradadas, deve ser um componente fundamental de qualquer estratégia ampla de mitigação do clima.”
Pedlowski alerta que “a situação atual é provavelmente pior do que a mostrada no artigo científico [que observou apenas a degradação florestal até 2014], especialmente por causa do maior número de incêndios florestais que aconteceram em 2019 e 2020.”
A degradação florestal, além de ser um fator-chave das emissões de carbono, também está ligada a mudanças nos ciclos da água e de nutrientes, que, segundo especialistas, podem levar ao ponto de virada ecológica que transformaria a Amazônia de floresta tropical biodiversa em savana degradada.
Ao acrescentar a degradação florestal mapeada no estudo à equação, “o limiar para o chamado ponto de inflexão está muito mais próximo do que a comunidade científica estimou até agora”, diz Pedlowski. “Se quisermos evitar [o ponto de virada], controlar a degradação florestal será tão importante quanto controlar o desmatamento.”
A degradação florestal também está conectada a surtos de doenças infecciosas, resultantes do contato mais frequente entre humanos e a vida selvagem desabrigada. Um estudo divulgado no ano passado aponta que um aumento de 10% no desmatamento na Amazônia Brasileira estava ligado a um aumento de 3,3% nos casos de malária.
A degradação das florestas da Amazônia tem sido historicamente negligenciada por políticos, ativistas e até mesmo cientistas, em parte porque é bem mais difícil detectá-la em comparação desmatamento. “Não se pode administrar aquilo que não se pode medir”, lamenta Walker.
Para piorar, Pedlowski alerta que a abordagem atual de “pouco caso” do governo de Jair Bolsonaro transformou a Amazônia em um “velho oeste”, o que pode resultar em desmatamento e degradação ainda mais severos. Para evitar esse potencial desastre ecológico, “o primeiro passo é restabelecer as ferramentas de comando e controle que foram desmanteladas pelo governo Bolsonaro e impedir o enfraquecimento de órgãos fundamentais como o Ibama, o ICMBio e o Inpe”.
As agências ambientais brasileiras foram alvo de retirada de financiamento e de desregulação sob a direção de ex-militares recém-nomeados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Sem essas agências funcionando adequadamente, não há chance de conter o avanço tanto do desmatamento quanto da degradação na Amazônia brasileira”, acrescenta.
Pedlowski diz que conservar a Amazônia exigirá uma mudança na mentalidade do atual governo do Brasil, abandonando a visão de que proteger e restaurar as florestas é um empecilho ao progresso econômico. Na verdade, é o contrário. “Quando queimamos um único metro quadrado de Floresta Amazônica, estamos perdendo uma quantidade inestimável de riqueza”.
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Degradação supera desmatamento na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU