29 Outubro 2020
"Este é um artigo essencial para a definição da data de início e das características do Antropoceno. Fica claro que o crescimento populacional e o aumento da afluência estão altamente correlacionados com a degradação dos ecossistemas e com as tendências de aumento da temperatura da Terra", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 28-10-2020.
“Estamos num mundo ao qual já não pertenço. O que conheci, o que amei, tinha 2,5 bilhões de habitantes. O mundo atual conta com 6 bilhões de seres humanos. E o do amanhã, povoado por 9 bilhões de homens e mulheres – mesmo se for o pico da população, como nos asseguram para nos consolar –, proíbe-me qualquer previsão” - Claude Lévi-Strauss (1908-2009)
O Antropoceno é um termo amplamente usado, desde sua criação por Paul Crutzen e Eugene Stoermer em 2000, para denotar o atual intervalo de tempo geológico, no qual muitas condições e processos na Terra estão sendo profundamente alterados pelo impacto humano.
Esse impacto intensificou-se significativamente desde o início da industrialização, tirando-nos do estado do Sistema Terrestre típico da Época Holocena, que é posterior à última glaciação, há cerca de 12 mil anos.
O conceito do Antropoceno é um instrumento teórico fundamental para se entender as mudanças históricas que ocorrem no Planeta. Assim, o termo tem como objetivo dar conta das mudanças recentes ocorridas no Sistema Terra e mostrar que a humanidade deixou de ser uma espécie passiva e dominada pelas forças da natureza, para se transformar em uma espécie ativa capaz de subjugar a ecologia à economia, inclusive, constituindo-se em uma força geológica apta a alterar o equilíbrio da atmosfera e da biosfera e capaz de mudar o ciclo das águas e os ciclos biogeoquímicos (nitrogênio, fósforo, etc.).
A definição oficial do termo Antropoceno será confirmada pela União Internacional de Ciências Geológicas, a partir dos trabalhos da Comissão Internacional de Estratigrafia. Em 2009 foi constituído o Anthropocene Working Group (#AWG). O Grupo de Trabalho Antropoceno (AWG) tem como base a pesquisa interdisciplinar dedicada ao estudo do Antropoceno como uma unidade de tempo geológica. Em 2019, o grupo contava com 35 membros, incluindo um organizador de grupo de trabalho e um secretário, respectivamente o paleobiólogo Jan Zalasiewicz e o geólogo Colin Neil Waters. Desta forma, o principal objetivo do AWG é fornecer evidências científicas robustas o suficiente para que o Antropoceno seja formalmente ratificado pela União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) como uma época dentro da escala de tempo geológico.
O artigo “Extraordinary human energy consumption and resultant geological impacts beginning around 1950 CE initiated the proposed Anthropocene Epoch”, de Jaia Syvitski, Colin N. Waters, Jan Zalasiewicz et. al. (16/10/2020), publicado na revista Nature (Communications Earth & Environment) dá uma contribuição fundamental para a definição do início e do impacto do Antropoceno.
Os 18 autores consideram que o crescimento dos impulsionadores fundamentais – uso de energia, produtividade econômica e população – pode fornecer indicações quantitativas da fronteira proposta entre a Época do Holoceno e do Antropoceno. O gasto de energia humana no Antropoceno, cerca de 22 zetajoules (ZJ), excedeu em muito o dos 11.700 anos anteriores do Holoceno (cerca de 14,6 ZJ), principalmente por meio da combustão de combustíveis fósseis. O efeito do aquecimento global durante o Antropoceno é de magnitude ainda maior. A população humana global, sua produtividade e consumo de energia, e a maioria das mudanças que afetam o meio ambiente global, estão altamente correlacionados. Esta explosão extraordinária de consumo e produtividade demonstra como o Sistema Terrestre partiu de seu estado Holoceno desde aproximadamente 1950, forçando mudanças físicas, químicas e biológicas abruptas no registro estratigráfico da Terra que podem ser usados para justificar a proposta de nomear uma nova época: o Antropoceno.
A população humana, desde o nascimento do Homo sapiens, demorou cerca de 200 mil anos para atingir 2,5 bilhões de pessoas em 1950. Mas nas 7 décadas seguintes acrescentou outros 5 bilhões de habitantes, triplicando o volume da população global entre 1950 e 2020. Mas o impacto antrópico sobre o meio ambiente foi muito maior, pois o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 13 vezes e a Renda per capita cresceu 4,2%. Por conseguinte, a extração de recursos naturais e o consumo de energia foram também multiplicados em proporções semelhantes. Assim, no ciclo de uma única vida (70 anos) a Humanidade se tornou uma força geológica em escala planetária. A correlação entre o crescimento populacional, a produtividade econômica (aumento da renda per capita), o crescimento do consumo de energia e a degradação dos indicadores ambientais é clara, conforme mostram os gráficos abaixo.
Crescimento demoeconômico e o início do Antropoceno. (Fonte: Revista Nature - Communications Earth & Environment)
O artigo em questão é resultado do trabalho do Grupo de Trabalho Antropoceno (AWG) que analisa a possibilidade de fazer do Antropoceno uma nova época dentro da Escala de Tempo Geológica oficial, caracterizada pelo impacto humano avassalador sobre a Terra. Desta forma, o trabalho, documenta as causas naturais das mudanças ambientais ao longo dos últimos 11.700 anos (Holoceno) e as mudanças dramáticas causadas pelo ser humano desde 1950. Essas mudanças planetárias alteraram oceanos, rios, lagos, linhas costeiras, vegetação, solos, química e clima. Mudanças físicas, químicas e biológicas distintas nas camadas de rocha da Terra começaram por volta do ano 1950, segundo a pesquisa.
Esta é a primeira vez que os cientistas documentam a pegada geológica da humanidade em uma escala tão abrangente em uma única publicação e indicaram os marcadores inequívocos do Antropoceno. Os 18 autores do estudo compilaram pesquisas existentes para destacar os 16 principais impactos planetários causados pelo aumento do consumo de energia e outras atividades humanas, com aumento de significância desde 1950.
Entre 1952 e 1980, os humanos detonaram mais de 500 explosões termonucleares acima do solo como parte dos testes de armas nucleares globais, que deixaram para sempre uma assinatura clara de radionuclídeos causados por humanos – átomos com excesso de energia nuclear – na superfície de o planeta inteiro.
Desde 1950, os humanos também dobraram a quantidade de nitrogênio fixo no planeta por meio da produção industrial para a agricultura, criaram um buraco na camada de ozônio através da liberação em escala industrial de clorofluorcarbonos (CFCs), liberaram gases de efeito estufa suficientes de combustíveis fósseis, causando mudanças climáticas e gerando dezenas de milhares de compostos minerais sintéticos a mais do que os que ocorrem naturalmente na Terra. fazendo com que quase um quinto dos sedimentos dos rios em todo o mundo não chegassem mais ao oceano devido a represas, reservatórios e desvios.
Os humanos produziram tantos milhões de toneladas de plástico a cada ano desde meados do século 20 que os microplásticos estão “formando um marcador quase onipresente e inequívoco do Antropoceno”. Nem todas essas mudanças de nível planetário podem definir o Antropoceno geologicamente, mas se as tendências atuais continuarem, elas podem levar a marcadores no registro de rochas que o farão.
Desde cerca de 1950, os oceanos globais têm se aquecido progressivamente, tanto na superfície quanto cada vez mais, a profundidades superiores a 2.000 m. O calor é transferido verticalmente por tempestades e redemoinhos e pelo afundamento da água de superfície tornada densa pelo resfriamento, especialmente nos mares do Labrador e da Noruega-Groenlândia no Atlântico e no Oceano Antártico ao redor da Antártica.
Desta forma o artigo conclui dizendo: “O Grupo de Trabalho Antropoceno (AWG) votou para afirmar, 1) o Antropoceno deve ser tratado como uma unidade cronoestratigráfica formal definida por um GSSP, e 2) o guia primário para a base do Antropoceno deve ser um dos sinais estratigráficos em torno de meados do século XX. Registros geológicos que caracterizam a base do Antropoceno estão sendo reunidos e, no devido tempo, as recomendações do Grupo exigirão a aprovação da Comissão Internacional de Estratigrafia. Os dados narrativos e quantitativos apresentados aqui sustentam fortemente a trajetória do Sistema Terrestre longe de um estado holoceno do sistema, substancialmente e globalmente, em meados do século 20, por volta de 1950.
O estabelecimento da nova época proposta formalizaria o uso do termo Antropoceno, que já tem sido amplamente utilizado em pesquisas que descrevem mudanças induzidas por ações humanas e registradas em arquivos geológicos”.
Este é um artigo essencial para a definição da data de início e das características do Antropoceno. Fica claro que o crescimento populacional e o aumento da afluência estão altamente correlacionados com a degradação dos ecossistemas e com as tendências de aumento da temperatura da Terra.
Jaia Syvitski et. al. Extraordinary human energy consumption and resultant geological impacts beginning around 1950 CE initiated the proposed Anthropocene Epoch, Nature Communications Earth & Environment, volume 1, Article number: 32, 16/10/2020. Disponível aqui.
Subcommission on Quaternary Stratigraphy (SQS). Working Group on the ‘Anthropocene’. Disponível aqui.
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O Antropoceno tem início com o grande crescimento demoeconômico pós-1950. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU