26 Outubro 2020
“Estamos testemunhando a superação da estagnação que arrasta a Igreja desde o Iluminismo”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 22-10-2020.
A decisão do papa Francisco, segundo a qual os homossexuais podem contrair matrimônio civil, já que o Direito Canônico (cân. 1055) define o citado matrimônio como “o consórcio de um homem e uma mulher para toda a vida”, foi uma das grandes notícias do momento, em um mundo tão agitado de notícias sensacionais, como estamos vivendo.
Como é lógico, interessou especialmente aos homossexuais. Mas, se esse assunto for pensado de forma mais lenta, podemos e devemos dizer que estamos vivenciando um acontecimento que transcende o problema da homossexualidade. Isso claro, mas não só. Sem exagero nenhum, podemos garantir que estamos testemunhando a superação da estagnação que desde o século XVIII tem arrastado a Igreja, que foi ultrapassada pelo Iluminismo.
Na verdade, e por incrível que pareça, a Igreja foi marginalizada, na sociedade e na cultura moderna, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789-1791). Declaração à qual o papa Pio VI se opôs fortemente, em 29 de março de 1790, em uma assembleia de cardeais, na qual o Papa afirmou que os direitos humanos eram um atentado e uma ferida que foi feita à religião e para os direitos da Santa Sé. E assim o papado se manteve firme desde Pio VI, em 1790, até Pio X, em 1906. Aí veio a formulação do Direito Canônico, como já disse. Além disso, quando em 10 de dezembro de 1948 a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” foi assinada em Roma, Pio XII, poucos dias depois, fez um discurso, dirigido a toda a humanidade, no qual falou dos grandes acontecimentos do ano, mas nem mencionou “Direitos Humanos”.
A primeira consequência de tudo isto, é que naquela hora o Estado da Cidade do Vaticano não poderia assinar – agora e depois de tantos anos – a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E a primeira coisa que ocorre a qualquer um é pensar: uma instituição que não pode assinar os Direitos Humanos, com que autoridade pode pregar o amor mútuo e universal como o primeiro e maior mandamento que o Senhor Jesus nos deixou em seu Evangelho? Isso, antes de tudo.
Mas há, em tudo isso, algo muito mais sério. Algo que a teologia cristã não leva a sério. Refiro-me ao Mistério da Encarnação. Qual é o evento da Humanização de Deus. Dizer que Deus se encarnou em Jesus é dizer que “o divino” se fundiu com “o humano”. A tal ponto que, de acordo com os Evangelhos, quando o evento do juízo final chegar na realidade, e como é dito que Karl Rahner afirmou, tal juízo será um “juízo ateu”. Porque a ninguém vai ser perguntado se fez ou não fez tal coisa para Deus, mas eles vão nos dizer: “O que fizestes a um destes, tu fizestes a mim” (Mt 25, 40). Além disso, quando Jesus se despediu dos discípulos, deu-lhes “um novo mandamento” (Jo 13, 34-35). Que eles se amassem. Qual foi a novidade desta missão definitiva? Em que Deus não é mencionado.
Termino com uma pergunta que nos obriga a pensar: Se o mais importante e decisivo é que nos amemos, será o que os altos funcionários da Cúria decidirem em Roma, que terá mais importância, mais peso e mais valor que o mais elementar e básico do amor, que é aceitar e viver a igualdade de todos em nossos direitos mais comuns, básicos e elementares?
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O Papa e as uniões civis homossexuais, “uma das grandes notícias do momento”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU